(ANI)MATRIX: transmídia em relação à questão ambiental

RESUMO: A partir da análise feita por Jenkins (2009) da cinessérie “Matrix” (criada pelas irmãs Wachowski[1]), este trabalho irá analisar a importância da narrativa transmídia[2] e os efeitos das chamadas “cultura da conexão” e da “cultura da participação” sobre recursos criativos que englobam como um todo o universo ficcional e distópico no qual os três filmes da referida franquia se passam. Objetiva-se verificar como a questão ambiental é discutida de forma mais aprofundada nos demais produtos audiovisuais relacionados aos filmes “Matrix” – em especial, o curta-metragem animado em duas partes intitulado “A segunda Renascença”[3], pertencente à série “Animatrix” (2003) – e as histórias em quadrinhos (HQs) escritas e desenhadas pelo norte-americano Paul Chadwick – as quais muitas delas abordam a problemática do desmatamento e a necessidade de articulação de grupos de defesa pelas florestas dos Estados Unidos.

“E o Homem disse, ‘Que se faça a luz’… E ele foi abençoado com luz, calor, magnetismo, gravidade e todas as energias do universo” (narração em voice-over da segunda parte de “A segunda Renascença” [Animatrix]).

“Animatrix” como elemento da narrativa transmídia vinculada à franquia “Matrix”: aprofundando o debate ambiental

É inquestionável a importância de “Matrix” (1999) para os rumos que o cinema hollywoodiano tomaria dali em diante em termos gerais. O primeiro filme da série promoveu uma efetiva renovação da linguagem cinematográfica ocidental ao apresentar efeitos especiais de primeira linha movidos pela computação gráfica mais avançada disponível no mercado de entretenimento audiovisual da época, além de um enredo que mesclava uma série de referências impensáveis até então para um filme produzido nos Estados Unidos e que o tempo todo transitava entre os gêneros de ação e de ficção científica – zen-budismo, artes marciais, exegese cristã, Jean Baudrillard, inteligência artificial a “Jornada do Herói” de Joseph Campbell, entre outros, são alguns dos elementos referenciados tanto por esse como pelos filmes que o sucederam na cinessérie em 2003: “Matrix Reloaded” e “Matrix Revolutions”.

Contudo, foram muitas as críticas feitas pela mídia especializada em relação a essas sequências por causa de lapsos na narrativa (os conhecidos plot holes ou “buracos” de roteiro) que deixavam de explicar como determinadas personagens adquiriam súbita relevância em comparação com outras pessoas vistas até antes como detentoras de maior protagonismo dentro da diegese, ou pareciam partir do pressuposto de que o espectador já conhecia determinados lugares ou pessoas sem que esses tivessem aparecido no filme de 1999[4]. Muitos atribuíram um certo descaso às irmãs Wachowski na feitura dos roteiros das sequências por terem deixado muitas pontas soltas no que toca o andamento da narrativa – e um dos pontos criticados aí era justamente a rasa menção feita ao desesperado recurso que, segundo disse a personagem Morpheus no primeiro filme da série[5], a humanidade havia empregado para combater o levante de máquinas que viriam a dominar o planeta Terra. Tratava-se do “escurecimento dos céus” em escala global que visava bloquear os raios do Sol que serviam como fonte de energia primária para essas entidades artificiais.

De fato, nenhum dos dois outros filmes da trilogia retoma esse assunto de forma aprofundada. Mas isso não se deve necessariamente a um descuido por parte dos envolvidos no desenvolvimento da franquia. Jenkins (2009) aponta que isso ocorreu em decorrência de o universo de “Matrix” ser explorado para muito além do cinema, compreendendo uma pluralidade de outras mídias – ou seja, dentro de uma proposta transmídia de construção narrativa – das quais se extraía de cada uma delas elementos que possibilitavam um conhecimento maior acerca das histórias e características políticas, sociais e geográficas daquela distopia. Em outras palavras, a história maior em “Matrix” – the bigger picture – era abordada em partes, em diferentes instâncias de aprofundamento e/ou de comprometimento com a necessidade de tudo revelar ao espectador por meios diferentes, na medida em que a franquia se estabelecia como um marco indelével no imaginário popular ocidental.

Um exemplo disso que Jenkins (2009, pp. 145-148) menciona é o videogame “Enter the Matrix” (2003), que antecedeu em um mês o lançamento de “Matrix Reloaded” e no qual os jogadores tiveram a oportunidade de controlar (e conhecer pela primeira vez) personagens (até então) inéditas em missões realizadas dentro da Matrix. Os objetivos finais de cada uma dessas missões in-game tinham continuidade imediata dentro de “Matrix Reloaded”, o que prova que seus realizadores tinham planejado desde o início uma experiência de fruição que ampliava os limites da diegese iniciada com o filme de 1999 e que passou a interligar histórias contadas através das especificidades do cinema, das plataformas digitais, de histórias em quadrinhos e do elemento que mais interessa analisar no âmbito deste trabalho – uma série de animações produzidas por um número de estúdios convidados do Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos intitulada “Animatrix”.

“A segunda Renascença” é um dos curtas-metragens que fazem parte desse programa de 90 minutos. Dirigidas pelo animador e concept artist japonês Mahiro Maeda, ambas as partes que constituem esse curta descrevem o que ocorreu dentro do universo ficcional de “Matrix” para a distopia se estabelecer na forma de uma revolta generalizada das máquinas contra a humanidade. Com isso, se sucedem momentos em que é retratada uma grande quantidade de robôs sendo destruída por populações humanas do mundo todo porque estas não reconhecem a luta desses androides para obter um status de independência em relação aos seus criadores. Muitas dessas cenas de mortandade – que mostram robôs desativados sendo jogados aos montes em aterros sanitários ou arremessados ao fundo do mar – fazem analogia direta a imagens de práticas desmedidas de poluição, realizadas por muitas organizações humanas dos dias atuais, que contraditoriamente professam os benefícios ambientais da alta tecnologia a serviço de diversos ramos da produção industrial sem levar em conta (ou simplesmente ignorando) o alto grau de consumismo vigente nas sociedades capitalistas tidas como mais avançadas em termos econômicos.

"A segunda Renascença": androides destruídos (1)
"A segunda Renascença": androides destruídos (2)
Figuras 1 e 2: Dois fotogramas do segmento de “A segunda Renascença” no qual um número incontável de robôs desativados são descartados de forma descuidada com o meio ambiente pelo ser humano.

Porém, logo percebendo a progressiva superioridade das máquinas no campo de batalha, as nações da Terra em conferência decidiram por em prática a chamada “Operação Tempestade Negra”[6], na qual aeronaves cruzavam os céus do mundo todo liberando uma pesada nuvem negra que bloqueava em grande medida a luz solar das quais as máquinas dependiam para funcionar. Porém, o que não é nem explicado nesse curta, nem na cena em que Morpheus cita tal ocorrido histórico pela primeira vez na franquia, é como a humanidade tomou tal decisão sem levar em conta que a energia solar também é responsável por fazer a fotossíntese acontecer, e, consequentemente, garantir a manutenção da cadeia alimentar em todos os níveis da biosfera terrestre. Será que a humanidade estava tão carente de soluções para o problema com as máquinas que houve um consenso em trocar uma extinção em curto prazo por outra em médio prazo? Isso não é colocado de forma explícita, mas é impressionante a semelhança das imagens dessas cenas dramáticas de “escurecimento do céu” com fotografias de aviões do Exército norte-americano aspergindo florestas tropicais com o herbicida conhecido como Agente Laranja durante a Guerra do Vietnã.

Operação Tempestade Negra em andamento ("A segunda Renascença")
Aeronaves UC-123B Provider liberam Agente Laranja sobre árvores de florestas no sul do Vietnã em 1962
Figuras 3 e 4: Acima (3), um fotograma do segmento de “A segunda Renascença”, no qual os caças da coligação humana internacional liberam uma substância gasosa escura que se adenserá a ponto de cobrir o céu de todo o planeta Terra. Nota-se a similaridade com imagens como a figura 4 (abaixo), onde aeronaves UC-123B Provider liberam Agente Laranja sobre árvores de florestas no sul do Vietnã em 1962 (créditos: WikiMedia Commons).

Esse herbicida de efeito desfolhante era fornecido aos militares dos EUA principalmente por duas empresas – a Monsanto e a Dow Chemical[7] – ambas partes de conglomerados globais que até hoje intervêm de forma maliciosa em questões ambientais visando beneficiar os grandes latifundiários ou empreiteiras interessadas em licitações para a construção de grandes obras. Isso pode ser visto no caso da construção da usina hidrelétrica de Tucuruí – a maior usina do tipo de propriedade 100% brasileira, construída durante o regime militar no sudeste do Estado do Pará. Segundo Arruda (1992), os prazos para a conclusão das obras eram tão curtos (em decorrência de pressões vindas de empresas multinacionais que desejavam explorar jazidas de bauxita nas proximidades) que o governo brasileiro da época autorizou a utilização de Agente Laranja para eliminar as árvores daquela parcela de Floresta Amazônica que precisava ser desmatada rapidamente para dar lugar à usina. Os troncos sem folhas seriam logo depois extraídos[8], mas boa parte deles seria inundada por causa do represamento das águas do Rio Tocantins provocado pela instalação de Tucuruí. Isso teve consequências desastrosas não só em virtude do ataque imediato à biodiversidade da floresta como também por causa da quantidade de matéria orgânica submersa que, em sua decomposição, liberaria grandes volumes de dióxido de carbono e metano, contribuindo para baixos níveis de oxigenação das águas (hipóxia) e para a soltura de parte desses gases de efeito estufa na atmosfera.

A polêmica com o Agente Laranja no Brasil, contudo, não acaba por aí. Mais recentemente (2013), a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN) e o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), com o apoio do Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (Mogdema), clamou aos membros da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) a demonstrarem uma posição contrária aos interesses das grandes multinacionais em virtude de uma reunião ocorrida em 19 de setembro daquele ano na qual constavam três processos de liberação comercial para sementes transgênicas de soja e milho, da empresa Dow AgroSciences[9], com adaptação ao herbicida 2,4-D[10], de alta toxicidade, junto com outros herbicidas (entre eles o glifosato e glifosinato de amônio, também tóxicos). A intenção dos transgênicos comercializados pela Dow era resistir a estes agrotóxicos potentes, que matam as chamadas “ervas daninhas”. Entretanto, segundo dados do Ministério da Agricultura recuperados pela própria AGAPAN (2013), em menos de 10 anos (2002-2011), ocorreu aumento de 70% na comercialização destes produtos no Brasil, enquanto a expansão da área agrícola foi menor (60%). Nesse contexto, desde 2008, o Brasil é o país que mais usa agrotóxicos (BRASIL, 2014), apesar do advento dos transgênicos na agricultura (a partir da lei nacional de Biossegurança de 2005).

E, em tempo, não deve ser posta de lado a utilização frequente e contemporânea de componentes do Agente Laranja presentes também em outros herbicidas empregados para o arrasamento de vastas áreas da Floresta Amazônica visando à criação de gado de corte, segundo informações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) publicadas pelo portal Mongabay em 2011. Segundo a fonte, aproximadamente 180 hectares de floresta tropical na Amazônia foram desfolhados usando essa mistura de herbicidas, pulverizada por aeronaves de pequeno porte.

“Matrix” e as histórias em quadrinhos de Paul Chadwick

Outras relações com a problemática do desmatamento e de exploração indevida dos solos são abarcadas pela proposta trasmídia do universo de “Matrix” se dão com as histórias em quadrinhos originalmente publicadas no site oficial de “Matrix” entre 1999 e 2003 (no formato de webcomics). No total, foram três séries de HQs criadas especificamente para narrar histórias paralelas aos acontecimentos centrais mostrados pelos filmes, sendo que, ao tomar como ponto de partida a desolação completa do planeta Terra provocada pelas ações antrópicas retratadas em “A segunda Renascença”, Paul Chadwick escreve e ilustra uma HQ intitulada “The Miller’s Tale” (“A história do moleiro”), a qual é centrada em torno da personagem Geoffrey e como ele, na condição de habitante de Zion[11], encontra uma série de filmes antigos que retratam o mundo de outrora, com solos ainda férteis. Isso o incentiva a buscar maneiras de cultivar trigo na superfície do planeta utilizando-se da luz ultravioleta que as máquinas geram artificialmente para garantir que suas “baterias humanas” [12] produzam vitamina D. Geoffrey tem certo sucesso em sua empreitada, mas acaba sendo morto junto com outros agricultores pelas máquinas que descobrem seus planos.

 Porém, o que realmente chama a atenção nesta HQ de Chadwick não é tanto a trajetória de Geoffrey em si, mas as especulações que o próprio autor cria com base em sua experiência com teorias ambientalistas que o capacitaram a pensar como certa parte da fauna e da flora terrestre sobreviveu no universo diegético de “Matrix” após os eventos de “A segunda Renascença”. Chadwick imagina que o “escurecimento dos céus” não é total. Para ele, as nuvens possuem uma composição química particular que as fazem parecer mais como uma condição de clima nublado generalizado, o qual acomete boa parte da superfície da Terra com chuvas constantes, mas que ainda permite a fotossíntese ocorrer em um nível mínimo – o suficiente, pelo menos, para que algumas espécies vegetais continuem existindo (e para que, portanto, ainda haja oxigênio em grau respirável para o ser humano).

Segundo Jenkins (2009), essa preocupação de Chadwick em esmiuçar as condições ambientais daquele mundo distópico em “The Miller’s Tale” chamou a atenção das irmãs Wachowski, que o convidariam posteriormente para delinear o arco narrativo principal do MMORPG[13] “The Matrix Online” (2005). Mas o autor não deixa de frisar que o reconhecimento de Chadwick por seu trabalho e sua maior integração à proposta transmídia de “Matrix” são consequências de seu trabalho anterior com HQs autorais – em especial, as que lidam com o seu personagem Concreto, criado em 1986 – um homem comum que tem seu cérebro transplantado por entidades alienígenas para um pesado corpo de pedra e que passa a lutar pela preservação da natureza e por um modo de vida sustentável desde então.

O arco narrativo em que essas qualidades de Concreto são postas mais à prova ocorre em “Think like a mountain” (“Pense como uma montanha”) [14], publicado originalmente em 1996, no formato de uma minissérie de HQs em seis edições nas quais o protagonista interage com membros da organização Earth First! (EF!) em prol da defesa da floresta Headwaters[15], a qual sofria o risco de ser explorada extensivamente por madeireiros da região. Assim sendo, Concreto e membros da EF! assumem ações diretas nas HQs que visam frustrar os esforços dos lenhadores contratados para derrubar as árvores, mas que não são tão extremas quanto o monkeywrenching[16] ou o tree-spiking[17] – duas estratégias que, segundo Chadwick (2011), condiziam com o espírito inicial do grupo de se contrapor à inércia das demais organizações de defesa ambiental em vias de institucionalização no quadro de batalhas judiciais pela aprovação de leis de proteção à fauna e à flora norte-americanas, mas que contribuíam para alimentar negativamente a própria opinião pública sobre a EF!, considerada por muitos como uma entidade ecoterrorista em seus primeiros anos de atividade.

Inclusive, Chadwick (2011) explica como a não-hierarquização do grupo e o posicionamento mais proativo da EF! em relação a questões ambientais de urgência logo após sua fundação remetia também a forma como o Greenpeace funcionou em seus primórdios. Isso mesmo é demonstrado pelo documentário de 2015 “Como mudar o mundo” (dirigido por Jerry Rothwell). Porém, diferentemente do Greenpeace, que incentivava o desrespeito às leis dentro de determinados parâmetros aceitáveis pelo grupo (tais como interpelação direta entre baleeiros e sua presa, pichação, afixação de cartazes e banners em diversos espaços de grande visibilidade, etc.), a EF! professava o uso radical do monkeywrenching como um recurso dinâmico de defesa da natureza selvagem. Chadwick (2011) aponta que, não obstante, havia resistência dentro e fora da EF! para efetivar essa prática como algo costumeiro, já que se temia o escrutínio pejorativo das parcelas da população norte-americana que precisavam se conscientizar sobre a situação das florestas em seu país. Via-se, inclusive, essa atitude como algo perigoso para quem fosse derrubar efetivamente as árvores, colocando vidas em risco. Porém, Chadwick faz questão de fazer referência ao livro “Ecodefense”, editado em 1985 por um dos fundadores da EF! – Dave Foreman – no qual se recomenda que as ações de monkeywrenching sejam bem planejadas para minimizar danos à propriedade e não prejudicar qualquer ser vivente, e devem ser notificadas por meio de avisos postos ao redor de onde o ato de sabotagem estratégica fora consumido (FOREMAN; HAYWOOD, 1993).

“Think like a mountain” - as sequoias em Headwaters
Figura 5: Quadro extraído da série de HQs “Think like a mountain”. Segundo Jenkins (2009, p. 160), os compromissos políticos de Chadwick estão expressos não somente nos enredos, mas também em seu estilo visual. Como a imagem acima deixa claro, Chadwick cria cenas de página inteira integrando os protagonistas aos ambientes, para mostrar as pequenas criaturas que existem à sua volta (e que eles próprios são), muitas vezes ocultas, mas impactadas pelas escolhas humanas a favor de um ideal de progresso. Créditos: Paul Chadwick (escritor/artista).

Desmatamento, cibercultura e transmídia

Conforme apresentado nos parágrafos anteriores, seja através da divulgação de informações acerca do processo global de desmatamento em sites de organizações preocupadas, seja no uso de plataformas digitais on-line para a publicação de conteúdo que discuta o tema na chave da ficção, nota-se que a Internet vem desempenhando um papel de suma importância na alimentação de discussões sobre meio ambiente na atualidade. Mesmo as reflexões de Chadwick (2011) sobre Earth First! e como seu processo de pesquisa sobre a organização[18] culminou na realização de “Think like a mountain” foram exteriorizadas primeiramente na forma de artigo em seu site oficial, e os feedbacks recebidos da parte de internautas em relação aos produtos transmídia de “Matrix” constituíram parâmetros pelos quais os outros realizadores envolvidos na criação das animações, HQs e games relacionados à franquia puderam também explorar as consequências do colapso ambiental dessa ficção a partir de referências realistas e aproximações com o que vem ocorrendo em termos de mudanças climáticas no mundo. Isso demonstra uma maior circulação de informações a respeito dos desafios próprios à preservação de ecossistemas inteiros que não só trabalha a noção de inteligência coletiva[19] a favor de uma efetiva inserção das preocupações científicas vigentes com o futuro da humanidade no âmbito da ficção especulativa, como também

“(…) sinaliza um movimento na direção de um modelo mais participativo de cultura, em que o público não é mais visto como simplesmente um grupo de consumidores de mensagens pré-construídas, mas como pessoas que estão moldando, compartilhando, reconfigurando e remixando conteúdos de mídia de maneiras que não poderiam ter sido imaginadas antes. E estão fazendo isso não como indivíduos isolados, mas como integrantes de comunidades mais amplas e de redes que lhes permitem propagar conteúdos muito além de sua vizinhança geográfica” (JENKINS; FORD; GREEN, 2014, p. 24).

Essa superação dos limites territoriais possibilitado por essa “cultura da conexão” é uma dentre muitas outras facilitações da mídia digital que funcionam como catalisadoras para a reconceituação de aspectos da cultura (JENKINS; FORD; GREEN, 2014), exigindo que sejam repensadas as relações interpessoais e que imaginemos de outro modo a participação cultural e política. Portanto, plataformas digitais onde a colaboração do usuário é elemento primordial para a revisão de valores sociais vêm aparecendo em número cada vez maior e com facilidades de uso condizentes com os últimos aprimoramentos técnicos pensados para o desenvolvimento de ferramentas para a web – tais como o HTML5 e o CSS3[20]. Falando da questão ambiental, um exemplo disso é o site do Global Forest Watch[21], que conta com um mapa interativo no qual é possível monitorar a situação do desmatamento de florestas do mundo todo (quase que em tempo real) e cuja base de dados é oriunda da combinação entre capturas feitas por satélites de diferentes trechos da superfície terrestre e informações fornecidas por usuários cadastrados a respeito dos usos aplicados pelas múltiplas iniciativas agropecuárias às terras desmatadas.

Inclusive, tratando de iniciativas do tipo em território nacional, pode-se citar o Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD), atualmente operado pela organização não governamental Imazon – Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia –, sediada em Belém, PA, e reconhecida internacionalmente pelo seu trabalho de pesquisa na área de políticas públicas que desenvolve na Amazônia Legal. Segundo a própria entidade:

“O objetivo geral do programa [SAD] é detectar, quantificar e monitorar, por meio de imagens de satélite, o desmatamento, a degradação florestal, a exploração madeireira, as estradas não oficiais e outras formas de pressão humana na Amazônia Legal. Os resultados do monitoramento são combinados com diversos mapas digitais, por meio de Sistemas de Informações Geográficas (SIG), para a qualificação dos problemas ambientais e planejamento regional. O programa também desenvolve propostas para políticas públicas e capacitação em geotecnologias e dissemina estrategicamente os seus resultados, contribuindo para a redução do desmatamento e degradação florestal [com a contribuição da população local]” (IMAZON, s.d.).

A partir desses casos, percebe-se que se inicia dentro da questão ambiental uma transição efetiva da “cultura da conexão” para uma “cultura da participação” [22], na qual o compromisso com causas justas e o compartilhamento de conhecimentos na web por pessoas individuais ou entidades constituem recursos importantes para uma superação da mais-valia típica do capital financeiro contemporâneo – característica primordial do sistema de exploração econômica vigente que provoca o desfazimento da biosfera. Isso decorre de uma ênfase cada vez maior dada ao capital simbólico na rede, às trocas de informação que, no meio digital, também vêm fazer parte da transmídia e implicam na valorização dos usuários que divulgam e alimentam o pensamento crítico de seus pares a partir de discussões em fóruns diversos na Internet, redes sociais, blogs e afins. É a concretização de parte do ideal de inteligência (e de conscientização) coletiva desejado por Levy (1999) como integrante inseparável das populações humanas interconectadas pelas mídias na atualidade. Por isso que, por mais que ocorram empreitadas internacionais que objetivam cercear a sua liberdade de uso das formas mais variadas e que são movidas por razões políticas ou interesses econômicos, a Internet, ciberespaço por excelência, é vista como uma incubadora de núcleos de enfrentamento à derrubada das florestas tropicais – contradizendo, ironicamente, o papel negativo que a maioria das ficções especulativas atribui a ela na construção de um eventual futuro distópico (no sentido de homogeneização no trato com as sociedades mundiais de controle, por exemplo).

Quadro comparativo entre sistemas de monitoramento da Floresta Amazônica
Figura 6: Quadro comparativo entre o SAD e outros dois sistemas de monitoramento da floresta amazônica. O Deter (Detecção do Desmatamento em Tempo Real) e o Prodes são mantidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) – ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Telecomunicações – e ambos operam a partir de satélites indianos e sino-brasileiros que possuem diferentes graus de resolução (sensibilidade das imagens proporcional a uma dada área desmatada em n hectares). Créditos: Mídia e Amazônia.
Conclusão
“Think like a mountain” - Concreto reflete sobre a ação de monkeywrenching
Figura 7: Outro quadro extraído da série de HQs “Think like a mountain”. Nele, Concreto olha para uma chave inglesa – monkey wrench – em suas mãos, logo após recebê-la como um convite à ação direta por um membro da Earth First! (que está no fora de campo). Concreto afirma “Parece um pouco ‘datado’” (no sentido de “corny” significar algo “datado”, “careta”, já tentado várias vezes e ridicularizado pela situação vigente das coisas). Seu interlecutor responde: “Ei, se você não consegue lidar com algo ‘datado’, como você lida com comprometimento verdadeiro?”. Créditos: Paul Chadwick (escritor/artista).

Anteriormente, foi possível constatar como a proposta transmídia de “Matrix” possibilitou um aprofundamento dos temas abordados pela cinessérie no que toca a questão ambiental, principalmente a problemática que envolve os Estados Unidos – na sua condição de superpotência capitalista absoluta – em duas frentes distintas de intervenção destrutiva na natureza por intermédio do desmatamento: uma fora e outra dentro do próprio país. Porém, independentemente de esse desmatamento se dar ou pelo uso de herbicidas em territórios estrangeiros ou pelo interesse da indústria madeireira, o fato é que essas intervenções demonstram motivações políticas e econômicas específicas que têm por objetivo maior assegurar a condição hegemônica dos Estados Unidos perante outras nações do mundo.

Por mais que essa realidade tenha se modificado em decorrência dos últimos surtos de crescimento do Produto Interno Bruto de países emergentes tais como China, Índia e Coreia do Sul – muitas vezes à custa dos biomas locais – os Estados Unidos possuem um amplo histórico de interferências ambientais que até hoje trazem consequências internacionais e que parecem minimizar quaisquer tentativas de se fazer ficção com base nelas: crianças nascidas com deficiências no Vietnã por causa do fator genotóxico do Agente Laranja, veteranos de guerra vitimados por diferentes tipos de câncer que buscam indenizações do Governo norte-americanos, indígenas e outras populações ribeirinhas paraenses obrigadas a se mudarem por causa da inundação de terras oriunda da instalação de uma usina hidrelétrica, entre outras, são somente algumas poucas evidências de um complexo processo de colapso de ecossistemas em escala global, consequente de um consumismo desenfreado, vendido como ideal máximo de bem-estar pela sedução do american way of life junto às nações do mundo todo nessas últimas décadas. Mas fica a pergunta: qual bem-estar haverá, quando a continuidade do business as usual conduz o planeta Terra ao status de inabitabilidade?

Por isso – tendo em vista todas as possibilidades de mobilização e conscientização despertas pela “cultura da participação” nascente – espera-se que a ficção possa encontrar nas narrativas transmídia formas de articular discursos que mudem a percepção das pessoas em relação à seriedade em que se encontra a questão ambiental em diversas localidades do planeta, uma vez que,

“(…) se até os séculos XIX e XX a imaginação artística (em particular as ficções de antecipação) demonstrou-se muito mais capaz que a ciência de elaborar representações do futuro – e, sobretudo, de propor cenários complexos das encruzilhadas em que se encontravam as sociedades humanas, no século XXI –, esse poder especulativo do imaginário vem perdendo sua potência conceitual e preditiva, e cedendo espaço à ciência, isto é, às discussões e especulações travadas no âmbito científico” (MARQUES, 2016).

Logo, não é preciso (nem desejável) repetir o que franquia “Matrix” já fez, uma vez que a inovação nessa área sempre implica em maior engajamento. Uma vez que se torna cada vez evidente que o significado contemporâneo de “distopia” foi transposto do campo da ficção para o da continuidade das coisas como estão no que toca a exploração extensiva dos recursos naturais, é preciso repensar o papel que as histórias contadas pelas diferentes mídias terão perante as gerações futuras. Por exemplo, se as pessoas se veem participando ativamente de ficções que discutam o problema do desmatamento de forma franca, mas sem abandonar em si a necessidade de contar uma boa história ou de se explorar o que cada meio tem de específico para enriquecer a construção de sentidos dentro da narrativa proposta, a transmídia pode constituir-se aí como uma aliada importante para a incorporação do modo de vida sustentável nas mais variadas instâncias da sociedade.

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•  MÍDIA E AMAZÔNIA. Entenda os sistemas de monitoramento da floresta amazônica. 10 jun. 2015. Disponível on-line em: <http://midiaeamazonia.andi.org.br/texto-de-apoio/entenda-os-sistemas-de-monitoramento-da-floresta-amazonica>. Acesso em: 17 jan. 2019
•  MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO PARÁ. MPF investiga prejuízos provocados por empresa vinculada a militares em obras da hidrelétrica de Tucuruí. 02 abr. 2014. Disponível on-line em: <http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2014/mpf-investiga-prejuizos-provocados-por-empresa-vinculada-a-militares-em-obras-da-hidreletrica-de-tucurui>. Acesso em: 31 jan. 2019.
•  MONGABAY.COM. Fazendeiros estão usando o Agente Laranja para desmatar a Amazônia. Mongabay. 5 out. 2011. Disponível on-line em: <https://pt.mongabay.com/2011/10/05/fazendeiros-estao-usando-o-agente-laranja-para-desmatar-a-amazonia/>. Acesso em 31 jan. 2019.
•  NASCIMENTO, Adriana. A VOLTA DO AGENTE LARANJA – Utilização por sojicultores de veneno proibido na Europa e em plantações no Sul do Brasil ameaça a friticultura de Mato Grosso. Página do Enock Cavalcanti. 3 jul. 2010. Disponível on-line em: <http://paginadoenock.com.br/a-volta-do-agente-laranja-utilizacao-por-sojicultores-de-veneno-proibido-na-europa-e-em-plantacoes-no-sul-do-brasil-ameaca-a-friticultura-de-mato-grosso/ >. Acesso em: 31 jan. 2019.
•  ROTHWELL, Jerry (dir.). Como mudar o mundo [Longa-metragem]. Estados Unidos, 2015. Digital (streaming). color. son. 110 min.
•  SHIRKY, Clay. Pessoal, comum, público e cívico. IN: . A Cultura da Participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro, RJ: Zahar, 2011. pp. 144-160.
•  UNITED STATES OF AMERICA. Headwaters Forest Reserve. U.S. Department of the Interior: Bureau of Land Management. Disponível on-line em: <https://www.blm.gov/programs/national-conservation-lands/california/headwaters-forest-reserve>. Acesso em: 01 fev. 2019.


NOTAS:

[1] Na época do lançamento do primeiro filme da série “Matrix” (1999), ambas as irmãs ainda não haviam se reconhecido publicamente como mulheres transgênero. Lana (anteriormente conhecida como Larry) Wachowski viria a completar sua redesignação de gênero em 2010, enquanto Lilly (Andy) viria a fazê-lo em 2016. Portanto, todas as referências anteriores a essas duas datas que foram pesquisadas para este trabalho (e que ainda categorizam as irmãs como sendo do sexo masculino) foram atualizadas, visando contemplar devidamente aqui suas identidades presentes.

[2] Jenkins (2003, p. 138) afirma que uma “história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. (…) cada meio faz o que faz de melhor – a fim de uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances, e quadrinhos (…) Cada produto determinado é um ponto de acesso à franquia como um todo”. Por sua vez, Gambarato (2013) distingue transmídia de outras formas de narrativas ditas convergentes, tais como o cross-media (que implica na transposição de uma mesma mensagem por diferentes meios sem que haja necessariamente ações que levem em conta suas especificidades) e o multimídia (que faz uso simultâneo de meios múltiplos para contar uma dada história em um mesmo espaço e tempo). Desse modo, voltando a Jenkins (p. 155), o que parece determinar uma narrativa como efetivamente transmídia é o seu potencial de “transcrição” – isto é, uma adaptabilidade às necessidades de cada meio e dos diversos contextos socioeconômicos que eles podem abranger em nível mundial.

[3] Algumas traduções (tanto em legendas como por dublagem) utilizam “O segundo renascer” como alternativa em português para o título original desse curta-metragem (“The second Renaissance”). Contudo, em virtude da especificidade do termo “Renaissance” em relação a outras palavras em inglês que também signifiquem “renascimento” (p. ex.: “rebirth”) e da associação deste termo com o momento histórico-social homônimo vivenciado pelas sociedades europeias a partir do século XIV (óbvia dentro do transcorrer da narrativa do referido filme), damos preferência à tradução apresentada no corpo do texto deste trabalho.

[4] Ver, por exemplo, críticas como a disponível em:
<https://omelete.uol.com.br/filmes/criticas/matrix-reloaded/?key=22349>.

[5] Em sua conversa com o hacker-messias Neo (interpretado por Keanu Reeves), logo após este ter sido desconectado da Matrix.

[6] “Dark Storm”, no original em inglês.

[7] Inclusive, vale frisar que a Dow Chemical também era uma das principais empresas fornecedoras de napalm para as tropas norte-americanas durante a Guerra do Vietnã.

[8] Segundo dados levantados pelo Ministério Público Federal (2014), a Agropecuária Capemi Indústria e Comércio foi contratada pelo então existente Instituto Brasileiro de Defesa Florestal (IBDF) para extrair e comercializar toda a madeira da área que seria inundada com a construção da hidrelétrica de Tucuruí. As informações dão conta que a empresa teria sido criada apenas três meses antes do lançamento da licitação que previa as atividades de extração e comercialização da madeira. Consta também que, para obter recursos para a compra do maquinário necessário à realização dos serviços, a Agropecuária Capemi conseguiu empréstimo de 100 milhões de dólares com uma instituição financeira estrangeira, o que teria sido avalizado pelo Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC), subordinado ao Ministério da Agricultura. Além disso, a empresa vinculada à Capemi teria sacado US$ 25 milhões, comprometendo-se a pagar até 1984. No entanto, há informações de que o empréstimo teria sido pago pelo banco estatal BNCC.

[9] Pertencente, claro, ao mesmo conglomerado corporativo ao qual a Dow Chemical se associa.

[10] O herbicida 2,4-D (ácido diclorofenoxiacético) foi desenvolvido a partir do ano de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, sendo na década de 1960 um dos componentes do Agente Laranja (junto com o 2,4,5-T). Segundo a AGAPAN (2013), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) classificou o 2,4-D como Extremamente Tóxico para a saúde (Classe I) e Perigoso para o Meio Ambiente (Classe III). Os maiores riscos para a saúde residem no potencial de perturbador endócrino, sendo potencialmente cancerígeno. Os perturbadores endócrinos podem causar danos sérios e irreversíveis à saúde humana durante o desenvolvimento fetal e infantil.

[11] Zion é a megacidade subterrânea construída e gerenciada pelos seres humanos desconectados da Matrix. Tanto nos filmes como nas demais mídias, Zion é vista como um ponto focal de resistência em relação às máquinas que tomaram conta da superfície toda do planeta.

[12] No universo distópico de “Matrix”, por causa do “escurecimento dos céus”, as máquinas extraem a energia necessária para seu funcionamento a partir da bioeletricidade gerada por milhões de corpos humanos mantidos em estado de completa imersão no mundo virtual que dá nome à cinessérie.

[13] Massively multiplayer online role-playing game. É um gênero de jogos digitais nos quais jogadores em nível global se conectam via Internet a um mesmo ambiente virtual e assumem o controle de um avatar que precisa cumprir determinadas missões para dar prosseguimento à história e crescer em termos de habilidades próprias a uma classe de personagens a qual ele pertence. Diferentemente de alguns jogos off-line, MMORPGs prezam por arcos narrativos que não exijam um comprometimento imediato da parte dos jogadores para vivenciá-los, privilegiando a formação de relações interpessoais in-game e a exploração de um mundo aberto a possibilidades de trocas dos mais diferentes tipos (venda e compra de itens, fóruns de discussão, competições, duelos, etc.).

[14] Chadwick (2011) admite que o nome de sua minissérie em HQs é inspirado no livro de Aldo Leopold, “A Sand County Almanac” (1949) – uma grande influência para fundadores de organizações como o Earth First! Nessa obra de não-ficção, Leopold desenvolve um pensamento de “ecologia profunda” enquanto uma forma ética (land ethic) de inter-relação humana com o meio ambiente por uma via de compreensão das formas de vida não-humanas do planeta que ultrapasse o mero valor instrumental. Para que esse entendimento seja possível, Leopold professa a necessidade de se “pensar como uma montanha” – ou seja, de refletir sobre a sobrevivência dos ecossistemas terrestres em um prazo muito maior do que a escala de vida humana consegue abranger temporalmente.

[15] Localizada no norte do Estado da Califórnia, Headwaters compreende atualmente uma reserva ambiental (criada em 1999) em que um grande número de sequoias (algumas com mais de 2.000 anos de idade) cobre uma área de aproximadamente 30 km², conforme dados fornecidos pelo Departamento do Interior dos Estados Unidos. Como as HQs em que Concreto luta pela preservação dessa floresta foram publicadas em 1996, percebe-se como Chadwick escreveu e ilustrou “Think like a mountain” ainda no calor dos debates feitos sobre a necessidade de salvaguardar aquele habitat específico.

[16] Chadwick (2011) explica monkeywrenching como uma atitude de ecotage (ecological + sabotage) na qual ativistas se propõem a danificar maquinário, estradas e outros meios de penetração silvestre que seriam empregados para a exploração indevida de algum(ns) elemento(s) da natureza. A palavra deriva de monkey wrench – a “chave inglesa”, que é uma ferramenta-símbolo historicamente associada a atos de sabotagem e que foi incorporada ao logotipo da EF! Ademais, inspirada no livro “The Monkey Wrench Gang” (1975), de Edward Abbey, essa prática era vista com grande preconceito pelo olhar público, já que a mídia em massa norte-americana a veiculava sempre como uma atitude irresponsável, capaz de sujeitar os trabalhadores contratados pelas madeireiras a riscos sérios de ferimentos.

[17] Tree-spiking consiste, segundo Chadwick (2011), no posicionamento ou inserção de objetos duros em troncos de árvores não derrubadas que fossem capazes de danificar serras ou outras ferramentas empregadas no corte raso. Também era uma prática vista como extrema por muitos, e foi o pivô de um acerto de contas feito numa conferência sobre meio ambiente em Oregon (1990) entre Judi Bari – uma das líderes mais proeminentes da EF! – e representantes dos trabalhadores da indústria madeireira norte-americana, preocupados com sua própria segurança no trabalho em virtude da realização consistente de tree-spiking em muitas florestas da Califórnia nos fins dos anos 1980.

[18] Possibilitado em grande medida pela Internet, graças a informações publicadas no site oficial de notícias do grupo: <https://earthfirstjournal.org/>. Atualmente, o site é utilizado também como espaço para divulgação da revista digital da EF!, a qual lista as ações de defesa ambiental promovidas pelos ativistas ligados à EF! tanto nos Estados Unidos como em outros países.

[19] Identificada por Levy (1999) como sendo uma das características decisivas da cibercultura em relação a outras dinâmicas de representações que interagem tanto com a sociedade (as pessoas, seus laços, suas trocas, suas relações de força) como com a técnica.

[20] Tratam-se, respectivamente, da quinta versão da HyperText Markup Language e da terceira versão do Cascading Style Sheets – ambas linguagens para estruturação e apresentação de conteúdo para a World Wide Web que adquiriu progressivamente recursos próprios para a reprodução de material dinâmico via browser – tais como arquivos digitais de áudio, vídeo e animações. São multiplataformas, sendo suportadas pelas versões recentes da maioria dos browsers do mercado (Chrome, Firefox, Edge, Safari, etc.).

[21] https://www.globalforestwatch.org/. É uma iniciativa organizada pelo World Resources Institute em parceria com universidades e organizações públicas e privadas de diversos países.

[22] Para fazer alusão aos conceitos do livro homônimo de Clay Shirky (2011), o qual lida com conceitos de participação ativa dos internautas na formação e propagação de tendências culturais contemporâneas que revisitam as noções de fandom e de compartilhamento já delineadas por Jenkins (2009) em seu “Cultura da Convergência”, visando compreender melhor as implicações sociopolíticas de tais intervenções promovidas na web em escala global.

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