Chernes e ornitorrincos
“A prova de que Deus tem sentido de humor é o ornitorrinco”, Woody Allen
A atribuição de características humanas a seres vivos ou a elementos naturais – antropomorfismo – é recorrente na literatura, pintura ou na linguagem do dia-a-dia. O inverso – zoomorfismo – que é designar ou conceder singularidades animais a pessoas ou instituições humanas, é frequente na vida política portuguesa. O mais recente caso compara a situação do maior partido da posição ao ornitorrinco – Ornithorhynchus anatinus.
Mas quais os motivos pelos quais o ornitorrinco exerce um fascínio tão grande?
Apesar de mamífero, as fêmeas ornitorrinco colocam ovos sendo as crias posteriormente alimentadas com o leite materno. Este animal apresenta ainda a mandíbula semelhante a um bico de pato, morfologia ímpar entre os mamíferos, morfologia que está na justificação etimológica do seu nome científico Ornithorhynchus – focinho de ave.
É esta amálgama de particularidades reptilianas, avianas e mamiferóides que contribuem para que este monotrémato – grupo de mamíferos primitivos a que pertence o ornitorrinco – desempenhe um papel quase mitológico no imaginário colectivo.
Num dos capítulos de “A Feira dos Dinossáurios” do paleontólogo e historiador da Ciência Stephen Jay Gould, é feita a resenha histórica de como os naturalistas dos sécs. XVIII e XIX observavam o ornitorrinco. Primitivo, ineficiente e imperfeito foram alguns dos adjectivos utilizados então para descrever o mamífero australiano. A Natureza, para aqueles cientistas, deveria apresentar divisões claras e inequívocas na sua diversidade de formas. Estas divisões seriam o resultado da sabedoria divina.
A miscelânea morfológica do ornitorrinco originava, assim, acesos debates não só biológicos mas também teológicos.
O aparente paradoxo, seja político, morfológico ou outro, materializado na forma do ornitorrinco, assenta na errada premissa evolutiva de que os organismos não devem apresentar fusão de características – um animal não deveria colocar ovos e alimentar as suas crias com leite produzido por glândulas mamárias, entre outras.
Gould contrapõe que é precisamente essa amálgama de especificidades que teriam concedido ao ornitorrinco vantagens evolutivas.
Um outro caso de zoomorfismo político envolveu, no passado recente, um conhecido político português e o poema de Alexandre O’Neill:
Sigamos o cherne, minha amiga!
Desçamos ao fundo do desejo
Atrás de muito mais que a fantasia
E aceitemos, até do cherne um beijo,
Senão já com amor, com alegria…
Adivinhem quem é…
Imagens (fontes) – links nas imagens
Discussão - 5 comentários
O ornitorrinco sempre me encheu de perguntas quando eu era criança. Devo confessar que este animal me fascina muito. É só mais um exemplo da diversidade de formas presentes na natureza.
Desde garoto que o Ornitorrinco e os monotrématos me fascinaram - e os livros do S. J. Gould são sempre excelentes para reler (é uma pena que não se fale mais deste divulgador científico, que infelizmente já não está entre nós...). Este post mereceu referência no Blog De Rerum Natura e vou publicá-lo, indicando autor e origem, no Geopedrados.Os nossos sinceros parabéns pelos excelentes textos de divulgação científica...!
gostava que alguém me informasse sobre o sistema digestivo do ornitorrinco
Tenhom um filho de 9 anos e ele sabe tudo muito a vida dos ornitorrincos, mas acredito que esse livro irá lhe trazer mais informações.Muito bom, obrigada!
Gostava de saber qual a locomoção do ornitorrinco