Carta a um pesquisador histórico, assalariado do Sr. Miguel Sousa Tavares
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 27/12/2007)
Carta a um pesquisador histórico, assalariado do Sr. Miguel Sousa Tavares,
“Há duas tragédias na vida. Uma é não se ter o que o coração deseja. A outra é ter.”
George Bernard Shaw
Caro Pesquisador histórico, assalariado do Sr. Miguel Sousa Tavares,
Quanto à informação histórica solicitada, é com tristeza que o informo de que não a poderei fornecer.
Tal facto deve-se sobretudo a contenções orçamentais de vária ordem, como as recentemente sugeridas pelo seu empregador, nomeadamente os “desperdícios” orçamentais em actividades de descrição, inventariação, estudo e publicação ou preservação do património histórico-natural.
Assim, esse tipo de informação, gerada por aquelas actividades, passará a ser produzida unicamente por entidades privadas, como aquela que o Sr. representa. Desta forma, não caberá ao Estado tal supérfluo papel.
Passo a explicar: toda e qualquer acção que vise preservar e estudar actividades, marcas e reminiscências, quer humanas quer biológicas, não se enquadra nas funções do Estado português. São antes actividades que representam um desperdício de fundos indispensáveis aos nossos concidadãos.
Como iria compreender e aceitar um contribuinte de Bragança, por exemplo, que eu tivesse gerado e lhe fornecesse informações históricas, ou de outro tipo, resultantes de investimento público, se esse contribuinte não tem sequer um Centro de Saúde disponível?
Bem sei que nem só de pão vive o Homem, mas como sugere o seu chefe, não caberá ao Estado a provisão dessas outras exigências não-acessórias.
Além das necessidades básicas, deverão existir entidades privadas, como aquela que o seu empregador representa, que invistam em investigações e actividades de preservação do Património Histórico e Natural, absolutamente dispensáveis no actual contexto económico.
O povo quer informação histórica?
Que a tenha gerada pelo sector privado, de preferência sob a forma romanceada, na prateleira de um qualquer hiper-mercado suburbano.
O povo quer o seu património natural protegido?
Que o pague e se junte ao seu empregador, em fins-de-semana lúdicos nas reservas de caça privadas do Alentejo natural.
O povo quer conhecer o património histórico-natural?
Que compre livros do Michael Crichton e do seu exército de pesquisadores, que vasculham a investigação patrocinada pelo despesista contribuinte norte-americano.
Ou que visite os centros paleontológicos ou arqueológicos, na pobre vizinha Espanha, tais como o Museu do Jurássico nas Astúrias ou Atapuerca.
Os referidos contribuintes americanos e espanhóis com certeza desconhecerão as visões do seu empregador, ou não seriam tão burlados como são.
Desta forma, e na linha das profecias economicistas do seu empregador, não poderemos satisfazer os seus pedidos de informação histórica para o seu futuro best-seller.
O referido senhor deverá dirigir-se ao Centro de Emprego mais próximo e contratar um qualquer bando de profissionais, como biólogos, geólogos, paleontólogos, arqueólogos, historiadores e outros capacitados para emitir pareceres, que, de cabeça baixa e subservientes, engrossarão a vasta equipa geradora de preciosidades romanceadas de um passado mais brilhante do que este que nos oferecem.
Atenciosamente
Um funcionário
P.S. – comentário ao artigo de opinião de Miguel Sousa Tavares, no jornal Expresso de 22 de Dezembro de 2007.
O Sr. Tavares dever-se-ia preocupar nos motivos e nas causas da falta de rentabilização de algumas das infra-estruturas culturais que refere e não no património subjacente. Por vezes há que investir mais do que 10 para se poderem obter 100.
E não carpir nos 10 que se investiram.
É o que espanhóis, americanos e outros povos “enganados” fazem.
P.P.S.- já em 2001 o douto autor havia desencadeado semelhante ataque ao qual respondi em carta ao director no Público.
Discussão - 8 comentários
LuísA resposta e este post está aqui: http://aboborapequenina.blogspot.com/2007/12/uma-ferroada-no-miguel-sousa-tavares.html
Vindo da horta da Abobrinha, saúdo o autor deste texto, sóbrio, elegante e na mouche!
Cara Abobrinha,É mais do que um prazer sempre que apareces, mesmo quando ferroas os fumadores!:)O MSS repete-se e confunde património histórico-natural com os métodos utilizados na sua preservação.Já há mais de 6 anos lhe havia respondido no Público a um texto decalcado deste que publicou agora.Na altura respondeu-me, nas cartas ao Director, que eu estava a confundir, que não o havia entendido.Podia ser. Mas agora também não!Aparece mais vezes.Luís Azevedo Rodrigues
Caro antonio,Obrigado pelo comentário!Tenho que ir ver os seus escritos.AbraçoLuís Azevedo Rodrigues
Luís"Já há mais de 6 anos lhe havia respondido no Público a um texto decalcado deste que publicou agora"Estás a insinuar, portanto, que o MST se plagiou a ele mesmo... ... ... ooooooooooooops... prepara-te para ir a tribunal ou à bofetada! Eu não perco duas oportunidades para cascar no péssimo hábito de fumar. Não tenho culpa: cheira mal e é desagradável. E é só olhar para o Miguel Sousa Tavares para ver como envelhece prematuramente (não estou a gozar: ele parece muito mais velho do que é). A parte de ser amargo acho que é mérito próprio. Eu mesma tenho que ter cuidado para não tornar um certo azedume temporário numa coisa mais permanente. Mas acho que não há grande perigo.
Apesar de já ter sido postada há bastante tempo gostaria de lhe dar os parabéns pela fina ironia desta resposta a MST.Eu também (em parte porque sou arqueólogo...) já há muito tempo que lhe deixei de dar ouvidos. É pena é que neste País, comentadores que noutros países escreveriam nos tabloídes, no Portugalzinho escrevam em jornais ditos de referência onde ´so contribuem para a confusão e o fomento da ignorância que infelizmente grassa em tão grande escala no país. Enfim, ele e outros, devem pensar que quem tem um olho em terra de cegos é rei.Parabéns também ao blogue que cumpre muito bem os seus objectivos de divulgação científica séria.
Excelente texto, que subscrevo inteiramente. MST praticamente só acertou no autódromo, de resto tem um artigo perfeitamente infeliz.Ainda por cima com erros de continuidade, como se diz no cinema. As pegadas, e a sua solução deram-se ainda num governo de Cavaco que inaugurou o túnel, não vou dizer se contrafeito ou feliz, e antecederam as gravuras, cuja decisão, de facto, coube a Guterres.
olá muigel sousa tavares onde é que tu estudaste