Memória Fotográfica: Isidore van Kinsbergen

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Um dos budas de Borobudur (c. 1873). Para muitos europeus, fotos como essa foram o primeiro contato com a cultura budista. [Imagem: KITLV/Wikimedia]

Holandês nascido na atual Bélgica e de formação francesa, Kinsbergen foi um pequeno polímata da Indonésia colonial

Filho de mãe flamenga e pai holandês, Isidore van Kinsbergen nasceu em 3 de setembro de 1821 na cidade de Bruges (atualmente na Bélgica). Por volta dos 20 anos, ele começou a trabalhar como gravurista em Ghent, onde estudou num conservatório artístico francês. Dez anos mais tarde, ele foi nomeado cenógrafo do Théâtre Français de Batavia — Batavia era a capital das Índias Orientais Holandesas, atual Jacarta, Indonésia. Ao chegar na capital indonésia, ele se apresentava como artista, litógrafo, cenógrafo e até cantor de ópera. Essa versatilidade era necessária para sobreviver como artista naquela pequena comunidade colonial. Logo, não foi surpresa quando Kinsbergen passou a se interessar por fotografia e atuar como fotógrafo.

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No seu estúdio Van Kinsbergen costumava criar cenas elaboradas, mesmo para personagens simples, como esses Chaveiros de origem chinesa (c. 1870). [Imagem: KITLV/Wikimídia]

Não se sabe exatamente como e onde Kinsbergen recebeu instrução fotográfica, mas é possível que ele tenha se formado por influência de seus conhecidos em Paris, onde passou alguns meses em 1854. Sua experiência como litógrafo e pintor de cenários deve ter sido outro fator facilitador. Seja como for, ele voltou fotógrafo e abriu um estúdio em Batavia em 1855. No estúdio, suas influências teatrais revelavam-se no modo como posava seus modelos. Para Kinsbergen, cada pessoa que aparecia ali era uma oportunidade de fazer experimentos com poses e expressões. Mais do que curiosidades etnográficas, seus modelos javaneses eram objetos de estudos artísticos. No entanto, o fotógrafo neerlandês também estava interessado no que havia fora de seu estúdio.

File:KITLV 4957 - Isidore van Kinsbergen - Pagoda in the temple (Wat Arun) of Crown Prince Krom Loeang Siam Bangkok - 1862-02.tif
Como fotógrafo, Kinsbergen participou de uma missão diplomática ao Reino do Sião (atual Tailândia) em 1862, onde foi um dos primeiros a fotografar. Acima, um pagode pertencente ao Príncipe Krom Loeang, em Bangkok. [Imagem: KITLV/Wikimídia]

Van Kinsbergen sentiu-se estimulado pelas possibilidades oferecidas pelas paisagens e antiguidades das Índias Orientais Holandesas. Numa iniciativa pioneira, o governo colonial da Indonésia havia encomendado uma série de fotografias dos templos e monumentos do país já em 1844 — mas a empreitada foi abandonada, provavelmente por insuficiência técnica e financeira. Kinsbergen soube disso no começo dos anos 1860 e buscou retomar esse trabalho de documentação fotográfica. Embora trabalhasse nisso de maneira esporádica — pois além do estúdio, Kinsbergen nunca abandonou a vida teatral —, foi o bastante para que chamasse a atenção das autoridades.

File:KITLV 87691 - Isidore van Kinsbergen - Sculpture of Shiva comes from Wonosobo, moved to the Museum of the Batavian Society of Arts and Sciences in Batavia - Before 1900.tif
Antiguidades de Java: Escultura de Shiva, originária de Wonosobo. (c. 1860s) [Imagem: KITLV/Wikimídia]

Assim, no fim de 1862, depois de sua participação bem-sucedida como fotógrafo de uma missão diplomática ao Sião, a Sociedade Batava de Artes e Ciências fez um contrato exclusivo com Van Kinsbergen, com o objetivo de fotografar as antiguidades hindus e budistas em Java. Entre 1863 e 1867, o fotógrafo viajou pelo país e acumulou mais de 300 imagens, que seriam publicadas no portfólio chamado simplesmente de Antiguidades de Java. A obra era organizada cronológica e geograficamente: começava pelas primeiras fotos que ele fez, em Bogor, na Java Ocidental, e terminava com o complexo de Panataran, na Java Oriental.

File:KITLV 87731 - Isidore van Kinsbergen - Relief of Vishnu on Tjandi Srikandi the Dijeng plateau - Before 1900.tif
Vishnu em relevo no templo Tjandi Srikandi, localizado no Planalto de Dijeng (c. 1860s). [Imagem: KITLV/Wikimídia]

Para mostrar os relevos ricamente decorados dos monumentos que encontrava, Kinsbergen fotografava de modo meio dramático. Os edifícios, estátuas e artefatos tomavam quase todo o seu enquadramento e a iluminação destacava-se pelo grande contraste entre luz e sombra — muitas vezes obtido por pequenas alterações no negativo.

File:KITLV 90003 - Isidore van Kinsbergen - Buddhas and carvings on the west side of the Borobudur near Magelang - Around 1900.tif
Budas em nichos na face oeste de Borobudur (1873). [Imagem: KITLV/Wikimídia]

Com o fim dessa série, Kinsbergen ganhou reputação nacional como fotógrafo e seu estúdio passou a receber encomendas bastante diversificadas: imagens topográficas, retratos, naturezas-mortas e até nus. Mais tarde, em 1873, o estúdio foi novamente contratado pelas autoridades coloniais, dessa vez para fotografar Borobudur, um complexo de templos budistas. Ali, Kinsbergen registrou vários tipos de budas, em imagens que cruzaram os mares e tiveram repercussão até na Europa, que vivia uma febre orientalista. Para muitos europeus, aquelas fotos seriam o primeiro contato com a arte budista e com o próprio budismo.

File:KITLV 87602 - Isidore van Kinsbergen - Bronzes of a priest at Telaga in Kuningan - Before 1900.tif
Sinos de bronze de um sacerdote de Telaga (c. 1870s). [Imagem: KITLV/Wikimídia]

Além dos budas e dos monumentos, Kinsbergen também foi pioneiro em fotografar os soberanos e membros das cortes de reinos locais, como Yogyakarta, Surakarta e Bali, entre 1862 e 1865. Suas obras foram apresentadas nas Exposições Mundiais de Viena (1873), Paris (1878) e Amsterdã (1883). Depois dos anos 1880, sua produção fotográfica parece ter sido deixada de lado e ele teria se dedicado apenas às produções teatrais. Isidore van Kinsbergen faleceu em Batavia, aos 84 anos, em 10 de setembro de 1905.

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Dançarinas da corte do sultão de Yogyakarta (c. 1865). [Imagem: KITLV/Wikimídia]

Atualmente, suas obras fazem parte do acervo de diversas instituições, como o Ministério da Cultura e Turismo da Indonésia; o Tropenmuseum e o Rijksmuseum, em Amsterdã; os Arquivos Reais de Haia; a Biblioteca Britânica; a Biblioteca Nacional da França e as Sociedades Asiática e Geográfica de Paris. Quase 600 fotos pertencem ao Real Instituto Holandês de Estudos Sul-Asiáticos e Caribenhos (KITLV, na sigla holandesa), ligado à Universidade de Leuven. A coleção KITLV foi digitalizada e está disponível na Wikimídia.

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