O Czar e o dinossáurio

Grande parte do trabalho de um paleontólogo é passado dentro, à volta e em torno de Museus de História Natural.
É neles que estão depositadas (ou deveriam estar) as colecções de fósseis que fazem parte do trabalho de qualquer investigador que tenha como referencial a História da Vida na Terra.
Tenho feito visitas de carácter científico a alguns museus, estando actualmente em visita científica de recolha de dados no Carnegie Museum of Natural History, em Pittsburgh.
Cada Museu de História Natural, para além do material de estudo e capital em investigadores, tem atrás de si várias histórias humanas ligadas quer ao conhecimento gerado quer à aos próprios intervenientes (humanos e não-humanos).
O Carnegie Museum of Natural History (CM) “nasceu” da vontade Andrew Carnegie, milionário do séc. XIX da indústria americana do aço e um enorme filantropo das artes e ciências.
Carnegie tomava o pequeno almoço em Nova Iorque e lia, como habitualmente, o seu jornal, que nesse dia relatava um achado impressionante – restos de um animal gigantesco tinham sido descobertos no Wyoming. A notícia era acompanhada de perturbadora descrição do animal – o Brontosaurus (agora classificado como Apatosaurus) – assente nas patas traseiras e a olhar para o 11º andar de um prédio!
Carnegie imediatamente escreveu uma nota a W.J.Holland que dizia “Caro Director, compre imediatamente este animal para Pittsburgh!” tendo-a enviado para o na altura Carnegie Institute. Juntamente enviou um cheque de 10000 dólares.
Estava iniciada a “caça” aos dinossáurios em Pittsburgh!
Durante os anos seguintes a equipa do CM procedeu a expedições no continente americano tendo descoberto inúmeras espécies (Stegosaurus, Camarasaurus, Apatosaurus, etc).
Um dos exemplos (tão de agrado do espírito heróico norte-americano) é a descoberta no dia 4 de Julho de 1899 (dia da independência americana) do que viria a ser classificado como Diplodocus carnegii (em honra do patrono e fundador do CM).
Carnegie possuía um castelo na sua Escócia natal, onde recebia com frequência individualidades e a própria realeza.
Numa dessas visitas, o Rei Eduardo VII notou uma das gravuras de Diplodocus tendo imediatamente pedido ao milionário que comprasse um igual para Inglaterra.
A equipa do CM contratou escultores italianos para iniciar o processo de feitura de réplicas bem como a criação da estrutura de suporte (método ainda actualmente utilizado.
Em 1904 estava feita a primeira réplica de Diplodocus tendo no ano seguinte sido enviada uma para Inglaterra.
A moda iria espalhar-se pelo resto da realeza europeia tendo sido feitas réplicas para o Kaiser Wilhelm da Alemanha, Rei Vittorio Emanuele III de Itália, Czar Nicolau II da Rússia e o Rei Afonso XIII de Espanha (curiosamente nenhuma réplica para Portugal) e instaladas nos respectivos museus de História Natural.
Holland, o director do CM, fora destacado para a montagem do Diplodocus no Museu de História Natural de Moscovo. Como já foi dito aqueles animais tinham dimensões da ordem das dezenas de metro.
Encontravam-se Holland e os seus colaboradores atarefados com a montagem da réplica quando, atraído pelo fascínio pelos dinossáurios , irrompe pela sala o Czar e respectivo séquito.
Os trabalhadores russos, perante tal importante visita, largam literalmente tudo o que tinham em mãos para manifestarem o seu respeito pelo czar.
É então que os republicanos americanos vêem o desabar de toda a estrutura jurássica perante as suas cabeças. Felizmente nada de grave sucedeu exceptuando o retomar da construção da estrutura paleontológica que havia desabado.
Em 1910, o último czar da Rússia, Nicolau II já podia admirar a sua réplica de Diplodocus.
O Diplodocus que surgira numa notícia de jornal em Nova Iorque espalhava-se agora pelos Museus do Velho Continente.

Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro em 2005

Imagens – foto de jornal que despertou em Carnegie a paixão pelos dinossáurios – Luís Azevedo Rodrigues;
Andrew Carnegie – da Wikipedia;
notíca do arquivo do New York Times;
trabalho em Diplodocus, em 2005, no CArnegie Museum of Natural History – Luís Azevedo Rodrigues

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