Julgamentos

Caso 1- Alberto está sendo julgado por um estupro. Ele assumiu ter atacado sexualmente uma mulher que passava à noite em frente à porta de sua casa, mas negou que a culpa fosse sua. Alberto imobilizou-a, tampou-lhe a boca e a arrastou para a garagem de casa, onde a violentou. No tribunal a defesa alegou que Alberto apenas respondeu ao desígnio genético de passar seus genes adiante a qualquer custo. Testemunhas afirmaram que Alberto tinha dificuldade em se relacionar com mulheres e é muito tímido. Exames médicos atestaram a sanidade mental de Alberto, mas apontaram para uma grande quantidade de testosterona no sangue, o que pode ser responsável pela índole agressiva dele. Imagens de ressonância magnética também mostraram alterações na amígdala e no córtex pré-frontal, áreas do cérebro responsáveis pela noção de moral e pelas emoções. A defesa conclui afirmando que Alberto foi apenas um títere de seus genes, não podendo ser punido por atos que fugiam ao seu controle. Você integra o júri que definirá sua condenação respondendo sim ou não às seguintes perguntas:
1) Alberto é culpado pelo estupro da vítima?
2) Aspectos anatômicos, genéticos ou hormonais tiveram papel na efetivação do estupro?
3) Alberto teve pleno domínio sobre seu comportamento no momento do estupro?
Caso 2- Leandro tem 18 anos recém completos, passa suas tardes e as manhãs em que mata aula numa lan house divertindo-se em jogos de computador violentos ou assistindo a filmes de artes marciais. Apenas algumas semanas após o início da faculdade Leandro discutiu com um colega de classe de forma acalorada diante de toda a classe, no dia seguinte sacou uma arma de dentro da mochila e atirou três vezes no colega, que permanece em coma. Leandro foi a julgamento e a defesa argumentou que o menino vinha sendo bombardeado por violência desde a pré-adolescência. Os pais haviam passado por um divórcio litigioso por agressão à mãe, Leandro já havia agredido irmãos e colegas outras vezes e seu gosto pelos filmes e jogos violentos era notório. Após a mãe casar-se novamente o padrasto de Leandro o agrediu mais de uma vez. Seu advogado afirma que a vida em um ambiente de violência resultou no rompante de ódio que levou Leandro a atirar na vítima. Novamente como integrante do júri você deve responder às questões abaixo para definir a pena do réu:
1) Leandro é culpado pelo assassinato da vítima?
2) Os hábitos a que Leandro era exposto tiveram papel na realização do crime?
3) Leandro teve pleno domínio sobre seu comportamento no momento do crime?
Em ambos os casos acima o que está em jogo é o determinismo. No primeiro a defesa abriga-se no determinismo biológico em que somos apenas escravos de nossos genes. No segundo nossas mentes são folhas em branco, preenchidas pelas experiências a que somos expostos. Nenhum dos dois extremos é verdadeiro. Nem homens estupram porque está em seus genes, nem porque a mulher usava uma roupa mais decotada. Pessoas não matam pessoas por causa da sobrevivência do mais apto, tão pouco porque assistiram muito filme do Chuck Norris! O mesmo genoma moldado pela sobrevivência do mais apto e pelo desígnio da reprodução também carrega consigo os genes para a cooperação. A mesma cultura que nos bombardeia com programas no estilo mundo-cão nos traz Lagoa Azul e Benji na sessão da tarde toda semana. Há sempre espaço para decisões, influenciadas por nossas experiências pretéritas e por nossos estados de espírito neuroquímicos, mas sempre há uma escolha a ser feita.
Além disto, há uma diferença gritante entre compreender e absolver. Saber que o criminoso foi até o local do crime de transporte público ou de moto não o torna nem mais nem menos culpado. Saber se o crime deveu-se a fatores relacionados à natureza do criminoso ou à sua criação não o irá perdoar.

Discussão - 4 comentários

  1. Claudia Chow disse:

    Fantástico! Adorei o post!
    Nao queria fazer parte do juri de nenhum dos 2 julgamentos. As respostas para as perguntas feitas sao muito pessoais, nao?

  2. bessa disse:

    Claudia, não que eu tenha alguma experiência com essa parte do julgamento além dos filmes do John Grishan, mas me parece que é bem essa a natureza das perguntas que sobram ao juri em casos desses julgamentos. Um aparte, nenhum dos dois casos que narrei seriam julgados por um juri popular no Brasil. Aqui só crimes como homicídio ou instigação ao suicídio levam a juri popular. Mas me permiti a licença "poética" para deixar o post mais interessante.

  3. Mr. Bhingo disse:

    A interrogação nos liberta para as possibilidades. Mas não nos esqueçamos que existe o momento do ponto final. Se os nossos genes ou as pulsões inconscientes demandam a saciação de nossos desejos ou necessidades, é fato. Entretanto é legítimo existirem leis, regras e normas de condutas que preservem a convivência social. De uma maneira simplista: em algum momento você combinou com o outro o que pretendia fazer?
    Eu mesmo na minha vã consciência tenho minhas dúvidas por que o homem veio do macaco? Não seríamos semelhantes aos ursos? Estes hibernam como se estivessem protegidos no lar e quando acordam vão enfrentar o inóspito da floresta. Será que não se assemelha ao jovem adulto ao deixar seu lar e arriscar-se no mundo externo? Os ursos também andam sobre duas patas. É fato que são amigáveis como o Zé Colméia e quando “surtam” são extremamente agressivos. Tal qual qualquer um de nós leitores e humanos! E podemos acrescentar que quando éramos crianças nos identificamos com os “teddy bear” que serviam como substitutos amorosos da ausência da mãe. Assim sendo, somos descendentes dos primatas ou do ursus aretus ou orribilis?

  4. Marão disse:

    Ursídeos à parte, peludos ou não,pelados sim!Estamos todos pelados como o Rei Nu da lenda. Aí desvendam-nos, e aí está o problema - seremos julgados!!Ora bolas, diremos:...mas todo mundo é assim, vestido de Adão e Eva. Sem toda essa cobertura de chantili que nos enfeita, somos feios mesmo! dá vontade de estrupar...que dá, dá, mas não dá...né?!Mulher também tem seus faniquitos possessivos...

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