Ciência Cotidiana 7 – Onde encontro um pé de trigo selvagem?

Por Eduardo Bessa com a supervisão da Prof. Virgínia Azevedo, especialista em melhoramento genético vegetal da UNEMAT

Estamos no Oriente Médio de 19 mil anos atrás. O local onde estamos um dia será a fronteira de Israel com a Síria. Somos um grupo de caçadores coletores nômades, nosso clã estabelece residência em um local, ali arma tendas nas quais as mulheres cuidam das crianças e coletam frutos e raízes para comer. Os homens passam um ou vários dias vagando pelas redondezas caçando pequenos cervos, cabras e o que mais puderem abater. Quando o alimento começa a escassear levantamos acampamento e nos mudamos para outro local ainda inexplorado e o ciclo recomeça. Nossos pertences não podem ser muitos devido à dificuldade de carregá-los na migração. Tanta andança impede que tenhamos muitos filhos e que os velhos vivam mais por incapacidade de acompanhar o grupo. Há escassez de proteína na alimentação, já que a caça é pouco produtiva. A vida não é fácil no começo do Período Neolítico. Num determinado momento de nossa evolução cultural uma nova técnica foi inventada. Embora aparentemente trivial, ela levou muitos anos para surgir, mas provocou uma vantagem tão grande àqueles que a realizavam que rapidamente a técnica se espalhou por todas as culturas que tinham contato naquele período. Era a agricultura.
A agricultura consistia em coletar na mata sementes dos vegetais mais utilizados na alimentação e plantá-las nas redondezas das vilas. Método semelhante foi realizado com os animais de caça que, em vez de abatidos, eram presos e alimentados até que se reproduzissem e fossem mortos para servir de alimento. Desta forma, era bem menos necessário migrar de uma área para a outra atrás de comida, era mais fácil adquirir proteína essencial para a ovulação e a população humana teve sua primeira explosão.
De quase 20 mil anos para cá muita coisa mudou. As plantas mais consumidas não mais eram coletadas nas matas, mas eram cruzadas dentro das próprias lavouras. Assim, apenas as mais vantajosas eram usadas como reprodutoras: os milhos mais doces, as batatas mais resistentes a fungos, as maiores abóboras. Esta técnica chamada de seleção artificial fez com que as plantas cultivadas fossem diferindo cada vez mais de seus ancestrais selvagens.
Com o advento da genética um segundo grande passo da evolução das plantas cultivadas ganhou terreno. O melhoramento genético dos vegetais trouxe ainda mais produtividade e vigor aos cultivares. Foi a chamada revolução verde que ocorreu na década de 1960 e junto trouxe o uso de fertilizantes, maquinário agrícola e agrotóxicos. Mais uma vez os vegetais cultivados diferiam de seus ancestrais selvagens. Só para se ter idéia, a soja não aguentava o fotoperíodo (a duração do dia) do Brasil, que hoje é o segundo maior produtor mundial do grão. O arroz é uma planta aquática da China, só crescia em solos alagados, mas através do melhoramento genético passou a tolerar solos secos em sua variedade conhecida como arroz de terras altas.
É por isso que não existe um pé de trigo igual aos que plantamos brotando naturalmente em lugar nenhum do mundo, o trigo atual é uma planta artificial, hexaplóide (com seis conjuntos de cromossomos ao invés dos dois usuais) e autógama, é capaz de se autofecundar, ao contrário da maioria das plantas selvagens. O milho, por exemplo, deriva de uma planta chamada teosinte, era bem menor do que a espiga de milho que conhecemos, tinha grãos com cores diferentes que variavam do amarelo pálido, roxo, preto ao vermelho, isso na mesma espiga. Até hoje produtores tradicionais usam variedades multicoloridas chamadas de milho crioulo, bem mais resistente a pragas do que o milho amarelinho que comemos cozido.

teosinte.jpg

Obtido em www.gmo-safety.eu

Governos de países como Peru e Índia têm incentivado os produtores a manter variedades de seus vegetais de cultivo nativos (milho e arroz, respectivamente) de forma a ter um plantel de genes diversos que podem ser a salvação de nossas monoculturas caso surja uma praga dos principais alimentos utilizados. Imagine um fungo que acabe com toda a plantação de arroz do mundo. Com a baixa diversidade genética nesses vegetais uma praga que afete um pé de arroz afetaria potencialmente todos os pés de arroz. Um bom enredo para um holocausto ficcional. Foi isso que aconteceu com as batatas na Irlanda em 1845, o que levou, em grande parte, à colonização dos Estados Unidos. Diversidade genética é primordial para a conservação de qualquer espécie viva, de micos leões dourados a pés de arroz, milho ou trigo.

Discussão - 6 comentários

  1. maria moura disse:

    eu tambem tenho a mesma preocupação sua no sentido de valorar os produtos da nossa biodiversidade.Aqui no maranhao, por exemplo escrevi vários textos destacando os produtos da nossa biodiversidade. temos o milho, arroz, mandicoa, fruteiras nativas com destaque ao bacuri-fruta carissima, buriti- uma das frutas mais rica em carotenoides- precurssor da pro-vitamin A, pimentas, aboboras , inhame roxo etcc, todas ameaçadas pelos produtos do agronegocio (cana, eucalipto, soja, carvao vegetal etc).
    Parabéns!!!!

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  6. Jonas disse:

    Muito bom texto... Obrigado...

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