Tempos de crise – apertar o coração e o fígado

A adaptação é uma das condições essenciais para que se sobreviva. Seja animal, planta, empresa ou relação.
Um dos ambientes terrestres com condições de vida mais inóspitas é o deserto.
As altas temperaturas dificultam a sobrevivência, as enormidades amplitudes térmicas entre o dia e a noite tornam o ambiente inacessível à maioria dos seres vivos, mas essencialmente é a falta de água que, de forma directa (para beber) ou indirecta (reduzindo o número de plantas que são a base da cadeia alimentar) condiciona a “habitabilidade” dos desertos.
Mas como é que os animais que vivem nesses ecossistemas sobrevivem a tais condições extremas?
Num artigo do próximo número de Julho/Agosto da revista “Physiological and Biochemical Zoology” são apresentadas alguns dos mecanismos de sobrevivência em ambientes desérticos.
A espécie analisada, a gazela da areia – Gazella subgutturosa marica, vive no Deserto da Arábia, um dos com condições climáticas mais extremas a nível mundial. Os investigadores verificaram que estes animais eram os que apresentavam menores perdas de água por evaporação nestes ambientes. Até aqui esta informação, embora importante, não surpreendia, pois era a resposta que se “esperava” de animais que sobrevivem em desertos.
Mas como evitar as perdas de um bem tão precioso como a água?
Em nossas casas sabemos que quando a entrada de dinheiro diminui só há uma coisa a fazer para equilibrar o orçamento – cortar nos gastos.
Pois a gazela faz exactamente o mesmo, embora deixar de ir ao cinema esteja longe dos seus pensamentos…
Estes animais, em momentos de maior carência hídrica e de alimentos, reduzem quer o peso do fígado quer o do próprio coração. As alterações fisiológicas naqueles órgãos são reveladoras de uma diminuição na taxa metabólica, ou seja na actividade celular dos organismos.
Será fácil de compreender que, tal como fazemos na economia doméstica, em tempos de necessidade estes animais apertam, literalmente onde podem – corações e fígados. Igualmente se descobriu que as gazelas, nesses tempos de crise de água e comida, aumentam o conteúdo de gordura no cérebro, proporcionado assim ao órgão fundamental a energia necessária ao seu funcionamento.
Assim as gazelas do Deserto da Arábia conseguem contornar os tempos de crise – reduzem o peso do fígado e coração e aumentam a gordura no cérebro.
Pura economia biológica.

E o Laos pariu um rato…


Sempre me disseram que ao coração de um homem se chegava pelo prato.
O que nunca me tinham dito é que também para as novas descobertas científicas se podia passar pelos mercados: um novo animal foi inicialmente descoberto graças à…gastronomia!
O Laos apresenta várias iguarias expostas nos mercados locais – ratos, esquilos, porcos-espinhos, e uns animais pouco vulgares que os locais apelidam de Kha-nyou. Estes roedores eram, até Maio de 2005, uns perfeitos desconhecidos para os cientistas – mas não para os “bons-garfos” do Laos – e foi num desses mercados que chamaram a atenção aos cientistas que adquiriram alguns exemplares.
Os Kha-nyou, cujo baptismo científico é Laonastes aenigmamus, medem cerca de 40 cm e embora não propriamente sejam ratos pertencem a uma ordem de roedores até hoje apenas conhecida pelos fósseis.
Após o estudo da sua estrutura anatómica (ossos) e ADN, os investigadores apuraram que aqueles animais pertenciam a uma família de roedores que se pensava extinta – Diatomyidae.
Os últimos membros desta família de roedores são conhecidos pelos fósseis do Miocénico do Paquistão, Índia, Tailândia, China e Japão.
Ao fim de 11 milhões de anos de “ausência”, o Kha-nyou reaparece em cena!
Animais que se julgavam extintos e “reaparecem” na actualidade recebem a designação pelos paleontólogos de Fauna Lázaro, em referência à personagem bíblica ressuscitada por Jesus.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 22/06/2006)

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