A marmota fóbica
Naquela manhã, no consultório psicanalítico…
-Doutora, acho que o próximo cliente chegou. – Avisou a recepcionista. -Acho melhor a senhora vir recebê-lo.
A terapeuta se perguntava de que adiantava ter uma recepcionista que não recebe os clientes quando se lembrou quem estava agendado para aquele horário, um jovem machinho magricela da marmota de barriga amarela. O bichinho era um caso de fobia daqueles de ilustrar livro-texto! Jamais ficaria a sós na sala de espera com a recepcionista novata. Sua última secretária foi dispensada depois de exigir um altíssimo adicional por insalubridade. Ela se apavorou com a antessala do consultório coberta de serpentes de jardim num frenesi sexual grupal. Não adiantou dizer que as serpentes eram totalmente inofensivas, exceto para as lesmas.
Na recepção a marmota enfiava lentamente a carinha pela porta sem tirar os olhos da secretária, assim que ela olhava para o cliente, este fugia guinchando apavorado.
-Pode entrar, Sr. Marmota, está tudo seguro por aqui. – Gritou a psicóloga sem perseguir o cliente. O animalzinho entrou se esgueirando pelos cantos, o mais distante que conseguia da secretária e sem desgrudar os olhos desconfiados dela.
Dentro do consultório o roedor sempre ficava mais confortável, subiu no divã e encarou a doutora.
-Seu coração está disparado e a respiração ofegante. Está tendo um ataque de pânico?
-Nada disso, doutora. É que subi de escadas.
-Ao 16° andar!?
-É que tenho medo de elevador.
-Sim, me recordo. E como foi a vinda para o consultório hoje?
-Tensa como sempre, né doutora. Detesto caminhar pela cidade. Cada rua que atravesso tenho certeza de que serei atropelado. Cada pedestre que cruzo penso que é um bandido. Mas sei que preciso vir, senão nunca mais sairia da minha toca.
-Compreendo. Que bom que você enfrentou seus receios e veio me ver hoje. Já faltou a duas sessões recentemente, não? Deixe-me consultar minha agenda…
Ao abrir a gaveta o móvel soltou um rangido que foi suficiente para iniciar o rebuliço. Seu cliente saltou de cima do divã numa fração de segundos, enfiando-se no estreito vão sob uma cômoda de madeira sobre a qual a doutora deixava um busto de porcelana do Freud e outro do Lorenz. Com o solavanco os dois pensadores despencaram espatifando-se no chão. A psicanalista correu de sua cadeira em socorro aos bibelôs quando já era tarde demais, mas seu rompante fez a marmota fugir novamente, dessa vez para baixo da poltrona da doutora.
Machos jovens são tanto mais responsivos a gritos de alarme quanto mais susceptíveis à predação
Fonte: http://ecobirder.blogspot.com/
-Que bagunça! Olha o que o senhor fez com meu consultório! O que foi que houve?
-Um grito! Escutei alguém emitir um grito de alarme. Um coiote deve estar por perto, fuja doutora. – sussurrava o roedor apavorado.
-Não há nem coiote nem grito de alarme, Sr. Marmota. Foi só minha gaveta que está emperrada. E olha o estado que ficou a minha sala! Saia já de baixo da minha poltrona. -Exigiu a psicanalista enquanto puxava de seu esconderijo o cliente que se segurou como pode.
-A senhora tem certeza? Nenhum coiote? -Perguntava a marmota de olhos arregalados e garras cravadas no chão.
A terapeuta, cenho franzido e olhos vidrados, segurou o cliente pelo que seria seu colarinho enquanto observava o caos que se instalara ao redor.
-Senhor Marmota, eu até compreendo que, sendo um macho jovem e não estando na sua melhor forma física, o senhor tem motivos para se preocupar. Mas o senhor sabe que aqui no consultório está seguro. Por que fez essa bagunça toda? Você quebrou meus enfeites!
A doutora colocou seu cliente amedrontado no chão, já meio arrependida do rompante. Ela juntou os cacos dos bibelôs com os pés, recolocou a poltrona no lugar e esticou o tapete no chão. Enquanto isso a marmota recobrava o fôlego de volta ao divã. Na hora em que foi devolver a agenda para a gaveta a psicanalista esqueceu do barulho. O Sr. Marmota saiu pela porta como um foguete, mas a doutora não o seguiu. Melhor assim, mas preciso lubrificar essa gaveta.
Lea, A., & Blumstein, D. (2011). Age and sex influence marmot antipredator behavior during periods of heightened risk Behavioral Ecology and Sociobiology DOI: 10.1007/s00265-011-1162-x
Powered by ScribeFire.
Discussão - 2 comentários
O estresse vem de mecanismos naturais de auto preservação, mas acaba causando grandes problemas de saúde e instabilidade. Quanto tempo vive uma marmota?
Nossa, a única fonte que obtive não é lá tão fidedigna, o wikianswers aponta 4 anos.