A Evolução escondida nos Cartoons

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 10/11/2005)
A História da vida animal está cheia de alterações na forma dos seus corpos. A análise da forma (análise morfológica) é um das ferramentas no estudo da história evolutiva dos seres vivos.
Um dos essenciais evolucionistas do nosso século – Stephen Jay Gould da Universidade de Harvard – utilizou o melhor da dedução científica para analisar um dos ícones da Disney.

Gould recolheu uma sequência cronológica de Ratos Mickey, desde os anos 20 até à actualidade, analisando alguns traços morfológicos desta figura da banda-desenhada – altura e tamanho geral do crâneo, bem como o tamanho dos olhos. Constatou que ao logo das mais de cinco décadas da história do pequeno ratinho, os parâmetros analisados tinham aumentado. Por outras palavras, Mickey tinha-se transformado: de uma figura de crâneo pequeno e alongado e de olhos pequenos num ratinho de crâneo arredondado e alto com olhos proporcionalmente grandes. Se olharmos para a figura qual dos dois extremos “evolutivos” de Mickey nos parece mais atractivo?
A maioria das pessoas referirá que o da direita (olhos maiores, crâneo mais arredondado)Estas características morfológicas podem ser reconhecidas, na grande maioria dos casos, como sendo características de crias de mamíferos. Todos nós facilmente identificamos que os bebés apresentam um crâneo e olhos proporcionalmente maiores do que os adultos. Estas particularidades têm um efeito sobre os membros de uma determinada espécie e igualmente nos humanos. Características morfológicas de juvenis parecem desencadear reacções de protecção e carinho – um crâneo grande e arredondado, olhos enormes, mandíbula pequena, etc.

Estes são alguns dos traços morfológicos apelativos nos mamíferos. Desta maneira Gould constatou que os desenhadores da Disney alteraram a fisionomia de Mickey atribuindo-lhe características morfológicas juvenis com o objectivo o tornarem emocionalmente mais apelativo.

Pelo contrário, podem ser encontradas algumas morfologias opostas em alguns dos vilões da Disney. Estes apresentam características anatómicas geradoras de desconfiança – crâneo afilado, olhos pequenos, mandíbula proeminente. Enquadram-se neste grupo a Rainha da Branca de Neve, a bruxa da Bela Adormecida e o feiticeiro Jafar em Aladino.

Mas o que tem isto a ver com a evolução?
Gould não perdeu o seu tempo com esta actividade aparentemente estéril. Pretendia ilustrar, com exemplos facilmente reconhecíveis, alguns conceitos da morfologia evolutiva. Uma das noções subjacentes ao estudo dos Mickeys é o da Pedomorfose – aquisição no adulto de um grupo descendente de características morfológicas juvenis do grupo antepassado.
Existem alguns exemplos muito evidentes de Pedomorfose – a salamandra mexicana Ambystoma mexicanum exibe quando adulta guelras, prova morfológica juvenil dos seus ancestrais.
Este conceito está englobado num conjunto maior que é a Heterocronia – em sentido geral, a variação no tempo de aparecimento de uma característica morfológica de um grupo descendente comparativamente ao aparecimento dessa característica no grupo antepassado.
De uma maneira mais simples: podemos ver a “quantidade de transformação” que um indivíduo sofre ao longo do seu desenvolvimento é a mesma, maior ou menor do que do seu antepassado (aqui em sentido de evolutivo e não de progenitor).

O estudo da Heterocronia tem chamado a atenção nos últimos anos dos investigadores da Evolução. É um campo complexo mas muito apelativo e em que têm sido feitas inúmeras descobertas no estudo da morfologia de seres vivos actuais ou dos seus antepassados fósseis.

Outro dos exemplos de Pedomorfose no mundo não-natural é a evolução do símbolo da Shell. O seu logotipo é o bivalve Pecten tendo este “evoluído” desde o início do século por redução do número de “linhas” na concha, aparecendo assim menos complexo e mais juvenil.
Mas existem muito exemplos que podem ilustrar os conceitos evolutivos já referidos: é fazer uma busca na Internet pela “evolução” do Snoopy…


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