A acará abandonada

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Naquela manhã no consultório psicanalítico…

 

A Dra. acabava de retornar de férias antecipadamente. Ela havia decidido viajar depois que mais uma de suas recepcionistas pediu as contas, mas interrompeu sua folga a pedido de uma peixinha de quem gostava muito. Não é costume entre os analistas conhecer de tão perto seus clientes, mas a doutora era próxima da família antes de atender a Sra. Amphilophus, por isso conhecia bem todos os personagens. A peixinha era casada com um marido dedicado e tinha uma linda ninhada de alevinos, eles moravam em uma casa linda e ampla. Em suma: uma família perfeita.

– O que houve, minha querida amiga? – Perguntou a analista com a testa franzida de tensão ao ver a peixinha com os olhos mareados e fazendo biquinho de quem ia chorar.

– Dra. que tristeza vê-la nesse dia. Minha família tão linda está desmoronando. Meu marido me deixou. Que tragédia! – E a acará pôs-se a soluçar.

A psicanalista precisou esperar um pouco até que a cliente se recompusesse. – É ruim, não? Quer me falar um pouco sobre como está se sentindo?

– Um caco, doutora, não sou a sombra do ciclídio que um dia fui! Passo a maior parte do dia arrasada, me escondendo pelos cantos para chorar sem meus filhotes verem. Tenho também rompantes de ira contra o desgraçado. O pior é que não posso me deixar abater, se eu sucumbo ao sofrimento deixo de dar a assistência que meus bebês precisam. Eles são os únicos que continuam me amando e precisam tanto de mim, Dra. Ah se soubessem como são importantes na minha vida neste momento tão difícil!

– E a Sra. tem notícias do dito cujo? – Interrogou a terapeuta.

– Não sei de nada. Fico esperando que ele retorne o tempo todo, mas o tempo vai passando e eu vou ficando mais e mais desconfiada de que minha espera é vã. – Disse a acará com os olhos fundos e os opérculos caídos.

– Minha amiga, não quero entristecê-la ainda mais, mas acho que você merece a verdade, mesmo que ela doa. Seu marido não volta mais. Ele sabe que seu pico de fertilidade já passou, sabe que os filhos de vocês já estão crescidos. Neste momento seu marido deve estar com um novo território se exibindo para mocinhas solteiras e cheias de hormônios com as quais ele irá constituir uma nova família. – Esclareceu a psicanalista com muito tato, mas sem rodeios.

Agora a acará chorava convulsivamente exaurindo o estoque de lencinhos que a Dra. deixava ao lado do divã. – O que será de mim agora, minha amiga? – Perguntou a cliente.

– Agora? Agora a senhora irá enxugar estas lágrimas, voltar para sua casa e cuidar com todo o amor daqueles pequeninos que precisam muito ainda de você. Você sabe como o mundo é perigoso para alevinos. E já que o pai não irá mais ajudá-la mesmo, melhor você se virar. – Aconselhou a analista de sua poltrona.

– Sim, são tantas ameaças, me desgasto tanto defendendo aquela casa de invasores e cuidando dos meninos depois que ele me deixou. Mas tenho uma dívida com meus pequenos, preciso segurar as pontas e voltar para eles. Eu só queria saber por que isso foi acontecer justo agora e justo comigo.

– Minha amiga, razões não vão mudar os fatos. E não se julgue a única, só eu sei como aparecem casos como o seu por este divã. Volte para casa e vá cuidar de quem ama você. – Encerrou a psicóloga.

A doutora acompanhou sua amiga com os olhos vermelhos de tanto chorar até a porta. Em seguida sentou-se em sua mesa, abriu seu caderno de anotações e escreveu: “Sra. A., o marido a deixou ao final do período fértil para aumentar suas chances de deixar descendentes com outra parceira. Tudo só ocorreu depois que seus descendentes já estavam maiores, podendo depender apenas do cuidado da mãe.” Deu um suspiro, fechou o caderno, e jogou-se de costas na cadeira.

 

Lehtonen, T., Wong, B., Svensson, P., & Meyer, A. (2010). Adjustment of brood care behaviour in the absence of a mate in two species of Nicaraguan crater lake cichlids Behavioral Ecology and Sociobiology DOI: 10.1007/s00265-010-1062-5

E

 

Lehtonen, T., Wo
ng, B., Lindström, K., & Meyer, A. (2010). Species divergence and seasonal succession in rates of mate desertion in closely related Neotropical cichlid fishes Behavioral Ecology and Sociobiology DOI: 10.1007/s00265-010-1061-6

Discussão - 2 comentários

  1. Igor Santos disse:

    Poxa, essa psicanalista pega cada uma, hein?

  2. Marão disse:

    KPC – a sigla cabalística provoca-me um certo temor pela proximidade dos casos que se avolumam (18 óbitos) aqui nos descuidados hospitais da Capital Federal. Especialistas asseveram que cuidados simples como lavar as mãos e algumas outras noções higiênicas são suficientes, ou quase, para afastar as mortíferas bactérias. Pareceram-me ingênuas as prescrições de renomados infectologistas diante da ferocidade e letalidade dos microrganismos. Gostaria que abordassem o tema com um pouco mais de aprofundamento mas acho que o pouco tempo na TV não lhes permite maiores dissertações. A exemplo do que aconteceu com o ebola e outras pestes do gênero, a KPC grassa livre leve e solta, mas como foi possível contingenciá-los lá fora e aqui dentro (ainda) não? Poderão os biólogos aclarar um pouco este assunto atualíssimo?

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