O percevejo inseguro

 

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Naquela manhã, no consultório psicanalítico.

 

– Sr. Zeus, já te expliquei que não atendo casais – Dizia a terapeuta.

– Dra. mas sou só eu que vou me consultar. Ela só precisa entrar comigo. – A Dra. sabia que era verdade, ainda que contrariada deixou-os entrar.

– Bom dia, como vão vocês hoje? – O casal de percevejos se sentou no divã, Sr. Zeus grudado à namorada.

– Estamos ótimos, não é mesmo meu bem? – A percevejinha apenas concordava com a cabeça, mas seus olhos compostos estavam fundos e ela estava magra, com um ar exausto.

– Sr. Zeus, sua namorada não é um muito jovem para o senhor? Que idade ela tem? Me parece ainda uma ninfeta de quinto ínstar! – A analista havia deixado de lado sua poltrona e ocupava uma cadeira de frente ao casal sentado no divã.

O Sr. Zeus pareceu intrigado com a pergunta. Olhou para a fêmea a seu lado como se a visse pela primeira vez.

– Claro que não! Essa daqui já está para se tornar uma mulher feita, estava na hora de arrumar um namorado e ela tem sorte de ter um homem como eu grudado ao seu pronoto. Jamais faria nada para prejudicá-la – O Sr. Zeus era todo sorriso enquanto retirava alguma secreção das costas da namorada e a levava à boca com ansiedade.

A dra. não respondeu. Limitou-se a olhar fundo dentro dos olhos do Sr. Zeus. Aquela profunda encarada parecia não acabar mais. O sorriso do percevejo foi se esvaindo, murchando, até virar uma careta e ele prosseguiu.

– Mas Dra. Isto é o melhor que podemos fazer. Todos os rapazes têm suas namoradas, não é fácil conseguir uma parceira interessante disponível. Se eu a deixo logo virá outro tomar o meu lugar, então é melhor grudar logo cedo. Além do que, somos tão apaixonados. Essa mulher me ama, não é, bem? – O aceno de cabeça da fêmea esquálida mal era perceptível.

– O senhor não vê  que está prejudicando a pobrezinha? Não larga das costas dela, fica se alimentando das secreções dela. Ela nem mocinha é ainda! – Enquanto a Dra. falava o percevejinho ia abaixando a cabeça, agora sua arrogância diminuíra proporcionalmente ao seu tamanho.

– Dra. sei que prejudico meu benzinho, mas não posso fazer nada. Há tantos machos e tão poucas fêmeas. Eles são mais fortes do que eu, ainda corro o risco de ficar sem meu bem mesmo grudando nela desse jeito. Não é minha intenção prejudicá-la. Mas tem homens muito piores do que eu, tomam a comida que suas namoradas capturam, já ouvi falar até em canibalizar as pobrezinhas! – Agora a máscara de arrogância do percevejo, que não atingia nem 70% do tamanho da parceira juvenil, havia caído e ele era só insegurança.

– E a maldade dos outros te dá o direito de ser mau também? As costas dela estão cobertas de cicatrizes e tem uma marca onde o senhor fica agarrado à coitada da moça! – A perceveja, com um sorriso nos lábios, olhava de esgueira para o namorado.

– Não, mas… Olha tenho certeza de que não a prejudico tanto quanto a Dra. está falando. Você precisava ver o estrago que meus colegas que namoram ninfas de quarto ínstar causam, essas marcas não são nada! – O percevejinho respondia, mas àquela altura desejava ter um élitro completo para se esconder atrás.

– Sr. Zeus. Já que o senhor continua negando terminamos por hoje. Tenham um bom dia e eu te vejo na próxima semana. APENAS o senhor, compreendeu? – A analista já havia aberto a porta e acompanhava o casal empurrando ligeiramente as costas do percevejo relutante.

– Mas… doutora! – Ele tentou protestar, mas a porta já estava fechada. Zeus ia embora cabisbaixo, ainda comendo da secreção da namorada.

 

Jones, T., Elgar, M., & Arnqvist, G. (2010). Extreme cost of male riding behaviour for juvenile females of the Zeus bug Animal Behaviour, 79 (1), 11-16 DOI: 10.1016/j.anbehav.2009.10.016

A Mariposa ninfomaníaca

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Naquela manhã no consultório psicanalítico

 

– Dra. não aguento mais me remoer de culpa.

– Culpa? – Disse a psicanalista.

– A verdade é que sou uma devassa, não só adoro sexo muitas e muitas vezes como meu negócio é variar sempre! Tendo a oportunidade escolho um novo rapaz a cada encontro. Não me contento com um só, não que isso seja da conta de ninguém. Mas sabe? Não deve ser certo, uma moça como eu. Esses mariposos machos. – A mariposa Ephestia kuehniella falava rápido, mal inflava suas traquéias entre uma frase e a outra.

– Mas isso não é bom, um monte de rapazes aos seus pés?

– Ah, Dra., você sabe como são os rapazes. Estão sempre à disposiçào de estar aos pés de quem lhes aceitar à cama! Para mim seria tudo muito natural se deixassem eu viver minha vida em paz. Se não ficassem me perguntando, falando por aí à boca miúda. Olha, Dra., a senhora nem imagina o que essasinhas dizem por aí, viu. Mas todos se metem tanto que acabo dando desculpas esfarrapadas.

– Desculpas esfarrapadas? – Com este novo eco Ephestia começava a procurar em qual das paredes do consultório escuro, mas aconchegante, estaria se refletindo o som.

– É. Digo que eles não largam do meu pé. Que me vencem pelo cansaço. Que dá tanto trabalho rejeitar as investidas de meus pretendentes que por fim cedo. Sabe, é isso que eu digo para as minhas amigas. As mais próximas, é claro, né. Também porque eu não fico por aí falando dessas coisas com qualquer uma. Já me bastam todas as que cuidam da minha vida sem eu precisar dar satisfações.

– Mas não é verdade. – A voz da Dra. deixou em suspenso se aquilo fora uma pergunta ou uma afirmação.

– É. Não. Mais ou menos. Olha, eles são sim insistentes, mas eu sei dizer “não” quando quero. Na verdade eu gosto do esporte, Dra.  Me diga, eu sou normal?

– Por que você quer ser normal? Você se acha normal?

– Não! Nem um pouco. – Disse a mariposa com as antenas mais pinadas do que de costume.

– O que você acha que as outras meninas da sua espécie fazem em relação aos rapazes? – A analista se retraiu um pouco mais à sombra da luminária alta para a mariposa se sentir mais a sós.

– Não sei, ué. Isso não é coisa que se fique falando por aí. Você acha que elas também fazem… isso!?

– Olha, aqui no consultório passa muita gente, você sabe. Temos a ética profissional, mas acho que poderia lhe falar sobre alguns casos. Este hábito é muito comum para muitas fêmeas. Para algumas aranhas, por exemplo, variar de namorado significa ganhar mais alimento, na forma de presentes. Para as chimpanzés, significa que seus filhos serão melhor tolerados no bando. E, esquecendo as suas desculpas esfarrapadas, por que você procura novos amantes?

– Ai Dra., para te falar a verdade, não tem um só rapaz que eu diga: “esse é o tal”, parece que serei eternamente uma aventureira em busca de diversidade. Ora, quem garante que o primeiro amante que for para meus lençóis será o príncipe encantado, aquele sem nenhuma doencinha familiar esperando há gerações para se manifestar justo nos meus filhos? Na verdade, isso que minhas colegas intrigueiras chamam de safadeza é como aumento a chance de sucesso dos meus filhos. Olha só, na semana passada um dos rapazes com quem saí era um verdadeiro gênio, o outro era o macho mais sarado e atlético que já vi, corpo de jogador de volei, o último por ter um rostinho de comercial de barbeador e lindos olhos compostos azuis. Convenhamos, achar um só com tudo de bom assim está difícil hoje em dia, né.

– E essa diversidade de tipos não é a diversidade genética que faria seus descendentes tão saudáveis, sua prole tão garantida? – Perguntou a Dra.

– Diversidade o que, Dra.? Perguntou a mariposa franzindo o escutelo.

– Nada não, teorias. Apenas teorias. Prossiga.

– Então, tenho mais é que diversificar, menina. Me  distrair. Assim aumento as chances dos meus pimpolhos se darem bem na vida também, podendo nascer geniais, lindos ou fortões. Não sou interesseira, sou uma amante do amor livre de verdade. Só o que busco é diversidade. E que me deixem em paz!

– Pois deixe de se preocupar com as más línguas e vá curtir teus instintos. Nosso tempo acabou.

 

Xu, J., & Wang, Q. (2009). A polyandrous female moth discriminates against previous mates to gain genetic diversity Animal Behaviour, 78 (6), 1309-1315 DOI: 10.1016/j.anbehav.2009.09.028

O peixe que enrubesce

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Naquela manhã no consultório psicanalítico…

 

– Dra., sou um peixe muito tímido, não gosto de ficar nadando por aí aos cardumes. Meu negócio é o meu território, quieto e reservado. – Disse o peixinho que atendia pelo nome de Apistogramma hippolytae com seus olhos escuros e uma longa linha preta desde a cabeça até uma pinta na cauda.

– E isso te incomoda? – A voz era doce, mas vinha de algum ponto invisível, ligeiramente escuro atrás do divã.

– Não, de forma alguma. O que me incomoda é que vivem a me tirar sarro porque meus colegas de igarapé dizem que sou um transparente!

– Transparente? – Ecoou a analista.

– Não é que eu seja de fato transparente, antes o fosse. É justo o contrário! Sou transparente nas emoções, só de me olhar qualquer um já sabe o que se passa na minha alma. Se estou com preguiça todo mundo sabe, se me interesso por uma garota ou fico bravo com alguém já me dizem que está na cara.

– Entendo – prosseguiu a voz – Você é transparente porque é colorido.

– Isso! Quer dizer, não. Ah, Dra. não queria me expor tanto. Mas o que posso fazer? – Agora o peixinho, visivelmente irritado, tinha os olhos claros e listras verticais meio azuladas.

– E porque você muda de cor então? – disse a Dra. com sua voz mais suave.

– Ora, não mudo de propósito, simplesmente não posso fazer nada. É como se eu precisasse sair por aí alardeando meus sentimentos. Eu suponho que deixar claro para os outros o que sinto pode me ser útil de vez em quando.

– Como assim?

– Bom, se entro em um debate com outro peixe e de repente começo a me irritar, mudo de cor e ele logo percebe. Aí, se não quiser briga, ele pode parar de me encher e evitar levar umas bolachas. Assim ninguém se machuca, né. – disse o peixe, agora novamente mais pálido.

– E você é o único a mudar de cor? – Perguntou a Dra.

– Não, na verdade, sabe que adoro quando estou com uma garota e percebo que ela está toda listradinha de amor, piscando para mim seus olhinhos escuros. Me faz ter mais confiança de que o meu xaveco está colando. – O peixinho agora sorria com uma tonalidade amarelada com uma pinta na cauda, os olhos escuros continuados até o queixo em uma linha.

– Então essa história de mudar de cor não é assim tão ruim? – Perguntou também com um sorriso sensual a Dra.

– É, acho que não. Obrigado, Dra.

 

Rodrigues, R., Carvalho, L., Zuanon, J., & Del-Claro, K. (2009). Color changing and behavioral context in the Amazonian Dwarf Cichlid Apistogramma hippolytae (Perciformes) Neotropical Ichthyology, 7 (4) DOI: 10.1590/S1679-62252009000400013

 

peixe enrubesce

Tudo bem, enrubescer era só uma metáfora

Fonte: http://www.scielo.br/pdf/ni/v7n4/a13v7n4.pdf