Fuga de cérebros

Há alguns dias, os principais jornais do Brasil e do mundo alardearam os esforços que a União Européia empreenderá na tentativa de frear a fuga de cérebros para os EUA. As razões apontadas pela maciça debandada são a incapacidade de enxergar os cientistas como profissionais e não como eternos estudantes e, como não poderia deixar de ser, a baixa remuneração aliada a um futuro incerto. Um boletim da SBPC de 2005 já assinalara esses problemas. Conversando com um amigo brasileiro que vive em Amsterdã, percebi que há também outro problema: os holandeses – é claro que quando digo “holandeses” estou ciente de excluir os imigrantes, que são um problema à parte – se queixam do excesso de igualdade social. É, é isso mesmo! Para eles, a divisão de renda mais equânime, o acesso universal (e de qualidade) aos serviços sociais básicos e o elevado nível educacional, dentre outras benesses, provocam uma sensação de homogeneidade, de perda da individualidade (pasmem!) que é maléfica para a sociedade e desestimula a formação de cérebros privilegiados.Vai entender esse mundo…

A crise de Foucault

Michel Foucault, na década de 80, deu uma palestra no Collège de France direcionada aos alunos que haviam terminado a graduação universitária. Salvo engano meu, a maioria da platéia era composta por estudantes das áreas de humanidades, mas o que foi dito serve para qualquer indivíduo recém-formado. Em seu discurso, Foucault definiu o termo “crise do conceito”. Tal idéia se baseava no grande aumento do conhecimento, que deveria ser assimilado durante a graduação, em seu currículo obrigatório. No entanto, ao entrar em contato com o imenso volume de informações, o aluno tornava-se incapaz de apreendê-lo em sua totalidade e estabelecer relações profícuas. Segundo o filósofo, o verdadeiro aprendizado teria de surgir após o término da faculdade, quando o bom profissional entraria na chamada “crise do conceito”. Por exemplo: o que significa dizer que as peças de Samuel Beckett são minimalistas? O que é minimalismo? Como o construtivismo russo pode se relacionar com Beckett (se é que se relaciona)? Na área médica, as perguntas “críticas” seriam outras: o que é febre? É somente a medida da temperatura axilar acima de 37,50 C ? . Por isso, sem nenhuma intenção de ser preconceituoso, perguntaria: será que nosso ilustre Luis Inácio Lula da Silva possui ferramentas mentais para entrar na “crise do conceito” do governante?

Cri-cri

É muito comum que nós tenhamos idéias, impressões e noções a respeito de uma série de coisas, embora nem sempre sejamos capazes de definí-las em palavras. Quando alguém pronuncia a palavra “médico”, por exemplo, é certo que evocaremos a figura de uma pessoa de branco, com um olhar entre o severo e o bondoso, que pode aliviar o sofrimento das pessoas e, quando possível, curá-las. Mas qual é a idéia que se forma em nossa cabeça quando pensamos no papel do crítico? Qual a sua função? Ele tem alguma serventia? A palavra “crítico” se enquandra naquelas de díficil definição. Gosto de uma definição citada pelo Jean Claude Bernardet que li em algum número dos Cahiers du Cinéma: “A função do crítico não é trazer numa bandeja de prata uma verdade que não existe, mas prolongar o máximo possível, na inteligência e na sensibilidade dos que o lêem, o impacto da obra de arte”. O próprio Bernardet disse: “Em hipótese alguma, a crítica – a que pratico – tem caráter normativo: não julga, não avalia, não analisa, não compreende fora das propostas que faz a obra. (…) Crítica é pôr a obra em crise. E pôr em crise a relação da obra com outras obras. A relação do autor com a obra. A relação do espectador com a obra. A relação do crítico com a obra”. Fiquei satisfeito, embora conheça outras opiniões um pouco divergentes. E viva o bom crítico!

Orwell e os curdos

“Quem sabe só medicina, nem medicina sabe”. Ouvi essa frase há muitos anos. É claro que a mesma frase poderia ser escrita substituindo-se “medicina” por “jurisprudência” ou “arquitetura”, dentre infinitas possibilidades. O aforismo coloca em xeque a função da universidade, que perdeu a sua capacidade de formar indivíduos providos de “conhecimento universal” ao longo das últimas décadas. Não há o menor interesse – não sei se essa seria a palavra exata – em ampliar o conhecimento técnico, formal, para além de suas fronteiras habituais. Literatura, filosofia, antropologia, artes plásticas: pura perda de tempo. A edição do mês de fevereiro da revista científica “La Recherche” comprova que o conhecimento, entendido como a capacidade de reconhecer certa situação ou assunto com familiaridade, dissecá-lo e lançar mão de estratégias capazes de aprimorá-lo, quando cabível, vai muito além da mera instrução curricular fornecida pela universidade. Salih Akin, lingüista da Université de Rouen , França, em seu ensaio “Orwell en Turquie – Science très politique” (“Orwell na Turquia – Ciência muito política”) chama a atenção para a modificação da taxonomia de espécies animais na Turquia porque trazem em seu nome palavras que lembram a Armênia e o Curdistão. São as vítimas o carneiro Ovis armeniana, a cabra Capreolus capreolus armenius e a raposa Vulpes vulpes kurdistanicum . O lingüista lembra-se de Orwell, que disse que “na Turquia, a ideologia oficial é fundada sobre a recusa da existência dos curdos”. Assim, dado que os curdos não existem, não pode haver nomes que evoquem a realidade curda através dos nomes de espécies animais e botânicas. Na Turquia, e não só nesse país, são numerosos os exemplos de infiltrações ideológicas na ciência. E, por inépcia de formação ou medo de represálias políticas, a comunidade científica internacional não se manifesta em defesa da ciência. Ah! Só para lembrar: o próximo provável país a fazer parte da União Européia será a Turquia…

Categorias

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM