O peixe cachimbo grávido

Naquela manhã no consultório psicanalítico

 

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– Ah, que gracinha! Quanto falta para a senhora dar à luz? – Perguntou a secretária novata tentando causar uma boa impressão e interagir com o paciente que acabava de entrar.

– Ora pois! Eu sou macho. Estás a estranhar-me? – O peixe cachimbo respondeu com forte sotaque português e muito mal humor.

A secretária, ligou para a analista: “Doutora, está aqui uma senhora grávida que diz ser macho. Mando entrar?”

– Entre, meu colega d’além mar. – Acolheu-o a psicóloga com um sorriso largo. – Há quanto tempo? Pois vejo que me traz boas novas, está grávido.

O peixe cachimbo entrou no consultório e logo se fez confortável no divã. Era longo o seu histórico de terapia, um caso clássico de crise de identidade, desses de ilustrar livro-texto. A despeito dos anos de terapia o bicho não conseguia quebrar o ciclo de repetir, recordar e reelaborar, talvez não fosse da sua natureza.

– Doutora, até sua secretária me confunde, no estuário todos se põem a rir de mim, caranguejos, camarões, vieiras. Ninguém me dá o devido respeito. Estou farto disto! – Desabafou o peixe cachimbo.

– Sei. E o que o senhor pretende fazer a respeito, Sr. Syngnathus?

– O que eu posso fazer, se nem minha parceira me respeita? – O peixe fez o bico mais comprido do reino animal.

– O senhor se respeita? – Perguntou a analista em tom de desafio.

– Ora pois! É claro que sim. – As nadadeiras dorsais do Sr. Syngnathus agora estavam eriçadas. Após o rompante de ira os longos segundos de silêncio fizeram o peixinho pensar de fato na pergunta à medida que suas nadadeiras baixavam novamente.

– A senhora acha que eu deveria me impor mais? Mas como? A mãe dos filhotinhos que carrego agora é uma fêmea grande, forte, tem quase 3 cm a mais que eu. É prepotente, agressiva. Ela me oprime! Não tem quem se imponha diante dela, espanta a todos os que se aproximam de mim. Na verdade, sei que estão todos a rir de mim dizendo que não sou eu o macho do casal. Só não escuto isso mais constantemente porque ela põe para correr todos os que resolvem criticar nossa relação.

– Então ela te protege vez por outra? – A analista perguntou num tom quase de afirmação.

– Sim, é muito protetora. Lhe adimiro neste ponto, quem me dera saber me impor desta maneira. Quando é assim com os outros não me importo, mas passa que o mesmo modo de lidar com os outros animais do estuário é o jeito dela em casa. Chega a me colocar medo. – Confessou o peixe cachimbo à boca miúda

– Sr. Syngnathus, a relação de vocês é de muita complementaridade, não é? Um é bastante o oposto do outro. Estou certa? – O peixe se restringiu a acenar afirmativamente com a cabeça, meio envergonhado do que assentia.

– O pior é que de uns tempos para cá apareceram mais fêmeas no pedaço. Nunca a vi tão agressiva. Sempre acabava sobrando uma grosseiria para mim. Ela criava confusão com casais a namorar, arrumava casos por aí, até em brigas se envolveu. Eu, por minha vez, só queria saber de romance. – O peixe cachimbo com aquela barriga cheia de filhotes e aquela cabeça cheia de problemas era uma imagem aterradora para a analista.

– O senhor é responsável pela sua vida. Não adianta se queixar, faça por merecer ou aceite a frustração desta relação de vocês. O senhor já considerou mudar-se para um lugar com menos fêmeas, talvez um lugar onde houvesse muito mais mulheres do que homens? – Perguntou a doutora.

Um lampejo de alegria varreu o rosto do peixe cachimbo de opérculo a opérculo e ele abriu o primeiro sorriso desde que a sessão começara.

– A Sra. acha que daria certo? Sabe, vou agora mesmo procurar um novo lugar para ir morar. Faz todo sentido, doutora. Muito obrigado, prometo que irei tentar.

Silva, K., Vieira, M., Almada, V., & Monteiro, N. (2010). Reversing sex role reversal: compete only when you must Animal Behaviour, 79 (4), 885-893 DOI: 10.1016/j.anbehav.2010.01.001

Discussão - 7 comentários

  1. Chloe disse:

    Olá Eduardo!
    acho que achei uma foto do peixe caximbo na internet:
    http://www.pbase.com/joaoadalberto/image/59686434
    mas acho que esse não está grávido, rs...
    o peixe é assim mesmo ou eu que estou comendo bolha?
    estranho... ; )
    tem umas fotos de bichos que recebi por e-mail, gostaria de te passar, são bem legais.
    talvez vc até já tenha, enfim... : )
    se quiser, me passe um email daí eu te mando.
    abç. ; )
    C.

  2. Cristina disse:

    Adorei o peixe cachimbo!!!
    Parabéns pelo texto!!!

  3. bessa disse:

    Pois é, Chloe. Não tinha uma foto boa desta espécie para ilustrar o post. Até escrevi aos autores pedindo, mas eles ainda não responderam. Os peixes cachimbo, todo um grupo de espécies, são aparentados aos cavalos marinhos e carregam seus filhotes numa dobra de pele na barriga. Algo externo ao sistema reprodutor deles (portanto, não é uma gravidez propriamente dita, tá mais pro equivalente dos peixes à bolsa de um canguru). Ele também tem esse biquinho comprido, daí o "bico mais comprido do reino animal" e uma minúscula boca no final, por isso "Confessou o peixe cachimbo à boca miúda". Credo, estou explicando as piadas!

  4. Rafael_RNAm disse:

    Esse estilo é muito bom, Bessa.
    Use sempre!

  5. bessa disse:

    Valeu, Fafá. Sempre bom ser elogiado por que a gente adimira.

  6. Marão disse:

    Chloe, que foto estranha para um leigo como eu. Procurei algo semelhante a um cachimbo, mas só vi um charuto! É esse mesmo o bicho?? Muito bizarro...Marão

  7. Hemilly Torres disse:

    Hahaha, adorei, mais se ele se parece com o canguru pela bolsa será que ele não veio da austrália??? kkkkkkkkk

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