O telefonema do poeta para o desempregado

O telefone não parava de tocar.
Sempre a mesma coisa, podia estar desempregado mas tinha mais que fazer que pegar naquilo.
Aquilo trazia-lhe notícias que não queria ouvir, graças que não eram as suas, ou apenas um cumprir de serviço do lado de lá da linha
Ou talvez não fosse isso, talvez não querer ouvir gente, ainda por cima gente com trabalho, trabalho que ele não tinha.
Pelo menos igual aos outros.
Tocava, continua a tocar, o telefone.
Quem quererá falar; e para cá.
Tinha que continuar a escrever. Decidira-o quando, há dois anos, o mandaram para casa.
Senhor Engenheiro, haviam tentado ser o mais corretos que sabiam, sendo a convocatória feita apenas pelo desempenho laboral, Senhor Engenheiro, a verdade é que deve encarar isto como uma oportunidade.
Sim, uma oportunidade. Como aquela que falta a quem lhe liga neste momento, sente.
Se calhar ainda querem explicar melhor porque o mandaram para casa. Ou o que fez com a oportunidade que lhe deram. Mas tem mais que fazer, tem que escrever. Agarrar a oportunidade.
Escrever para provar que podia fazer algo, ele que havia sido mandado para casa porque não tinham algo que ele pudesse fazer.
Porra para o telefone, que não se cala.
A escrita com horários, a fuga surgida da liberdade perdida de quem não tem trabalho.
O telefone chamava-o, tal como as linhas que escreveu.
Não lhes pôde fugir.
Ainda bem.
Foi atender.

P.S.- pela manhã, ao café como deve ser, uma história daquelas que inspiram e fazem apertar a garganta, daquelas que fazem ainda ter esperança em que há sempre que andar para frente, pôr ordem nas palavras, nas palavras que faltam em dias de excesso de números.
Ainda que não conheça a história feita nesses dois anos, fica a história do telefonema que se atrasou dois anos.

Imagens: do jornal Público de 19 de Outubro de 2011. As minhas desculpas pela má qualidade das imagens:

Enganar o Tempo…e Einstein.

Foi do que me lembrei quando vi esta montra.

A Formiga e a Europa

ResearchBlogging.org(Publicado no jornal Barlavento, 28 de Julho de 2011)
Os tempos mudaram.
O que se dizia de Esquerda e viu o país afundar, afastou-se.
Por cá e, verdade seja dita, um pouco por toda a Europa, os sinais da crise económica e de valores são cada vez mais ensurdecedores.
A Europa afunda-se?
Talvez. Porque é cada um por si e, pensamos nós erradamente, a Comissão Europeia por todos.
Falta-nos um verdadeiro esforço conjunto, uma causa que nos cimente, que nos una.
A solução para o dilúvio existencial e económico que se aproxima passa por aprendermos não com os gurus da Economia, os visionários da Tecnologia ou outros quaisquer bruxos, mas com… uma formiga, mais concretamente a Solenopsis invicta.

Apesar do seu nome comum ser formiga-de-fogo, há muito que um comportamento deste animal na água desperta a curiosidade dos biólogos. Originária da América do Sul, embora esteja distribuída um pouco por todo o mundo, esta formiga reage a inundações formando pequenas jangadas cujos constituintes são as próprias formigas.
Um estudo recente da Universidade de Geórgia Tech revelou que, de uma forma absurdamente simples, as formigas da espécie Solenopsis invicta em momentos de inundação conseguem sobreviver graças à sua união.
Se individualmente as formigas apresentam uma capacidade hidrofóbica razoável, sendo capazes de flutuar, essa capacidade é muito maior se se unirem.
Nos momentos em que as águas tudo invadem, e esses momentos são frequentes nas florestas tropicais, as formigas unem-se literalmente às suas companheiras, cravando as suas mandíbulas e exercendo forças 400 vezes superiores ao seu peso corporal, formando assim uma verdadeira jangada.
Esta jangada, revela o estudo, é uma massa viscosa e elástica formada por “moléculas” que são as próprias formigas. A estrutura flutua graças à sua capacidade para repelir as moléculas da água, muito maior quando as formigas-de-fogo se unem às suas irmãs.
Desta forma, a sobrevivência deste animal passa pelo colectivo e não pelo individual. Este comportamento foi quantificado e modelado pelos investigadores, que foram assim capazes de comprovar as vantagens evolutivas das jangadas de formigas-de-fogo.
O modo invejável como a Solenopsis invicta faz frente aos dilúvios poderá servir para a velha Europa e para Portugal.
Tudo o que recentemente se passou de momento não interessa.
O que agora interessa é não nos afundarmos mais ainda com a inundação não prevista, não tratada, enfim… não cuidada.
O que a Europa desconhece ou não quer ver é que a salvação individual passa pela salvação colectiva.
Que abdicar de alguma parte do grupo, ou de um país, não é a solução, antes o apressar do fim.
Somos apenas quando fazemos parte, quando o somos em grupo, apesar e com a nossa individualidade, seja da pessoa, seja do país.
Sozinhos aguentamos, até cairmos por fim.
Em grupo venceremos.

Referência Mlot, N., Tovey, C., & Hu, D. (2011). Fire ants self-assemble into waterproof rafts to survive floods Proceedings of the National Academy of Sciences, 108 (19), 7669-7673 DOI: 10.1073/pnas.1016658108
Imagem: adaptada do artigo. Esquerda – o carácter moderadamente hidrofóbico de um indivíduo de Solenopsis invicta. Direita – a jangada submersa pelos investigadores revelando bolsa de ar.
Vídeo – material suplementar do artigo.

Vida de cão

…ou melhor fotos de cães, pelo fotógrafo William Wegman.
O que me chamou a atenção para o seu trabalho foi ter visto esta foto:
Wegman.jpg
A metáfora evolutiva é possível mas fica a cargo de cada um…
Apenas mais uma imagem que me ficou no feitio canino:
wegman_pile_up.jpg
Aqui uma breve apresentação do seu trabalho com cães.
Há quem não ache piada nenhuma; eu limito-me a sorrir com os focinhos que me miram…

Um pouco mais de informação sobre este fotógrafo pode ser encontrada aqui.
P.S. – À memória do meu amigo durante 15 anos, o Vouga.
Imagens: William Wegman Untitled (1987) e Pile Up (1998)

Da Graça e da Natureza

sh_130_slide_1.jpgDa graça e da natureza, mais uma achega.
Um vídeo terrivelmente belo.

Loom

7 dias na Terra

Algumas fotos dos últimos sete dias, na Terra..
120420115425 (Large).jpg210420115469 (Large).jpg150420115431 (Large).jpg140420115426 (Large).jpg
Imagens: Luís Azevedo Rodrigues

Fortaleza Europa

Genoese_fortress_in_Sudak_by_inObrAS.jpgOs pastores que não guardavam os seus rebanhos, e os seus cães de guarda, seus dos pastores que às ovelhas mordiam apenas, estão a cair. As rezes revoltaram-se, jogando o jugo para trás.
Os pastos vazios de anos de opressão não chegam agora às rezes sem guia e, como noutros tempos, viram-se para o outro lado do Mediterrâneo, em busca de melhor sorte.
Empurrados para a tolerante Europa, dão de caras com a fortaleza.
A Fortaleza Europa.
“Tunísia, Marrocos, Egito, Bahrei e Iémen continuam num clima de instabilidade e de contestação com os contestatários, liderados pela juventude, exigem profundas reformas políticas e constitucionais e lutam pela instauração da democracia no seu país.”

Referências: Asian Dub Foundation, “Fortress Europe”, Enemy of the Enemy, 2003
Imagem: daqui

1 000 000 000 de dólares

Algumas ideias de como gastar mil milhões de dólares, especulações de diversos cientistas, entre os quais um paleontólogo…
A ver…e a pensar.
O que fazer com este dinheiro?

Não sei se foi a banda sonora oficial destes depoimentos mas poderia-o muito bem ter sido…

Fonte: Scientific American

Saudável Liberdade

396058018_a754cff31a_z.jpgJosé estava mais do que preparado para o embate que se avizinhava – a entrevista de emprego.
Nos últimos dois anos, para além de inúmeros contactos pessoais e envio de CV’s, tinha-se preparado afincadamente para o momento: cursos, especializações e até umas aulas de mandarim lhe haviam ocupado o tempo sem trabalho.
Sentou-se, carregado da sua competência, formação e atitude.
“O senhor fuma?”, perguntou o inquisidor laboral.
“Já uma pausa?”, pensou José. “Sim, fumo.”, respondeu em tom agradecido.
“Humm…Então parece que a entrevista vai ter que ficar por aqui. Sabe, a nossa empresa tem a política de não contratar fumadores. Escuso já de ver o resto do seu CV.”, debitou monocordicamente o ex-futuro-empregador.
Actualmente nos E.U.A. existe já um número considerável de empresas que negam trabalho a fumadores, chegando a realizar análises sanguíneas para se detectarem eventuais vestígios de nicotina.
Se não se podem negar os malefícios do tabaco, mas esta cruzada da saúde esconde outro tipo de controlos. Agora é o tabaco, amanhã o sal ou o açúcar, e num futuro mais próximo do que antevemos, iremos ter que provar geneticamente se desenvolveremos Alzheimer, quais as probabilidades de contrairmos cancro numa idade precoce, ou mesmo a disposição para votarmos num determinado partido.
No passado, a purificação da raça foi lema de algumas mentes doentes. Hoje, são as mentes da saúde que procuram a pureza dos genes.
Atentar contra a liberdade individual é mais fácil (e mais barato) do que educar os indivíduos para o livre arbítrio.
Relato agora um diálogo que há tempos tive com a minha cardiologista, tinha a Assembleia da República acabado de legislar sobre os teores de sal nos alimentos.
A Liberdade e a Cardiologista
Abandonei o silêncio penitente a que se remetem os pacientes.
Farto da parede muro-das-lamentações que me tapava a vista, falei.
“E o sal, doutora?”.
Não o meu; o da Assembleia da República.
“Legislaram bem. Apesar de não ser original, já que os teores de sal são já controlados em muitos alimentos…Olhe, até nos refrigerantes eles põem sal!”.
Reforçou o argumento espetando-me o peito com maior intensidade.
“Bem…”, ganhei balanço, entre empurrado pelo desconforto do ecocardiógrafo.
“Não se trata só de uma questão de Saúde Pública. É também uma questão de liberdade individual, de escolha pessoal. A seguir vem o quê? A cor dos meus boxers?”.
Agradeci encontrar-me num cardiologista e não num urologista, já que a estética cromática é uma lacuna grave da minha personalidade.
“Liberdade? O senhor sabe o custo para os contribuintes do consumo excessivo de sal? Sabe que o cancro do estômago está relacionado com teores de sal na urina, que por sua vez reflectem o consumo de sal? É caríssimo, não há dinheiro. É preferível cortar essa pequena liberdade!”.
Num instante, o meu miocárdio deve ter posto a língua de fora porque a médica me perguntou:
“Tem andado a sentir-se bem?”.
Maldita tecnologia, pensei. Não dá a mínima hipótese, qual detector de mentiras.
“Claro que tenho, doutora. O meu dealer salino está em promoções!”.
Imagem: daqui

Texto Publicado no jornal barlavento, 24/02/2011

Doutores

deolinda (Large).jpgAcordei e entretive o café com mais um bom texto do Rui Tavares(1).
As palavras sarnavam a minha geração, transferindo-as para uma letra dos Deolinda(2).
Depois dei com os vídeos abaixo(3), feitos por gente que estuda, e roubados ao blog do parceiro Átila Iamarino, meu parceiro blogueiro no Science Blogs Brasil.
Não sei que fazer com estes dois blocos de informação.
Triste, pela cada vez maior estufa profissional que gerações de gente qualificada são obrigadas a suportar?
Alegre, pelo manancial de jovens ultra-preparados?
Ou que quando for hora, terão ferramentas e não só boas vontades para mudar o mundo?
Não sei.
Digam-me vocês…

Referências:
1 – artigo de Rui Tavares no Público de 2 de Fevereiro de 2011.
2 – vídeo dos Deolinda, “Parva Que Sou” (na página a letra da música).
3 – blog Rainha Vermelha de Atila Imarino