Brasil ameaçado – Eretmochelys imbricata

Tartaruga de pente, é preciso paciência e perseverança para superar o risco de extinção (Imagem: wikipedia.org/ Clark Anderson)

Nos meses que passei como estagiário no Projeto TAMAR uma das tarefas mais ingratas era alimentar uma tartaruga de pente que vivia nos tanques para os visitantes verem. Esse animal havia sido encontrado na praia quase morto, tão magro que a parte de baixo do casco (chamado plastrão) formava uma concavidade. Ela estava doente e não comia desde que chegara na base. Para mantê-la a veterinária Cecília Baptistotte me ensinou a preparar um delicioso suco de peixe (eu batia pedaços de peixe com água do mar num liquidificador e coava o caldo cinza e fedorento), inserir uma sonda esofágica no animal e injetar o alimento e alguns remédios dentro do estômago. Eu lamentava ver o animal semana após semana nas mesmas condições e já pensava se a morte não era melhor alternativa, mas a Cecília era irredutível em seus esforços. Fiquei meses nessa rotina, terminei meu estágio e nada do animal mostrar melhora nenhuma. Um dia, anos mais tarde, encontrei a Cecília e ela contou que a tal tartaruga estava plenamente recuperada. Nem acreditei, mas vidas ameaçadas, de um indivíduo ou uma espécie, dependem de persistência e paciência para serem recuperadas. A tartaruga de pente alimenta-se de corais e se reproduz desde o sudeste brasileiro até o Caribe, colocando cerca de 60 ovos em ninhos na praia. Fêmeas desovando eram capturadas para consumo dos ovos, da carne e produção de itens como armações de óculos e pentes com o casco, o que levou a espécie à beira da extinção. Um outro fator que leva à mortalidade os filhotes de tartarugas que tentam chegar ao mar é a poluição luminosa nas praias. Os filhotes são atraídos pela luz dos postes e dirigem-se à avenida em vez de irem para o mar. Uma forma de salvar filhotes de tartarugas de pente é evitar a iluminação de praias, pelo menos  na época de eclosão dos ovos.

Brasil ameaçado – Enyalius erythroceneus

Papa-vento é mais uma vítima do celeiro do mundo (Imagem: Rodrigues et al. 2006. Phylomedusa 5: 11-16)

Papa-vento é mais uma vítima do celeiro do mundo (Imagem: Rodrigues et al. 2006. Phylomedusa 5: 11-16)

Esse lagarto descrito há menos de dez anos por meu ex-professor Miguel Trefaut Rodrigues já consta da lista de animais ameaçados. Ele habita matas semideciduais no sul do estado da Bahia, especialmente no Parque Nacional da Chapada Diamantina. Os machos têm coloração diferente da fêmea, com bandas pretas num fundo branco e uma mancha vermelha no meio do corpo. Durante a corte os machos inflam uma bolsa abaixo da cabeça, o que rendeu à espécie seu nome popular: Papa-vento. O turismo de natureza pode ser um grande aliado na preservação de espécies como Enyalius erythroceneus, desde que seja feito de maneira ordenada e sustentável.

Brasil ameaçado – Crenicichla cyclostoma

Barragens de hidrelétricas são só mais um problema para esse habitante de rios assoreados que já foram alvo de comércio ornamental. (Imagem: oocities.com/Frank Warzel)

Este ciclídio de 10 cm habita o fundo de riachos tropicais da bacia do baixo Tocantins, na Amazônia. Ciclídios são animais muito dependentes do fundo do rio, portanto sensíveis à devastação das matas ciliares. Eles também têm complexo cuidado parental, o que torna seus ciclos de vida mais longos e o número de filhotes menor. Uma série de hidrelétricas têm sido construídas na área de ocorrência dessa espécie, então, se você quer protegê-la, economizar energia elétrica já é um bom começo.

Brasil Ameaçado – Crax blumenbachii

Caçado até a beira da extinção: mutum do sudeste. (Imagem: xeno-canto.org/Ciro Albano)

O mutum do sudeste é uma ave de grande porte, podendo passar dos 3 kg. O porte e sua docilidade, ou falta de agilidade, o tornam um alvo fácil para caçadores. O problema só tende a se agravar porque o animal só habita extensas áreas de mata atlântica baixa, coisa que praticamente já não existe especialmente devido à ocupação imobiliária. Hoje a espécie está restrita a alguns poucos avistamentos como em Linhares-ES e no sul da Bahia. Denunciar caçadores é uma ação simples que pode ajudar a salvar essa ave da extinção.

Brasil Ameaçado – Columbina cyanopis

Lindos e tristes olhos azuis os dessa vizinha ameaçada. Ilustração: John Gerrard Keulemans/Wikipedia.org

O brasileiro ameaçado dessa semana é uma rolinha mato-grossense. A Columbina cyanopsis é uma espécie muito rara, calcula-se que existam menos de 300 exemplares vivos, a maioria deles numa região muito visitada pelos estudantes da UNEMAT e da UFMT, a Estação Ecológica da Serra das Araras. Para chegar nesse nível de ameaça, essa rolinha sofreu muito com a perda e a fragmentação do habitat decorrente da expansão agrícola no cerrado. Mas se você quiser ajudar essa espécie e muitas outras desse bioma pode agir evitando as queimadas no cerrado. Não jogue cigarros acesos pela janela do carro e não queime lixo ou use o fogo para limpar terrenos.

Brasil Ameaçado-Gritador (Cichlocolaptes mazarbarnetti)

Gritador do Nordeste, calado para sempre. (Imagem: R. Grantsau/http://chc.cienciahoje.uol.com.br)

Na semana passada escrevi sobre um animal com apenas 15 anos de descrito e já nas listas como ameaçado. Pois essa semana a coisa é ainda mais triste, esse pássaro descrito em 2014 com base em animais coletados na década de oitenta provavelmente já está extinto. O Gritador do nordeste viveu numa região conhecida como Centro Pernambuco de Endemismo, uma faixa de mata atlântica entre Alagoas e o Rio Grande do Norte com muitas espécies endêmicas de aves. O problema é que a ocupação histórica dessa região com agricultura no Brasil colonial e mais recentemente levou ao desaparecimento da floresta. Mesmo os poucos fragmentos existentes ou são muito atingidos pelo efeito de borda (interferência de fatores externos no interior do fragmento florestal) ou são na verdade uma vegetação secundária: reflorestada, mas incapaz de receber de volta a fauna que desapareceu dali. O pássaro, se é que está mesmo extinto, alimentava-se de insetos que vivem entre as folhas de bromélias nas matas de topo de serra. Epífitas como as bromélias são plantas exigentes, só ocorrem em florestas antigas e bem preservadas. Sem bromélias, nada de gritador. Preservar é sempre mais fácil e barato que reflorestar. Para que novas espécies não tenham o mesmo futuro do gritador, respeite as áreas verdes e reservas legais previstas na legislação.

Brasil Ameaçado- Peixe canivete (Characidium vestigipinne)

Characidium vestigipinne, tão raro que a única foto que encontrei foi de um exemplar de museu (imagem: B. Callegari/projeto-saci.com)

Este peixe canivete é outra dessas espécies recentemente descritas (2000, apenas 15 anos atrás) e que já constam de listas de espécies ameaçadas. O problema é novamente a distribuição muito restrita da espécie a um arroio na Bacia do Alto Rio Uruguai. Esses arroios cortam propriedades rurais pecuaristas e acabam sendo represados para servir de bebedouro para o gado ou são pisoteados pelos animais, o que resulta em mudança do leito e da transparência da água. Canivetes são peixes de fundo que dependem muito das características do leito do rio e capturam itens alimentares que enxergam descendo o rio com a correnteza. Tanto o pisoteio quanto o represamento tornam esses arroios inabitáveis para os peixes canivete. Uma dúvida comum diz respeito à condição verdadeira desses animais como uma espécie. Entre o gênero Characidium existem várias espécies pertencentes a um complexo afim a Characidium zebra. Se considerássemos todos esses animais como pertencentes apenas à espécie C. zebra, não haveria ameaça nenhuma de extinção, já que muitas dessas espécies são bastante numerosas. No entanto, considerar cada espécie separadamente deixa algumas delas em maus lençóis. No caso de C. vestigipinne o que a diferencia das demais espécies é a segunda nadadeira dorsal vestigial e a presença de alguns caracteres dimórficos, diferentes entre machos e fêmeas. Seria isso suficiente para considerá-la uma espécie à parte? Os especialistas consideram que sim. Na dúvida, não custa proteger essa população isolada no Rio Grande do Sul. Uma forma de fazê-lo é impedir que o gado se aproximasse de rios.

Brasil Ameaçado-Preá (Cavia intermedia)

Um preá ameaçado de extinção (Imagem: Nina Furnari)

Um preá ameaçado de extinção (Imagem: Nina Furnari)

Apesar da fama de se reproduzirem desembestadamente, nem todas as espécies de preás gozam de populações enormes. Muito pelo contrário, aliás. Cavia intermedia recebeu o título de mamífero mais raro do mundo devido à sua distribuição extremamente restrita, ocorrendo apenas nas ilhas Moleques do Sul, 10 km ao sul de Florianópolis, que tem 4 hectares. Estimativas populacionais de 2005 sugerem a existência de apenas cerca de 40 animais adultos. Sabemos muito pouco sobre a ecologia dessa espécie, mas parece que eles se alimentam de gramínias em grupos relativamente grandes (até 17 animais), subdivididos em duplas fixas como mãe e filhote. Esses animais se comunicam usando assovios característicos e medem 25 cm, pesando pouco mais de meio quilo. Apesar de seu hábitat estar incluso numa unidade de conservação, a presença humana na ilha não é controlada pelo ICMBio por falta de pessoal e verba. Turistas acampando, introduzindo espécies exóticas e até caçando ali são a principal ameaça a esses preás. Portanto, você pode ajudar Cavia intermedia não colocando os pés no Parque Estadual da Serra do Tabuleiro na ilha Moleques do Sul (Correção da Nina Furnari que nos informa que tem uma parte do Parque que é continental e merece uma visita). Há um bom motivo para o acesso humano ser proibido.

Brasil ameaçado-tubarão dente liso (Carcharhinus isodon)

Somos uma ameaça até para os ameaçadores tubarões. (Imagem: C. Barret/fishbase.org)

O tubarão dente liso vive em grandes cardumes, alimentam-se de peixes ósseos e distribuem-se próximo à costa desde os Estados Unidos até o Uruguai. São tubarões vivíparos, nos quais os filhotes se nutrem através da placenta da mãe. No momento da cópula o macho segura a fêmea mordendo seu dorso, o que torna fácil identificar a estação reprodutiva ao ver fêmeas com marcas de mordidas nas costas. Seus dentes são mais afilados do que os outros tubarões, também não possuem serrilhado nas margens. Não existem relatos de ataques dessa espécie contra humanos. A recíproca, no entanto, não é verdade. Nos Estados Unidos, o pico de capturas aconteceu em 1999, quando mais de cem toneladas desse animal foram mortos e vendidos. Não encontrei uma estatística confiável para as capturas dessa espécie no Brasil, mas sua inclusão na lista do ICMBio deve reduzir a pressão pesqueira. O problema é que as fêmeas dessa espécie precisam chegar até 1 m de comprimento para reproduzir, o que leva cerca de seis anos. Mesmo assim ela só irá gestar uma média de 3 filhotes a cada 2 anos, tendo grande chance de morrer antes de se reproduzir. Para ajudar o dente liso e diversas outras espécies de tubarões não consuma sopa de “barbatana” de tubarão. Essa duvidosa iguaria oriental estimula a captura de tubarões apenas para amputar suas nadadeiras e descartar o corpo, muitas vezes ainda vivo, do animal no mar.

Brasil Ameaçado – Muriqui (Bra

Grandes, dóceis, caçados frequentemente e ameaçados de extinção. A vida não é justa com os Muriquis. (Foto: Bart vanDorp/flickr.com)

O brasileiro ameaçado dessa semana é o Muriqui do Norte, Brachyteles hypoxanthus. Seu nome em tupi quer dizer “o povo tranquilo das florestas”. Ele é o maior primata brasileiro, pesando até 15 kg. Viaja pelas copas das árvores usando os membros, mas também a cauda preênsil muito habilidosa, alimentam-se de frutos, folhas e flores. Habitam florestas de altitude, a maior população livre hoje fica em Minas Gerais. Também existem macacos dessa espécie se reproduzindo em cativeiro no Rio de Janeiro. Eles estão criticamente ameaçados de extinção tanto pela mais recente lista do ICMBio quanto pela IUCN, principalmente devido à fragmentação da mata atlântica onde habitam. Outro problema recorrente é a caça desses animais, que dizima as populações encurraladas em pequenos fragmentos. O Muriqui é uma das 35 espécies mais ameaçadas do mundo. Para ajudar a preservar o Muriqui você pode incentivar a criação de corredores ecológicos conectando fragmentos ilhados por áreas desmatadas, em especial se viver no Rio de Janeiro, Minas, Bahia ou Espírito Santo. Uma forma de fazer isso é através de Reservas Particulares com reflorestamento.