Manchetes comentadas 16 – Encontrado (outro) elo perdido

Hoje pela manhã fui dar a última aula de Zoologia de Vertebrados deste semestre, pelo menos a última aula teórica. O tema dela é a evolução humana. Antes de começar já veio uma aluna me perguntar se eu tinha visto a novíssima descoberta do nosso elo perdido no jornal da noite anterior. Não tinha. Coincidência! Aproveitei que durante esta aula projeto para a meninada um documentário da BBC chamado “Walking with the cave men” e dei uma escapulida para me interar e comentar a novidade.

A descoberta em questão causou frenesi na mídia pelo mundo todo a ponto de tornar-se banner do dia no Google. Tai, antes achava que reconhecimento seria quando tivesse uma entrevista com o Jô Soares falando mais do que me ouvindo. Mudei meus parâmetros. Agora chique mesmo é ser banner do Google!

O fóssil do tamanho de um gato parece ter sido coletado há mais de vinte anos em um sítio arqueológico na Alemanha, mas ficou desconhecido até recentemente, quando Jorn Hurum, pesquisador da Universidade de Oslo, estudou-o em segredo por dois anos. O resultado destes estudos foi divulgado hoje. O fóssil de 47 milhões de anos pertence a uma espécie de primata ancestral dos macacos e humanos modernos. Ele se assemelha a um lêmure (eu me remexo muito…), mas apresenta um polegar opositor e unhas planas no lugar de garras.

O grupo de cientistas que realizou o estudo referiu-se a seus achados com termos como “cálice sagrado da paleontologia”, “oitava maravilha” ou “arca perdida”. A equipe sugeriu que “este fóssil será figura obrigatória em todos os livros de biologia dos próximos cem anos”, que “é a evidência final da veracidade da teoria evolutiva” e que “este é o primeiro elo de nós humanos e o mais perto que chegaremos de um ancestral direto”. O boom midiático é parte de uma estratégia de marketing científico pioneiro e já estão programados um documentário no History Channel semana que vem e um livro logo a seguir.

Ok, a descoberta foi muito legal, mas os pesquisadores e a imprensa estão exagerando um pouco. O fóssil é tão extraordinário quanto vários outros. Quando voltei à sala de aula o filme que eu passava mostrava um extra com o Prof. Walter Neves, meu ex-professor de evolução humana. Fiquei imaginando o que não estaria ele achando da tempestade em copo d’água. Por outro lado, fico tentado a deixar os cientistas-astros curtirem seus 15 minutos de fama. Nossa profissão já é tão desvalorizada e carece de auto-estima. Qual o problema em deixar uma novidade científica ter a visibilidade que esta vem demonstrando, mesmo que meio indevidamente? Se isso favorecer o interesse pela ciência e repercutir na valorização de todos os cientistas acho perdoável.

Mas temos que dar algum crédito aos caras. O fóssil tem uma posição na história evolutiva dos primatas realmente interessante, a mudança de prossímios para macacos é uma das mais mal documentadas da paleontologia. Soma-se a isto o caráter extremamente bem preservado do fóssil, 95% intacto, que permite análises muito detalhadas do animal. Por fim, a descoberta coloca a Europa como outro palco importante para a evolução dos primatas, antes centrada na África. Isto é tudo! Qualquer alegação maior é um desserviço de jornalistas mal informados ou de pesquisadores com egos inflados ou querendo supervalorizar sua pesquisa. Eu também acho a ecologia comportamental da reprodução em peixes o assunto mais importante do mundo.

Discussão - 2 comentários

  1. maria disse:

    gostei de como você apresentou o assunto. pena que, quando os pesquisadores tiverem resultados de fato, duvido que as análises ganhem muito espaço na mídia...

  2. A Mídia sempre apronta dessas. Isso me faz lembrar da história do rebaixamento de Plutão, até astrólogos foram entrevistados pra opinar sobre no quê isso afetaria a pobre humanidade.
    A informação pública sobre assuntos científicos, principalmente por meio da mídia, é de fundamental importância. Mas como alguém que não domina o tema pode passar a informação adiante? Se não tomar cuidado vira fofoca. Alguém viu/disse, então tá na mídia...
    Um abraço, Alessandro
    http://cafecomciencia.wordpress.com

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