Diário de Viagem – 4 de março, terremoto no Chile
Chegamos no aeroporto e enquanto esperava a bagagem na esteira me chegavam apressadamente as notícias do grande terremoto através de um funcionário. Em Concepción não se via uma casa em pé, setenta aldeias haviam sido destruídas e uma onda gigante havia varrido as ruínas da cidade. Logo o boato tornou-se real com provas em abundância, toda a costa estava coberta de móveis, destroços flutuantes, eletrodomésticos, como se as Casas Bahia houvessem sido abduzidas por alienígenas e depois disppersas na praia. O comércio também perecia, sendo saqueado e arrombado, nas ruas jaziam sacos de mantimentos rasgados, mercadorias valiosas no chão. Passeando próximo à orla percebi fragmentos de rochedos onde estavam aderidos seres de mais de 1,80 m que certamente haviam emergido das profundezas.
A própria ilha que eu olhava agora havia sido consideravelmente encolhida pela terrível força do terremoto, a praia devorada pela imensa onda resultante. Formavam-se fendas no sentido Norte-Sul que atingiam 1 m de largura. Enormes massas de terra já haviam desmoronado sobre a praia e os habitantes estavam certos de que assim que chovesse massas ainda maiores desmoronariam. Mais impressionante ainda era a quantidade de fraturas em rochas extremamente duras, elas deveriam ser restritas à camada mais superficial ou neste momento em todo o Chile não restaria uma rocha inteira. Tenho certeza que este tremor de alguns instantes foi mais responsável pela diminuição da ilha de Quiriquina do que séculos de erosão pela água e pelo tempo.
No dia seguinte tomei uma van para Telcahuano e Concepción. As duas cidades apresentavam o espetáculo mais horrível e, ainda assim, o mais interessante que meu espírito naturalista poderia conceber. Os escombros estavam na mais completa confusão e era difícil acreditar que outrora aquele fosse um local habitável. Caso o terremoto tivesse ocorrido à noite, e não às 16 h, em lugar de menos de mil, haveria morrido a maior parte da população, salvou muitos o gesto instintivo de sair à rua ao primeiro sinal de tremor. Em Concepción enxergava-se fileiras do que antes foram casas, mas em Telcahuano, devido à onda, nada mais se enxerga do que um tapete de telhas e tijolos. O primeiro abalo foi logo o mais drástico, o funcionário do aeroporto que veio conversar comigo reportava que a primeira coisa que lhe ocorreu após o início do terremoto foi ver a si e sua moto derrubados imediatamente no asfalto. Levantava-se apenas para ser novamente atirado ao chão. Foi o pior terremoto que o Chile jamais registrou, e inúmeros tremores menores se seguiram ao principal, somaram-se 300 de diferentes magnitudes e em diferentes locais nos dias subsequentes.
O tsunami me foi descrito como uma linha de até 6 km de comprimento e até 7 m de altura que varreram as praias arrancando tudo à sua frente. Um carro forte de 4 toneladas foi arrastado por 5 m e diversos barcos do atracadouro foram parar no seco. No entanto, a onda deve ter avançado lentamente, já que muitos habitantes fugiram dela a pé para as áreas mais altas da cidade. Era possível identificar a direçào de onde haviam vindo as vibrações pelas paredes que haviam ruído ou ficado de pé e pelas estantes que haviam perdido seu conteúdo ou não.
A Ilha de Santa Maria, que se localiza mais ou menos sobre o centro dos abalos, está agora situada cerca de três vezes acima do resto do litoral que a cercava. O efeito mais surpreendente do terremoto foi este, a elevação do terreno entre 60 e 90 cm. Quem sabe esse não seja um efeito, mas a causa do terremoto. Na Ilha de Santa Maria, por exemplo, a marca da maré foi parcialmente apagada pelo tsunami, mas habitantes locais podiam me jurar que a rocha costeira estava elevada. Mais relevante do que isso foi que conchas que só existem na linha d’água, conchas de fato muito semelhantes a outras encontradas fossilizadas em picos a 3900 m nos Andes, foram encontradas após os tremores a 3 m da linha d’água pelo Capitão Fitzroy, Aparentemente pequenas alterações acumuladas por intervalos longos de tempo podem resultar em mudanças dramáticas na paisagem.
Tradução poetica e livremente alterada dos diários de Charles Darwin a bordo do Beagle, a 4 de março de 1835, mas bem que poderia ter sido escrito dia 4 de março de 2010 por alguém visitando exatamente a mesma região.
Crédito das imagens: www.lanacion.cl e www.cepresperu.org
Discussão - 3 comentários
Genial, Bessa!!!
O tempo não pára de voltar atrás, que teimosia sinistra...e ainda falam em evolução. Deve ser aquele papo de que ao pó retornarás...sem piedade, nem dó!
Marão, não se deixe enganar. Evolução biológica não tem o significado de evolução tecnológica. Misturar as duas é uma estratégia comum de quem quer confundir aprendizes do assunto. Para saber mãis não perca a série que estou programando sobre falácias.