Manchetes comentadas 25 – Incendio no Butantan destroi importante coleção zoológica
Aos colegas Kiko Franco, Antônio Brescovit, Otávio Marques e Giusepe Puorto, entre tantos outros
Todos perdemos, mas só vocês têm a exata medida
O que sobrou de uma das salas
Fonte: folha.com.br
Ontem no final da manhã estava trabalhando e escutando ao longe o som de uma TV ligada, ruido de fundo, nada que eu estivesse tomando consciência, quando escutei a notícia do incêndio no Instituto Butantan, em São Paulo. A energia no prédio das coleções do Butantan foi desligada para reparos elétricos, na manhã seguinte quando foi religada um incêndio começou e destruiu completamente a coleção que contava com mais de 80 mil serpentes e 500 mil artrópodes. Ainda não é claro se a causa do incêndio foi de fato o reparo elétrico, mas isto não importa muito, apontar culpados não irá resolver o problema. Não consigo imaginar a sensação daqueles cujas vidas dependem da coleção, mas as imagens dos rostos conhecidos na matéria que a TV veiculou é completamente eloquente para mim.
Imagine todos os esforços de uma vida inteira, todo o seu trabalho destruído pelas chamas. Imagine o registro histórico do progresso da zoologia brasileira perdidos para sempre. Imagine o volume de informações depositado numa coleção como esta que em três horas virou fumaça. Imagine um prédio repleto de frascos contendo litros e mais litros de álcool e uma fagulha.
Coleções zoológicas não são o mais compreendido dos ofícios de um biólogo. Eu mesmo me lembro de ficar estarrecido ao acompanhar em campo uma pesquisadora das que perdeu muitos exemplares neste incêndio. A impressão que eu tinha era que ela possuia tantos braços quanto as aranhas que capturava e colocava em frascos de álcool freneticamente. Coleções zoológicas são “conjuntos ordenados de espécimes mortos ou partes corporais destes espécimes, devidamente preservados para estudo” (Segundo o capítulo do Bira, do MZUSP no livro de Taxonomia Zoológica publicado pelo Papavero). Assim, os taxonomistas, estes cientistas que estudam a diversidade da vida, saem a campo coletando animais e os matando para que sua compreensão e descoberta sirvam para salvar a vida de tantos outros da mesma espécie que permanecem na natureza. Um leigo não compreende muito bem isto de matar alguns para preservar os outros, mas é por isso que deixamos aos especialistas cumprirem este papel.
Os animais depositados em uma coleção trazem informações sobre a distribuição das espécies, sua evolução e relação de parentesco, variações entre populações, diversidade faunística de determinadas áreas, habitat, características morfológicas e às vezes até comportamentais. Elas servem de referência a outras coleções e trabalham em uma rede mundial de museus e coleções para permitir o progresso da zoologia. As coleções dependem de um cuidado tremendo com a precisão na coleta de dados e na preservação dos espécimes cujas vidas foram tiradas para servir à ciência e à conservação. Por isso a formação de pessoal para a realização deste trabalho vem sendo incentivada pelo CNPq desde a década de 1970 e ainda há tanto a progredir neste nosso país megadiverso. O maior responsável por estas coleções é o curador, ele é um tipo que lembra a bibliotecária, ciumentíssimo de seu acervo, bravo para fazer cumprir as regras da coleção e muito metódico para manter a ordem naquilo tudo. Por isto ele acaba sendo injustamente criticado: pelo cuidado e carinho que tem por coleções tão ricas em informações como a que se perdeu neste fim de semana. Reside aí o tamanho do buraco que estas três horas de fogo em uma manhã de sábado deixou na ciência brasileira. O volume de informações perdidas nunca mais será retomado, mas fica aqui o apoio deste zoólogo.
Discussão - 7 comentários
É muito triste o que aconteceu. O Butantan é um importante centro científico brasileiro. Não tem como estimar essa perda.
Essa foto ai é do lugar onde eu passei os ultimos 3 anos trabalhando na minha dissertação de mestrado. Não consigo mais localizar nada... onde ficava minha mesa... onde ficavam os bichos... só sobrou pó e os armarios de metal que ficaram retorcidos pelo calor.
Isso é o que restou da parte do lab que trabalhava com comportamento. E você que também é etólogo deve entender o que é perder mais de 300 fitas de filmagens...
Ainda não consigo imaginar o tamanho da perda!
Bessa, lembrei da visita que fiz ao Butantan esse ano quando vi a manchete na TV. Fiquei estarrecida, simplesmente estarrecida....... Não há como mensurar uma perda dessas.
Pois é, Fernanda, fiquei pensando na nossa visita lá também. Lembrei que se não tivéssemos ido tão tarde minha intenção era levar vocês na coleção de serpentes para conhecer o Kiko, um dos meus homenageados acima, e a curadoria caprichosa dele. Muito triste.
Essa é de ferver o sangue:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u737834.shtml
Tem razão, Livio. Não sei o que acontece com cientistas mais velhos que alguns surtam legal. Horripilante o material apresentado pelo Reinaldo, nosso vizinho do Blog Carbono 14. Quem quiser ouvir mais sobre o assunto não perca o próximo podcast do dispersando, não sei se já podia contar mas, pronto, falei!
Olha! Vou te dizer que nunca fui a esse lugar, mas meu sonho, desde que decidi estudar biologia, sempre foi conhecer e quem sabe até trabalhar no instituto Butantan!!! Pôxa tantas décadas de estudo perdidas sem a possibilidade de serem retomadas, é nessas horas que vejo o quanto somos vulneráveis!!!!