Brasil Ameaçado – Jacu estalo

Ele imita porcos do mato, ele persegue formigas, ele está criticamente ameaçado. (Imagem: Le Jeune)

O Jacu-estalo é um parente dos abundantes anus, mas está criticamente ameaçado. Essa ave Cucculiforme tem uma distribuição bastante estranha, já tendo sido encontrada no Espirito Santo, Minas Gerais, Tocantins, Bahia e Maranhão, então há uma larga faixa onde ela nunca foi registrada e novos registros existem para o Acre, o Peru e a Bolívia. É possível que a espécie exista em terras intermediárias, mas nunca tenha sido registrada, alternativamente pode já ter sido extinta nessa faixa. Em todo caso, espécies de distribuição ampla ameaçadas de extinção são mais raras do que as fortemente endêmicas. A população mais ameaçada é a que se encontra na Mata Atlântica brasileira. São animais relativamente grandes (~54 cm) que andam no chão da mata atrás de insetos ou voam seguindo correições de formigas comendo as presas que a correição deixa escapar. O som que produz é um estalo seco que faz lembrar o bater de dentes de um porco do mato, daí alguns de seus nomes populares, como Taiassuíra (do Tupi ave porco do mato). Por dependerem de matas intactas para viverem, o jacu-estalo está criticamente ameaçado. Gosta de café? Então procure produtores dedicados a produzi-lo de maneira sustentável e preserve o Jacu-estalo. É que o café é muito produzido em locais onde antes havia Mata Atlântica primária. Preferindo produtores ambientalmente responsáveis você evita que mais matas sejam substituídas por cafezais.

Brasil Ameaçado – Noronhomys vespuccii

O personagem dessa semana está tão extinto que nem imagem dele sobrou. O rato Noronhomys vespuccii é o primeiro exemplo registrado de extinção de um animal devido às grandes navegações. A IUCN atribui inúmeras extinções a esse processo de colonização, mas poucos foram devidamente documentados como no caso desse roedor. O Rato de Noronha também seria o primeiro mamífero brasileiro extinto. Sua extinção é atribuída à introdução de um competidor voraz, o rato europeu, Rattus rattus. Paralelamente predadores introduzidos, como cães e gatos, e a caça aceleraram ainda mais o processo. Quase nada se sabe sobre a biologia dessa espécie. A única descrição deles vivos foi feita por Américo Vespúcio, que foi homenageado no nome desse roedor. Essa espécie mesmo já era, mas outras espécies nativas podem ser protegidas colocando um guizo na coleira do seu gato. Assim você o impede de atacar sorrateiramente um animal nativo.

Etologia de Alcova – Idolatria à castidade

Não largo, não largo, não largo! Alguns machos garantem a castidade de suas parceiras se agarrando bem a elas (Imagem: Rickard Ignell)

Engana-se quem pensa que a idolatria à castidade feminina é uma construção cultural humana, ou pelo menos apenas uma construção cultural nossa. Existem sim algumas influências biológicas nisso. Uma forma do macho de qualquer espécie garantir seu sucesso evolutivo é convencer uma fêmea a dar a ele alguns preciosos óvulos, já discutimos isso ao longo dessa série. Se, no entanto, aquele macho não tiver certeza se serão os seus espermatozoides a fecundarem os óvulos da fêmea, se eles competirem com o esperma de outros machos, então isso diminuirá o sucesso adaptativo daquele macho. Por isso, machos que consigam garantir a castidade de suas fêmeas tendem a deixar mais descendentes, uma medida de sucesso evolutivo.

Um exemplo de comportamento que ajuda a garantir a castidade da fêmea é a sua guarda. Machos de animais como a aranha papa-mosca ou o siri azul buscam fêmeas antes delas chegarem à idade adulta e ficam na cola delas até elas começarem a produzir óvulos. Assim que elas se tornam sexualmente maduras os machos copulam com essas fêmeas virgens. Ao serem os primeiros a copular, esses machos encherão a espermateca das fêmeas, uma espécie de reservatório de sêmen, e seus gametas poderão ser usados por muito tempo para fecundar os óvulos daquela parceira.

Em outras espécies, é mais importante para o macho evitar que sua parceira volte a acasalar. Nesses casos o tipo de guarda mais comum é a pós-cópula. Animais que vão de grilos a cervos não saem de perto de suas parceiras depois da cópula. Permanecem ali por um tempo equivalente àquele necessário para seu esperma fecundar os óvulos, evitando que qualquer concorrente se aproxime e reduza suas chances de ser pai. O problema dessa técnica é que ela toma tempo do macho, um tempo que poderia ser investido em localizar, cortejar e copular com outra parceira (em espécies nas quais o macho irá colaborar muito pouco no cuidado aos filhotes as fêmeas tendem a cobrar menos a fidelidade de seus parceiros).

Foi para evitar essa perda de tempo e de novas oportunidades reprodutivas que muitas espécies inventaram o cinto de castidade. É isso mesmo, a evolução favoreceu bizarrices que conhecemos como plugues sexuais. Parte do sêmen do macho se solidifica e obstrui a abertura genital da fêmea, impedindo-a de acasalar com outro macho. A tática é amplamente explorada, ocorrendo em moscas da fruta, primatas, borboletas, serpentes e aranhas, entre muitos outros. Um resultado interessante dessa guarda indireta de parceiras é que o macho não precisa ser grande e forte para defender a parceira se usar um plugue, então espécies que usam plugues não apresentam tanta diferença de tamanho entre machos e fêmeas.

A castidade feminina permeia nossa cultura fortemente, mas não são só os machos humanos que se preocupam com a castidade de suas parceiras.

Brasil Ameaçado – Maçarico esquimó

O maçarico esquimó foi tão mal recebido no Brasil que resolveu não voltar mais. (Imagem: Le Jeune)

Sabe aquele lugar que você visita uma vez e decide nunca mais voltar? O Brasil é um desses para o maçarico esquimó. Essa ave migratória vinha ao Brasil em especial São Paulo, Mato Grosso e Amazonas, mas, com a ocupação dos campos pela pecuária e a agricultura, o habitat que elas visitavam aqui deixou de existir e elas pararam de vir ao Brasil. Na verdade a população dessa espécie como um todo foi muito caçada na América do Norte e declinou bastante, mas muitas dessas aves seguem vivendo em outros lugares do mundo, embora não venham mais ao nosso país. Seu bico longo e curvo a ajuda a revirar o solo em busca de alimento. Por isso mesmo evitar a compactação do solo seria uma forma de preservar essa espécie.

Brasil ameaçado – Phrynomedusa fimbriata

Não, essa não é a perereca do Brasil ameaçado de hoje, é uma espécie do mesmo gênero porque P. fimbriata está extinta. (imagem: Hugo Klaessen/Wikipedia)

Essa pererequinha só é conhecida pelo seu holótipo. Foi descoberta em Santo André, região metropolitana de São Paulo, mas possivelmente ocorria em outras matas de altitude superior a mil metros desde o Paraná até o Rio de Janeiro. É um animal arborícola que se reproduzia em corredeiras da Mata Atlântica, fora isso não sabemos quase nada de sua vida já que há 80 anos nenhum exemplar é avistado apesar de intensas buscas já terem sido feitas. A expansão urbana desordenada de São Paulo provavelmente é a principal responsável por esta extinção. Para evitar que outras espécies tenham o mesmo destino é importante reservar áreas verdes dentro das grandes metrópoles.

Brasil ameaçado – Peixe cachimbo (Micrognathus erugatus)

Um peixe cachimbo raro brasileiro, sua empadinha de camarão custa a vida dele (Imagem: Herald & Dawson, 1974)

Um peixe cachimbo brasileiro raro, sua empadinha de camarão custa a vida dele (Imagem: Herald & Dawson, 1974)

Essa espécie de peixe cachimbo foi descrita a partir de um único exemplar e sua coleta tem sido difícil desde então. É um peixe de fundo aparentado aos cavalos marinhos, mas com o focinho curto e o corpo alongado. São micropredadores, alimentando-se de pequenos invertebrados que vivem no fundo do mar entre algas, rochas e na areia. Os machos guardam os ovos até a eclosão numa dobra de pele ventral, o que restringe o número de filhotes e ameaça as populações. Por viver sempre junto ao fundo, esses animais são ameaçados pela pesca de arrasto muito comum para a captura de camarões. Para ajudar a salvar os peixes cachimbos consuma camarões de criação em vez dos provenientes da pesca no mar.

Brasil ameaçado – Pato mergulhão

Pato mergulhão, um brasileiro ameaçado por suas exigências. (Imagem: Claudio Dias Timm)

O pato mergulhão (Mergus actosetaceus) necessita de riachos rápidos e cristalinos para viver. É um animal migrador e encontrar locais que atendam suas exigências é cada vez mais difícil. Eles alimentam-se de caramujos, peixes e larvas aquáticas de insetos e fazem ninhos nos ocos de árvores próximas aos rios onde se alimentam. Por isso, o desmatamento das margens dos rios e a poluição dos recursos hídricos tem contribuído para seu desaparecimento. Só restam cerca de 250 desses animais no Paraguai, Argentina e Brasil, onde vivem no Jalapão, Chapada dos Veadeiros e Serra da Canastra. É na Canastra que os melhores resultados têm sido obtidos para a recuperação dessa espécie graças à qualidade da água nas cabeceiras do São Francisco. Novamente, é importante que não desmatemos a beira dos córregos para ela filtrar a água da chuva que chega aos rios e para proporcionar local de nidificação para o pato mergulhão e outros animais.

Brasil ameaçado – rato candango

Juscelinomys candango, um rato com nome de político, mas esse não queríamos que fosse extinto. (Imagem: cienciahoje.uol.com.br)

Com tanto político para ser associado a ratos, esse daí recebeu o nome de Juscelinomys candango. A espécie foi descoberta durante a construção de Brasília, mas a cidade cresceu tanto que hoje o animal já pode ser considerado extinto. Só era conhecido para a região do Distrito Federal, onde já não é avistado desde 1960. Cavava tocas subterrâneas que recheava com fibras e gramíneas, alimentava-se de gramíneas, sementes e formigas. Foi a destruição do habitat que provavelmente levou a espécie ao seu fim. Você pode evitar que outros roedores (e aves) tenham esse mesmo destino colocando um guizo na coleira do seu gato, mantendo uma área verde no seu quintal e, claro, desativando as ratoeiras.

Etologia de Alcova – Bate que eu gosto

Corte ou agressão? Machos do pássaro caramanchão batem nas fêmeas, mas só nas que pedem (Imagem: flickr/ Krysia B.)

Mês passado falei da violência como parte do conflito sexual no comportamento reprodutivo. Esse mês quero continuar no tema, mas falando da violência na seleção sexual. De fato, nem sempre comportamentos aparentemente agressivos para um observador humano são de fato indesejáveis para o parceiro que está experimentando, a violência pode ser inclusive o que um parceiro procura no outro.

Frequentemente a corte serve como uma amostra do que um macho é capaz. Ele exibe seus dotes à fêmea. Entre espéceis territoriais, portanto, é muito comum que o macho mostre como ele é agressivo durante a corte. É isso que observamos no pássaro caramanchão australiano. O macho encurrala a parceira dentro de um corredor de palha que ele constroi e lhe dá umas porradinhas de leve. Tudo parece muito violento, mas quando pesquisadores construíram robôs de fêmeas que não reagiam às investidas violentas dos machos (A que ponto chega a pesquisa em comportamento animal!?!), descobriram que havia todo um código entre os parceiros sobre quão mais forte o macho poderia bater.

No peixe beta, machos lutam para ter acesso às fêmeas. Isso já foi descrito por Darwin em seu livro sobre seleção sexual como seleção intrassexual, então nada de novo. O surpreendente é que quando fêmeas assitiam a lutas elas escolhiam acasalar com o ganhador, mesmo que esse ganhador não pudesse mais evitar que ela ficasse com o perdedor. Aparentemente também não é que a fêmea estava escolhendo uma característica do macho que o fazia ganhar, em lutas manipuladas ela continuava preferindo o vencedor, mesmo que ele fosse maior e mais forte. Isso faz estremecer a fronteira entre seleção intra e interssexual proposta pelo Darwin de forma categórica. Pelo jeito, alguns machos exibem caudas coloridas, outros exibem adversários de olhos roxos.

Nos humanos mesmo a seleção sexual está frequentemente relacionada com indicadores de força física e até de agressividade. Um peitoral desenvolvido e um braço forte são valorizados pela mulherada. Mais do que isso, um estudo clássico publicado na Science propôs que mulheres no auge da fecundidade preferem homens com indicadores faciais (barba, forma do queixo, tamanho do nariz e densidade da sobrancelha) que remetem à testosterona, um hormônio fortemente relacionado à agressividade.

Portanto, a máxima “em briga de marido e mulher não se mete colher” se estende também ao reino animal. Nunca se sabe o quanto aquela aparente violência não está agradando.

Brasil ameaçado – Bagre cavernícola

Ituglanis bambui, um bagre cavernícola ameaçado. (Imagem: Bichuette & Trajano, 2004)

Ituglanis bambui, um bagre cavernícola ameaçado. (Imagem: Bichuette & Trajano, 2004)

Meu primeiro trabalho científico foi com o grupo de biologia cavernícola da USP, eu participei de uma expedição a Terra Ronca, em Goiás, de onde vem o brasileiro ameaçado dessa semana. As descobridoras desse bagre cavernícola foram Eleonora Trajano e Maria Elina Bichuette, com as quais eu trabalhava nesse período. Elas descreveram Ituglanis bambui a partir de animais coletados na virada do século em riachos subterrâneos da caverna Angélica. Ituglanis bambui tem coloração ainda um pouco amarronzada e olhos reduzidos, mas presentes, o que sugere que ele não esteja vivendo em cavernas há muitas gerações já que olhos e pigmentação são perdidos em peixes totalmente adaptados às cavernas. Ele não tem forte hábito de entocar-se e nada solitariamente à meia água em busca de alimentos que localiza com seus barbilhões. O principal risco que essa espécie corre é ter uma população pequena e ter alto grau de endemismo em cavernas de solos calcários. Como o calcário é usado industrialmente em condições que variam do clareamento do papel até a produção de creme dental, economizar pasta de dente e usar aquelas folhas de papel reciclado e não clareado já é uma boa medida para cuidar desses bagres.