A teoria do caos e o que você tem a ver com isso

Você está cansado depois de um dia exaustivo de trabalho, mas ainda não está na hora de ir para casa. Aí você pega um lápis e começa a brincar com ele, para distrair. Coloca o lápis em cima da mesa e dá um peteleco. O lápis se move até uma nova região da mesa, fica oscilando um pouco e para. Pode não parecer, mas há uma teoria muito interessante que explica tudo o que aconteceu com esse lápis. Pode-se dizer que o lápis parado está em equilíbrio termodinâmico e o lápis em movimento está fora do equilíbrio. Equilíbrio é um estado do sistema (que nesse caso é sua mesa contendo o lápis) onde não se observam mudanças ao longo do tempo – um lápis parado está sempre no mesmo lugar, do mesmo jeito. Logicamente, estados fora do equilíbrio mudam ao longo do tempo. O interessante é que esses estados fora do equilíbrio podem ser divididos em dois grupos. Observe que quando você dá o peteleco no lápis, ocorrem duas situações diferentes em sequência: primeiro ele muda de posição até chegar a uma nova região da mesa, depois ele fica oscilando até chegar no seu estado de equilíbrio. A primeira situação corresponde a um estado longe do equilíbrio, e a segunda situação é um estado próximo do equilíbrio. O peteleco que você deu nada mais é que uma força externa atuando no seu lápis, o que acaba causando sua movimentação. A mudança gerada por essa força é uma flutuação em relação ao estado de equilíbrio. Onde quero chegar com tudo isso? Elementar, meu caro Watson. O mundo em que vivemos não está em equilíbrio termodinâmico.



Perto do equilíbrio, as flutuações (lembra do peteleco no lápis?) tendem a se tornar cada vez menores conforme o tempo passa. Nesse caso, a resposta do sistema a uma mudança é diretamente proporcional à sua intensidade. Porém, longe do equilíbrio, as flutuações tendem a se tornar cada vez maiores e o sistema evolui para um novo estado entre numerosos possíveis. Aqui, a resposta não é mais necessariamente proporcional à intensidade da mudança e não se pode ter certeza de como exatamente o sistema irá evoluir. Pequenas causas podem gerar grandes efeitos. É por isso que sistemas longe do equilíbrio só podem ser explicados a partir de probabilidades – aí está a famosa teoria do caos. Grande parte do que observamos no universo está longe do equilíbrio.



Os novos estados que o sistema longe do equilíbrio atinge podem ser bastante organizados, formando o que os físicos chamam de estruturas dissipativas. Dessa forma, fica fácil entender que as flutuações (ainda lembra da história do lápis?) de um sistema instável são capazes de gerar ordem. É por isso que eu, você, este computador, as nuvens do céu (e claro, né…, as nanopartículas) existem. Eis, caro leitor, o que a teoria do caos tem a ver com você: o ser humano, em toda sua complexidade, é um belo exemplo de estruturas dissipativas* oriundas de flutuações – que iniciaram nos primórdios da vida na Terra.



*estruturas dissipativas – assim mesmo, no plural, porque o ser humano é mais que (apenas) uma estrutura dissipativa.


Agradecimento ao Prof. Paulo Netz, pelas contribuições e pela leitura crítica desse texto.




O pai da ideia ….

Ilya Prigogine ganhou o Prêmio Nobel em Química de 1977 pelos seus estudos sobre termodinâmica fora do equilíbrio e por propor a teoria das estruturas dissipativas. As informações desse post foram baseadas principalmente no seu livro Termodinâmica: dos motores térmicos às estruturas dissipativas, que utilizei como fonte de estudo ao longo desse semestre na disciplina de Físico-Química Avançada (a qual foi, sem dúvida, a maior lição de humildade que tive até o momento neste meu doutorado em química).

Discussão - 26 comentários

  1. Rafael |RNAm| disse:

    Esse do Prigogine eu nao li não, mas para os "leigos" o livro "As Leis do Caos" é bem interessante.

  2. Tati Nahas disse:

    Fantástico o post, Fer!
    O tema é de bem difícil compreensão para quem não tem a menor familiaridade e você mandou muito bem na explicação e analogias com exemplo do cotidiano. Valeu!

  3. Fernanda Poletto disse:

    Oi, Rafael!
    O livro que serviu de base a esse post é bem técnico, com um formalismo matemático considerável (aliás, aí é que está o grande motivo do meu "sofrimento" ao cursar a disciplina a que me referi no post - mas valeu muito, mesmo assim). Eu ainda não li os livros que Prigogine escreveu para leigos (que devem ser muito bons!). Estou pensando em comprar O Fim das Certezas: Tempo, Caos e as Leis da Natureza (e custa só 30 reais!).

  4. Fernanda Poletto disse:

    Oi, Tati!
    Nem fale, é realmente bem complexo. Não é a toa que pedi para um expert revisar o texto 🙂
    Abraços

  5. Karl disse:

    Fernanda, esse texto deve estar mesmo muito bom: até médico entende, hehe.

  6. Fernanda Poletto disse:

    Obrigada, Karl

  7. Mario disse:

    Esta teoria do caos é bem interessante, é complexo mas interessante tentar encontrar a ordem em meio a desordem, se não me engano tem uma teoria sobre isso, acho que chama-se fractal.

  8. Fernanda Poletto disse:

    Oi, Mario
    Obrigada por comentar. Fractais são estruturas geométricas que podem ser divididas em partes, sendo que essas partes são semelhantes ao objeto original. Essa divisão pode ser feita infinitamente, por isso se diz que eles independem de escala. O cálculo fractal pode ser usado para entender fenômenos longe do equilíbrio (ex. metereologia, crescimento de populações, mercado financeiro, etc etc). As leis que regem a geração de um fractal fazem parte da Teoria do Caos.
    O Kentaro escreveu um post bem interessante sobre um grupo específico de estruturas fractais, vale a visita: http://scienceblogs.com.br/100nexos/2009/11/mandelbulb_uma_visualizao_trid.php

  9. Marcos Cezar disse:

    E em Determinismo diz-se que se sabemos onde estão as partículas e sabemos pra onde elas vão e em que velocidade, podemos com as leis da física prever tudo o que irá ocorrer nesse caos, inclusive decaimento radioativo.

  10. Fernanda Poletto disse:

    É verdade, desde que o N estatístico seja suficientemente grande

  11. Luís Brudna disse:

    Tenho esse livro do Prigogine ("Termodinâmica: dos motores térmicos às estruturas dissipativas") e comprei depois que vi que o Netz estava lendo. 🙂
    Ainda não li ele todo e fiquei mais na parte da ´termodinâmica tradicional´. Ainda vou me aventurar pela parte mais hardcore.

  12. Fernanda Poletto disse:

    A parte da termodinâmica fora do equilíbrio é a mais legal!
    Pena que a versão em português do livro é cheia de erros (inclusive nas equações), com uma tradução muito mal-feita. Para quem não comprou esse livro ainda, recomendo fortemente o original em inglês.

  13. Samya disse:

    Olá Fernanda, adoro ler seus posts! São demais...! Parabéns pela difusão do conhecimento que proporcionas!

  14. maria disse:

    belo texto! eu suei para escrever sobre desequilíbrios termodinâmicos, aqui: http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=3989&bd=1&pg=1&lg=

  15. Igor Z disse:

    Oi Fernanda, deixa eu comentar o trecho
    "É por isso que sistemas longe do equilíbrio só podem ser explicados a partir de probabilidades - aí está a famosa teoria do caos."
    Se o sistema é "clássico" (feito de muitos átomos), dá para explicar e calcular essas probabilidades usando a boa e velha mecânica clássica e sua evolução determinista. O aspecto aleatório é fruto do sistema se extremamente sensível às condições iniciais.
    Já se o sistema for feito de poucos átomos, sai a mecânica clássica, entra a quântica no lugar e o determinismo desaparece de vez mesmo. É isso mesmo?

  16. Fernanda Poletto disse:

    Bacana seu texto, Maria!
    O engraçado é que o próximo post aqui do blog tratará justamente da reação BZ que você menciona.
    Abraços!

  17. Fernanda Poletto disse:

    Obrigada, Samya

  18. Fernanda Poletto disse:

    Oi, Igor
    Eu não sou especialista em mecânica estatística, mas de acordo com o pouco que sei tanto na mecânica clássica quanto na quântica se trabalha com ensembles onde o N é muito grande. O determinismo da mecânica clássica residiria no fato de que, conhecendo as condições iniciais do sistema (coordenadas e momentos) e suas equações de movimento, podemos saber qual seu comportamento passado e futuro. Na quântica, pelo princípio da incerteza de Heisenberg, não há como saber com toda a certeza quais são as condições iniciais do sistema (que são as coordenadas e os momentos - podemos saber com certeza apenas qual é uma dessas duas observáveis). O volume do sistema que se está analisando seria um dos critérios para definir qual formalismo empregar, porque se ele for grande, os níveis de energia serão tão próximos que podemos considerá-los como um continuum e a mecânica clássica resolveria a questão. Sistemas muito pequenos teriam níveis de energia mais espaçados e os efeitos quânticos ganhariam importância (p. ex. o efeito de confinamento quântico está diretamente relacionado às cores dos quantum dots de diferentes tamanhos).
    Obrigada pela visita e pelo comentário,
    Abraços,
    Fernanda

  19. Joey Salgado disse:

    Ótimo texto! Aliás, mandaste um "straight flush" com esses últimos posts, Fernanda! (Estou comentando após você ter publicado o "Movimentos peristálticos autônomos... de um gel polimérico!").
    Ainda em tempo, para quem quer ler algo sobre teoria do caos sem ter que sofrer com formalismos matemáticos, recomendo fortemente o livro "Será Que Deus Joga Dados?", de Ian Stewart (Ed. Jorge Zaha). Apesar do nome sensacionalista, fazendo referência a uma citação do Eintein, o conteúdo é impagável. Em um parte do livro o autor, inclusive, propõe uma série de "brincadeiras" para se fazer na calculadora ou no PC, a título de exemplo, que são sensacionais!
    Inté!

  20. Sibele disse:

    Muito bom o texto, Fernanda! Parabéns pela bela tradução de uma teoria complexa para um nível compreensível a nós, leigos. Isso é que é Divulgação Científica! 🙂
    Também sou fã de Prigogine, mas por outras vias: a da Filosofia da Ciência. E sim, recomendo fortemente que você leia "O Fim das Certezas: Tempo, Caos e as Leis da Natureza", e depois, pour aller plus loin, leia também "A Nova Aliança: metamorfose da Ciência", que ele escreveu em co-autoria com sua esposa, Isabelle Stengers (247 pág, Brasília: Editora Universidade de Brasilia, 1997). Talvez esteja esgotado, mas sempre é possível consegui-lo na biblioteca! 🙂 Ou então, em algum sebo...
    E também adianto um texto que aborda a contribuição dessa teoria da complexidade de Prigogine para a Filosofia da Ciência, e de uma docente daí dos pampas 🙂
    Massoni, Neusa T. Ilya Prigogine: uma contribuição à Filosofia da Ciência. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 30, n. 2, 2308 (2008). Disponível em: http://www.scielo.br. Ou aqui ==> http://www.bit.ly/7Lu002.
    Abraços!

  21. Trak Trak Trugui disse:

    Parabéns pelo texto, eu sou da área de TI, é uma certa ciência do caos..rs
    Adorei o texto, parabéns!!!

  22. joao disse:

    Excelente post.
    Só li hoje. Gostei muito.
    João.

  23. luana disse:

    Oi Fer,
    ótimo o texto. tu havia me mostrado antes, mas antes de ter mostrado p o Netz. Pelo que vi não foi muito modificado! sinal positivo não? heheh.
    Entretanto, devo me manifestar, heheh, que, dependendo do sistema e do conhecimento que temos sobre ele, mesmo nanométrico (como os nossos "nanomostros" que não entram na física-quântica)podemos algumas vezes sim "extrapolar" para a termodinâmica clássica para obter algumas informações. Realmente é complicado, são sistemas muito pequenos onde as barreiras seriam desconsideradas, entretanto, somente com a probabilidade (cálculos, mais cálculos, simulações, softwares) fica difícil de obtermos dados que possam ser utilizados...
    Não sei se me expressei bem e se concorda, mas vim aqui te fazer uma visitinha.
    Tá maravilhoso o blog, vejo a repercursão que ele está tendo e realmente, tudo que as pessoas tem falado aqui sobre o blog e sobre você (exceto o cara lá da homeopatia que se diz um respeitador da opnião alheia, mas ficou partindo p uma discussão que não levaria a nada) é mais que merecido, e eu sei que é verdade, pois tenho o prazer de trabalhar contigo e de ter aprendido muito c vc.
    Ahh, quero esses livros que tu tem!!!
    Bj
    Lu

  24. luana disse:

    hahah, só desconsidere os erros d português como, repercursão=repercussão
    opnião=opinião, hahaha

  25. Hélio Molina Jorge Júnior disse:

    Fernanda!
    Boa tarde!
    Quando cursei a disciplina de minha graduação em engenharia de materiais chamada termodinâmica química, o meu professor utilizou esse livro que você se baseou, mas no idioma inglês. Até aconselho que seja lido neste mesmo idioma devido à tradução lamentável que se apresenta na língua portuguesa de Portugal. No inglês ele tem várias versões como: Introduction to Modern Thermodynamics e Modern thermodynamics: from heat engines to dissipative structures.
    Pelo que percebi você detém a habilidade de transformar textos de uma linguagem técnica para outra bem mais acessível ao público leigo.
    Nunca pensou em escrever nada parecido com o foco direcionado à "ENTROPIA"?
    Através desse livro eu pude conhecer um pouquinho mais sobre esse conceito um tanto confuso e que nem sempre está ligado à desordem, como vários livros de termodinâmica ainda colocam.
    Tudo de bom!

  26. Fernanda Poletto disse:

    Olá, Hélio!
    É verdade, a versão em português é medonha. O pior não são nem os erros de linguagem, mas os erros nas equações.
    Entropia é um vespeiro, hehehhe. Comentei um pouco sobre ela aqui e aqui.
    Abraço!

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