O Desmontar da Exposição – Museu Carnegie de História Natural (MCHN)
No estudo de colecções de dinossáurios, qualquer paleontólogo sabe que, por melhores que sejam as condições do Museu, se trabalha num ambiente com muito pó. Já trabalhei em diversas colecções paleontológicas e é uma realidade chegar ao fim do dia com o nariz cheio de poeira. Desta vez, no Museu Carnegie de História Natural (MCHN) a poeira era diferente. Uma pequena camada de pó, diferente do que eu até aí tinha observado, cobria os exemplares que estudava. Durante os primeiros dias especulei para mim próprio quais seriam as razões desse tão pouco habitual revestimento. Pensei no tipo de rochas das quais procediam os fósseis que eu estudava, pensei noutras razões, mas nada aparentemente fazia muito sentido.
Yvonne Wilson, preparadora de fósseis do MCHN, explicou-me então que essa camada que polvilhava todos os exemplares não tinha uma origem natural, mas em dezenas de anos de indústria siderúrgica e nos produtos por ela libertados. Pedia-me desculpa e dizia que Pittsburgh sempre tinha sido conhecida por uma cidade suja, no sentido em que se encontrava constantemente tisnada por essa poeira industrial.
Desde há cerca de 30 anos que Pittsburgh tem perdido população. É actualmente uma cidade bastante mais empobrecida do que num passado recente. São as consequências do gradual desaparecimento das indústrias metalúrgicas nos países desenvolvidos.
Poderá parecer um pouco exagero da minha parte, mas desta vez tinham sido os ossos fossilizados a revelarem-me um pouco da história de uma cidade e dos seus habitantes …
Enquanto trabalho com os exemplares de dinossáurios no MCHN, para além de todos os pensamentos científicos que têm que estar presentes, não podia deixar de sentir toda a história de trabalhos de pesquisa, recolha e prospecção feitos nos finais do século XIX e início do século XX.
Foi todo esse esforço que me permite e a outros paleontólogos, actualmente, desenvolvermos a nossa investigação.
Há como que duas histórias a decorrerem no meio deste “filme”: a história biológica dos animais extraordinários que foram os dinossáurios, uma história com mais de 150 milhões de anos; outra, a dos exploradores e investigadores que há mais de 100 anos, fascinados e atraídos pela descoberta, iniciaram uma verdadeira odisseia em busca do entendimento do passado da Terra.
Quando foi inaugurado, no dia 11 de Abril de 1907, o Museu de História Natural Carnegie, na altura Instituto, foi um dos primeiros museus a ter um dinossáurio completo montado e exposto.
O MCHN foi criado por Andrew Carnegie, milionário, que ficou fascinado pelas evidências da vida passada. Durante os últimos cem anos, Carnegie apoiou a ciência e a cultura tendo sido o fundador de uma rede de bibliotecas públicas que actualmente serve a população americana. Para além do já referido museu de História Natural, Carnegie fundou o Museu de Arte Carnegie, o Museu de Ciência e o Museu Andy Warhol, todos em Pittsburgh.
Os dinossáurios foram o “motor de arranque” para toda uma investigação científica que foi, é e (espero) continuará a ser levada a cabo pelo Museu Carnegie de História Natural. Mas a investigação científica não se limitou à paleontologia – paleontologia de mamíferos, botânica, zoologia, genética entre outras foram áreas do conhecimento que beneficiaram do fascínio que os enormes animais exerceram, primeiro sobre Andrew Carnegie, e depois sobre gerações de americanos que visitaram o MCHN.
Tive o prazer e a honra de ser o último investigador a estudar os ossos fossilizados de Apatosaurus e de Diplodocus, tal como estavam montados desde 1907.
No dia em que acabo este artigo inicia-se o desmontar da exposição – nos próximos dois anos, os dinossáurios que “acompanharam” a vida de gerações de americanos vão ser retirados como momento inicial de uma nova exposição paleontológica a ser inaugurada em 2007. Nos próximos dois anos vão “repousar” e ser preparados. Regressarão à exposição segundo os mais recentes conhecimentos paleontológicos (postura, enquadramento ecológico passado, etc).
A renovação ascenderá a 35 milhões de dólares mas como qualquer empreendimento deste tipo levado a cabo nos EUA não deixará de render e trazer dividendos, quer económicos quer científicos.
Não posso deixar de pensar que a divulgação e cultura científica podem render benefícios, não só a longo prazo, por intermédio de uma sociedade cientificamente mais culta, mas também a curto prazo constituíndo mais uma oferta no cada vez maior mercado do lazer.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 18/03/2005)
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