Vício
Estou olhando para o armário. Sei que ela está lá dentro. Pelo menos dessa vez é consciente. Desejo mais uma dose. A ideia domina meus pensamentos como um refrão chato, recorrentemente. Tantas vezes nem me dou conta. Quando percebo já consumi mais um pouco. Só resta a embalagem vazia evidenciando meu fraquejo.
O pó branquinho, refinado, nem apela tanto a mim, mas acabo consumindo escondido, de outras formas às quais não resisto. Conheço bem esse desejo que sinto agora. Sei que ele só aquieta se eu ceder, mas voltará mais forte depois. Penso na sensação do consumo. No bem-estar instantâneo que ela me dá. Na substância entrando no meu corpo, sendo absorvida no meu sistema digestório, entrando no sangue. No alívio de senti-la atingir meu cérebro. Meu sistema límbico excitado pelo prazer do consumo vai lembrar daquilo e, como agora, me fazer querer mais.
Mas sei também dos malefícios. Pelo menos conscientemente sei. Conheço tanta gente que se perdeu para o vício. Tanta gente que morreu por ele, na minha própria família. Tento pensar na dependência, tento pensar no estrago que virá se eu ceder. Tento me convencer de que não posso abrir mão das conquistas que alcancei até agora, de todo o trabalho feito para me livrar. Na deterioração do meu corpo que o consumo causará. Na insulina que um dia pode não ser mais suficiente. Nada adianta, o pensamento retorna cada vez com mais força.
Um lado sombrio de mim contra-argumenta: Quase todo o mundo usa e nada acontece. Não seja paranoico. É só mais um pouquinho, não vai te fazer mal. Você merece, já está sem faz algum tempo. É tão bom. Resolvo tomar uma atitude. Visto-me e saio, sem dinheiro no bolso para evitar comprar na rua, onde em toda esquina é fácil encontrar. Vou dar uma volta. Tentar esquecer. Pelo menos adiar ceder ao vício. Muita gente nem me considera um viciado, mas eu sei da verdade. Sou viciado em açúcar.
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