Tempos de Crise – apertar o coração e o fígado
texto publicado no jornal Barlavento, 9 de Dezembro de 2010
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A adaptação é fundamental para que se sobreviva.
Animal, planta, empresa ou mesmo uma relação sentimental, todos se devem adaptar a novas condições.
A contenção é tanto mais importante quanto maiores forem as adversidades ambientais. Um destes ambientes com condições de vida inóspitas é o deserto, onde as altas temperaturas dificultam a sobrevivência, as grandes amplitudes térmicas entre o dia e a noite tornam o ambiente inacessível à maioria dos seres vivos. Contudo, é a falta de água que, de forma directa (para beber) ou indirecta (reduzindo o número de plantas que são a base da cadeia alimentar) condiciona a habitabilidade dos desertos.
Como é que, então, sobrevivem os animais que habitam esses ecossistemas com tais condições extremas?
Num artigo da revista “Physiological and Biochemical Zoology” são apresentadas alguns dos mecanismos de sobrevivência em ambientes desérticos.
A espécie analisada, a gazela da areia – Gazella subgutturosa marica, habita o Deserto da Arábia, um dos locais com condições climáticas mais extremas a nível mundial. Os investigadores verificaram que estes animais eram os que apresentavam menores perdas de água destes ambientes. Ainformação, embora importante, não surpreende, pois é a resposta que se espera de animais que sobrevivem nos desertos.
Como evitar, então, as perdas de um bem tão precioso como a água?
Nas nossas casas sabemos que quando a entrada de dinheiro diminui só há uma coisa a fazer para equilibrar o orçamento: cortar nos gastos.
Pois a gazela faz exactamente o mesmo, embora deixar de ir ao cinema esteja longe dos seus pensamentos… Em momentos de maior carência hídrica e alimentar, estes animais reduzem quer o peso do fígado, quer o peso do próprio coração. As alterações fisiológicas naqueles órgãos revelam a diminuição na taxa metabólica, ou seja, da actividade celular dos organismos.
Assim, tal como fazemos na economia doméstica em tempos de necessidade, as gazelas apertam literalmente onde podem – corações e fígados.
Contudo, descobriu-se que estes animais aumentam o conteúdo de gordura no cérebro, oferecendo ao órgão fundamental a energia necessária ao seu funcionamento nos momentos difíceis.
Assim, as gazelas do Deserto da Arábia conseguem contornar os tempos de crise – reduzem o peso do fígado e coração mas aumentam a gordura no cérebro.
Pura economia biológica.
Pena é que a redução do coração e fígado económicos, que estamos a aguentar, não seja acompanhada do correspondente engordar do cérebro governativo.
Imagem – National Geograhic
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