O bonobo fetichista

ResearchBlogging.orgNaquela manhã, no consultório psicanalítico…

-Bom dia, meus amigos. A Sra. vai esperar seu parceiro aqui? Fique à vontade. – A doutora virou-se para sua secretária para pedir algumas revistas para a macaquinha que esperaria ali, mas era visível o semblante de “precisamos conversar em particular” da secretária. As duas seguiram até um canto da pequena antessala. Sua nova secretária era uma evangélica fervorosa de saia comprida, um cabelo longo e maltratado, sobrancelhas que nunca viram uma pinça e pernas mais cabeludas do que as do bonobo que esperava sua consulta.
-Doutora, esses dois aí foram ao banheiro. – Sussurrou a secretária.
-Sim, e o que tem isso?
-Juntos, doutora. Acho que eles estavam de saliência. – Falou a secretária agora esquecendo-se de manter baixo o volume da voz.
A doutora lançou-lhe um olhar de repreensão que se transformou num sorriso à medida que ela virava o rosto para o cliente da vez. – Por favor, entre e vá se acomodando no divã, Sr. paniscus. Como posso lhe ajudar? – Perguntou a Dra. assim que encostou a porta.
-Doutora, estou cansado de ser menosprezado pelos trogloditas dos meus primos na jaula ao lado. Eles se julgam muito superiores, verdadeiros gênios. No entanto não veem meus méritos e habilidades. – Disse o símio apertando o estofado do divã com seu polegar opositor do pé.
-Que coisa! E o que é que esses primos sabem fazer de tão especial?
-Nossos primos chimpanzés são de fato espertos, doutora, usam folhas como abrigo da chuva, gravetos para pescar cupins e pedras para abrir coquinhos. Mas isso não quer dizer que eu não tenha meus truques também, eles só são diferentes. Olha, nossas meninas aprenderam a usar cascas de coco para levar água a outros do nosso bando, folhas de palmeira para limpar o corpo, brincamos e nos catamos usando gravetos e nos dias quentes brincamos esguichando água em nossos filhotes usando garrafas que os tratadores nos dão no zoológico.
-Ora, vocês me parecem muito habilidosos. E, sociáveis que são, usam mais as ferramentas para interagir com os outros do que para comer, como fazem os chimpanzés. O que mais sabem fazer? – Perguntou a analista.
Por um instante o Bonobo pareceu enrubescer mesmo sob a pele escura e a psicóloga se perguntando se não havia sido Darwin que disse que o homem era o único animal capaz disso.
-Doutora, minha parceira aprendeu a fazer uma ferramenta interessante com vagens de uma árvore. Usamos essa vagem para nos excitarmos.
– Ele disse agora com um ligeiro sorriso na boca.
-Era isso que vocês estavam fazendo no lavabo antes da sessão? – Um nó se formou na garganta do Sr. paniscus que o impedia de responder ou respirar. Alguns instantes se passaram.
-Me desculpe, é que ela não me deixa parar de usar a vagem. Me pede o tempo todo e, a bem da verdade, eu também gosto.
-Sr. paniscus, há quanto tempo não têm uma relação sexual sem usar a vagem?
– Ah, doutora, nem consigo me lembrar. Ela é parte da nossa vida sexual há anos. – Respondeu o primata.
-Essa dependência do objeto transicional não é saudável para ela, também não é saudável se esse passatempo de vocês atrapalhar outras atividades rotineiras.-Sentenciou a terapeuta.
-Objeto transicional?- Perguntou o Sr. paniscus.
-Vou fazer uma pergunta apenas para o senhor pensar sobre ela. Não é necessário me responder. Quando esse afã sexual atinge sua parceira, ela deseja você ou o fetiche, a vagem?
Dava para ler no rosto do bonobo que aquela pergunta o havia levado à compreensão. Ao final da sessão ele se arrastou porta afora com a cabeça pendendo e as mãos quase tocando o chão.
Na antessala a secretária ainda sustentava ares de censura, mas a macaquinha não estava. Do lavabo vinham uns ruidos estranhos.
-Amor, vamos voltar ao zoológico. Terminamos a sessão.-Chamou o bonobo.
A Sra. paniscus e sua vagem deixaram o banheiro sorridentes, mas não encontraram no parceiro boas-vindas. Partiram como quem tem muito o que discutir. Assim como ficaram a doutora e sua secretária.
-Terapia, humpf! Esses sem-vergonhas precisam é ir para a igreja. – Depois dessa declaração da secretária a doutora já pensava no anúncio de jornal procurando uma funcionária nova.

Gruber, T., Clay, Z., & Zuberbühler, K. (2010). A comparison of bonobo and chimpanzee tool use: evidence for a female bias in the Pan lineage Animal Behaviour, 80 (6), 1023-1033 DOI: 10.1016/j.anbehav.2010.09.005

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Discussão - 3 comentários

  1. Mr. Bhyngo disse:

    Macacos me mordam!
    Dizem que macaco é bicho danado e isso nós podemos comprovar. É só irmos em algum zoológico para vê-los aprontando das deles. Em Brasília tem a célebre estória de uma macaca dada a poligamia. É um sucesso entre aqueles vão visitar a bicharada. A tal da Capitu atravessa a nado de uma ilha para outra para cair nos braços do amante (Eliseu). Resta ao seu companheiro (Otelo) assistir as cenas libidinosas com um olhar profundamente deprimido. Se a coisa for por aí, qualquer dia nós teremos o primeiro caso de homicídio ou suicídio de macacos.
    Aliás, a hipótese de que viemos dos primatas é justificada porque o “bicho” homem também faz muita danação. Ora, até então, esse negócio de “fetichismo” para mim era coisa de invenção do homem para facilitar a sua vida erótica. Ou incrementar os jogos amorosos e sexuais. Diga-se, mais sexual que amoroso! Mas agora vem esse tal de Mr Bessa abrir a porta do consultório para divulgar os casos de “perversão” entre primatas? Não sei se é ético mas parece bastante pertinente à hipótese porque o tal de “fetiche” é realmente um substituto para o pênis. Só preciso saber se nos primatas bonono também essa hipótese, tal qual no “homem”, parece estruturar-se na ausência do pênis na mulher. Se for comprovada essa hipótese aí o buraco será mais embaixo e vai “doer”, pois é pano para mais tempo de análise...
    Por outro lado, se o tal bambu ou todos os tipos de adereços eróticos forem tratados apenas como objeto de consumo dos mais demandados hoje em dia, primatas e seus descendentes que tenham seus orgasmos espetaculosos.

  2. Marão disse:

    Bem, como diria? Não importa muito se os bonobos que não são bobos, usam a vagem ou a vagina, se se contorcem com o vira-brequim ou com o bambu em lugar estratégico...é apenas um vibrador qualquer, que faz vibrar de emoção e prazer. Razão e Paixão juntos, percebem? Nós os pobres de espírito, ao usarmos uma, esquecemos da outra ou a ignoramos. Não sabemos fazer essa saudável “simbiose” e estabelecemos o conflito entre o intelecto e a emoção. Nossas vãs filosofias quiseram suplantar a Paixão e enaltecer a Razão. Não deu em nada, nós neo-primatas ainda não entendemos que a Paixão não se dissipa diante da Razão e imperiosamente há de expressar-se! A neuropsicologia aponta que para raciocinarmos direito necessitamos de emoção, pois não somos máquinas – ainda. Deixem, portanto, os Bonobos curtirem seus baratos, suas coceiras, tangerem suas cordas emotivas e suas paixões, calibrando racionalmente instrumentos e zonas erógenas. No próximo reinado de Momo ou Mono, sairei fantasiado de Bonobo brandindo meu bambu atrás de...o resto voces decifram.

  3. Claudia Chow disse:

    Parabéns, Bessa! Adoro suas crônicas!! ;D

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