O sorriso do Talha-mar

Um dos lugares que eu mais gostava de visitar quando estudava em São Paulo era o litoral sul do estado. Não tinha a exuberância da Mata Atlântica quase sendo beijada pelas ondas da praia nem a abundância de charmosas enseadazinhas escondidas a cada curva da Rio-Santos, como no litoral norte, mas tinha encantos só seus para compensar. A foz do Rio Ribeira do Iguape forma quase um delta na região de Cananéia e uma série de ilhas arenosas e baixas são cobertas de restinga e margeadas por praias planas e muito longas ou manguezais. Uma paisagem muito bonita.
Numa dessas viagens visitei Ilha Comprida e encontrei uma ave que sempre ouvira falar, mas nunca tinha visto em ação, o Talha-mar. O Talha-mar é uma dessas criaturas que parecem desenhadas para exercer seu nicho na natureza. De fato, talvez tenha sido, não por um designer inteligente, um engenheiro consciente. Mas pelo nosso velho e conhecido relojoeiro cego, capaz de fazer obras interessantíssimas sem prever exatamente o que virá daquele projeto, apenas pondo-o à prova a cada pequena alteração no projeto original e vendo quais variedades dão certo e quais pifam.
O Talha-mar, Rynchops niger, é uma ave da ordem dos Charadriiformes, a mesma dos quero-queros. Tem o corpo mais ou menos do mesmo tamanho de um quero-quero, o dorso cinza escuro e a margem das asas pretas, o peito é branco, seu bico e pés são pretos e vermelhos. Esta espécie distribui-se desde o norte da Argentina até a Flórida, ocorrendo em todo o litoral brasileiro e em águas continentais, como o Pantanal e a Amazônia.
Sua grande peculiaridade está na forma de adquirir alimento. O talha-mar voa rente à água com o bico aberto, sua mandíbula inferior, surpreendentemente, é maior do que a superior. Desta forma, o talha-mar risca a superfície d’água capturando pequenos peixes ou crustáceos que ali habitam.
O Gérard Moss, um ídolo da adolescência que deu duas voltas ao mundo, uma num monomotor com a esposa e a outra num planador, homenageou esta ave em um projeto mais recente (2004). Gérard fez uma avaliação geral dos recursos hídricos do Brasil coletando amostras de água de diversos pontos remotos do país. Estas amostras eram coletadas por um mecanismo adaptado em seu hidroavião ainda em voo semelhante à caça dos talha-mares. Por isso seu avião foi apelidado de talha-mar. O site do casal vale uma visitinha para todos os amantes de viagens e da natureza.

Discussão - 1 comentário

  1. thielly Zamorano disse:

    Professor Bessa saudade do senhor lembra de mim? tive aulas na FIG com o senhor...

Envie seu comentário

Seu e-mail não será divulgado. (*) Campos obrigatórios.