Brincadeiras Encenadas

enknygtrrrn.jpgSaio para fumar, já que os livros amontoados nas prateleiras não desejam a poluição.
E, já agora, a bibliotecária também não.
Nas escadas, três catraios andam aos pulos.
Fazem-me sinal para que me afaste.
“Raio dos putos”, resmungo.
“Só me faltava que fossem como o outro…”.
Um que me atacou o cigarro, às portas do Museu de História Natural de Nova Iorque, sob o olhar aprovador do pai radical da saúde.
Não eram.
Pediam-me que me afastasse porque o meu cigarro, e já agora o resto de mim, estavam no seu set de filmagem.
Sim, os catraios, dos seus 10-12 anos, estavam em plena filmagem das suas brincadeiras.
“Vens a correr bué, agarras nas escadas…”, corrimão, deveria querer dizer… “…e saltas com as pernas tipo aquele gajo do filme…”.
Quem assim falava era o mandão.
Uma mão no telemóvel, a outra a coreografar a brincadeira, tudo filmando, apenas variando cada plano.
O puto. Com os outros putos.
Agarrado ao meu vício, observava-os, tentando respeitar a distância que o realizador me havia imposto.
Irra.
As brincadeiras são parecidas com as de outrora, mas estas podem ser vistas e revistas.
E minimalmente, os putos repetiam-nas.
Para uma perfeição exigida pelo YouTube, julgo.
Abandonei o meu companheiro químico e regressei ao poiso.
Os livros estavam nas prateleiras e eu não queria interromper as filmagens.
E muito menos as brincadeiras.
Imagem: Shazeen Samad

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