Natal Geotérmico

O bafo era quente.
Mal fora, já que provinha de um mamífero. Ao lado outro, mamífero e bafo, completava o bestial serviço. O felizardo com o ar tépido pêlos não tinha, apenas um têxtil mal engendrado lhe cobria a pele nua. Não fora o mistral dos animais, a cria não aqueceria.
Burro e vaca estavam ao serviço do filhote, mantendo-lhe caldo o corpo. Quais alergias, qual quê, o que importava era o calor para que a cria sobrevivesse.
Bafejado pela sorte sê-lo-ia, pelo menos até aos 33, mas agora era-o pelo calor.
Calor de um corpo alheio.

ResearchBlogging.orgEste mísero intróito natalício, para além dos motivos sazonais óbvios, serve de introdução a breve descrição de uma descoberta científica.
Nas vastidões argentinas a presença de vários ninhos de dinossauros saurópodes já era conhecida. Paleontólogos argentinos apontam agora para que a fonte de calor necessária à incubação dos ovos daqueles animais tenha sido…a Terra.
Os investigadores apresentaram um conjunto de provas de que alguns dinossauros teriam utilizado a energia geotérmica como incubadora dos seus ovos.
A jazida de Sanagasta ofereceu vários ovos fossilizados de dinossauro, mais de 1000, com uma idade aproximada entre os 134 e os 117 milhões de anos. Para além desta actividade biológica passada, foi possível também identificar actividade hidrotermal da mesma época. As estruturas geológicas identificadas mostraram que naquela zona e na mesma altura teria existido actividade geotérmica.
Mas foram apenas estas informações que permitiram afirmar que um grupo de dinossauros utilizou o calor da Terra para incubar os seus ovos?
Não.

Análises geoquímicas revelaram também a influência de calor externo nos sedimentos onde foram encontrados os ovos fossilizados. Complementarmente, já se conheciam na Coreia do Sul ovos morfologicamente idênticos aos agora encontrados na Argentina. Os ovos coreanos procediam também de jazidas que geologicamente apresentavam a mesma influência hidrotermal. As coincidências reduzem-se…
Parece assim que a natalidade dos dinossauros saurópodes, mais concretamente dos Neosauropoda, está associada às condições ambientais, mais concretamente condições hidrotermais.

O Menino foi bafejado pelos mamíferos, já o sabíamos.
O que o passado do planeta nos revela agora é que os bebés dinossauros precisavam (também) do bafo da Terra para nela poderem caminhar.

P.S. Santo Natal, para todas as espécies!

(texto publicado também no jornal Sul Informação)

Referência:
Fiorelli, L., Grellet-Tinner, G., Alasino, P., & Argañaraz, E. (2011). The geology and palaeoecology of the newly discovered Cretaceous neosauropod hydrothermal nesting site in Sanagasta (Los Llanos Formation), La Rioja, northwest Argentina Cretaceous Research DOI: 10.1016/j.cretres.2011.12.002

Imagens:

1 – Aspecto da jazida de Sanagasta – do artigo referido.
2 – A-C Esquema do arranjo espacial dos ovos encontrados; D-F – imagens dos ovos fossilizados encontrados. Imagem do artigo referido.

Onde se cheiram cores?

ResearchBlogging.org

(a minha pequena contribuição para o Dia Nacional da Cultura Científica, publicada no jornal Sul Informação)

Sentir com o coração é muito mais difícil, mas porventura muito mais comum, do que cheirar o vermelho, foi a conclusão a que cheguei no final deste texto.
Apesar de muito cansado, esta frase não atesta que eu possa ter perdido definitivamente o tino.
A máxima com que iniciei este texto pode servir de introdução à sinestesia. Não, não voltei a entrar pelos meandros da irracionalidade.
A sinestesia é uma condição neurológica na qual uma pessoa é estimulada sensorialmente sendo duas respostas sensoriais desencadeadas. Um sinestésico sente a forma de um cheiro ou o sabor de um som, por exemplo. Desta forma, as experiências sinestésicas podem conter várias respostas a um mesmo estímulo. Esta condição neurológica, apesar de rara, pode afectar até cerca de 4% da população, existindo diversas variantes.
A primeira vez que me deparei com esta característica neurológica foi com a minha cara-metade, andava ela a tactear a poesia de Fernando Echevarría, poesia que, segundo ela, tem como uma das pedras angulares a sinestesia – grita-me agora ela do outro lado da sala “Isso era a minha tese!”.
Deixemos as teses alheias e voltemos à sinestesia de Echevarría.

 

É a noite dos rios. Arrefece
Ter a longa pupila sombreada.
E as mãos velhas de ter sido verde
Ver-se passar a noite pela água.
(…)

O jornal i, de data incerta, proporcionou-me o segundo contacto com a sinestesia. Nele se relatavam as experiências ocorridas nas gravações de Jimmy Hendrix. Algures, contava o produtor, o guitarrista gritava-lhe algo como: “Preciso de mais verde aí…” ou “Isto estava perfeito se tivesse mais roxo…”, dizia Hendrix sobre partes das gravações. Poderão os conservadores afirmar que o verde que Hendrix pedia era uma consequência das doses cavalares de LSD que o virtuoso das cordas consumia. Pode ser; mas não deixa de ser sinestesia.

Apesar de vastamente descrita, a sinestesia ainda não é totalmente compreendida. É uma condição rara, afectando de maneiras distintas os sinestésicos. Uma das formas mais comuns é designada de sinestesia grafema-cor em que existe uma associação de cores a números ou a letras. Exemplos deste tipo de sinestesia podem ser compreendidos pela leitura do livro “Nascido num dia Azul” de Daniel Tammet, igualmente portador de síndrome de Savant. Tammet é capaz de indicar 22514 dígitos de Pi, graças à sua associação de números a cores. Uma prática semelhante, ao nível do cálculos matemáticos, é referida pelo famoso físico Richard Feynman.
De que cor é o se7e mesmo?
Para além da associação números/letras a cores, existem vários outros tipos de sinestesia, entre os quais:
-som-cor;
-palavra-sabor;
-sabor-toque;
-espelho-toque – o sinestésico sente o toque quando vê outra pessoa a ser tocada.
Uma verdadeira confusão de sensações mesmo depois da adolescência…
Embora a componente hereditária da sinestesia não esteja totalmente explicada, foram identificadas famílias com maior percentagem desta condição. A investigação científica tem vindo gradualmente a apontar para que poderá ainda existir uma ligação da sinestesia ao cromossoma X, dado que a proporção de mulheres vs. homens nesta condição neurológica é de 6 para 1. Alguns autores referem que a resiliência evolutiva deste gene, ou genes, poderá estar associada a processos criativos, entre os quais os de memória. Argumenta-se que as experiência sinestésicas poderão ter contribuído evolutivamente para que a retenção de informação sensorial se desse mais efectivamente.

Se virmos e cheirarmos sincronicamente o mundo talvez sobrevivamos melhor, acrescento eu.
Certo é que ainda permanecem muitas questões em aberto sobre a sinestesia.

Não posso mais. Caem lentas
e maduras como horas
de lágrimas. Não sustentas
robustas pedras sonoras.
Um coração ao compasso
de cada fruto maduro,
que rebenta quanto apuro
no silêncio do que faço.
Um coração passo a passo
do coração prematuro.

Referências:

Poemas de Fernando Echevarría retirados de Poesia 1956-1980, Edições Afrontamento (2000).

Brang, D and Ramachandran, V.S. (2011) Survival of the Synesthesia Gene: Why Do People Hear Colors and Taste Words? PLoS Biol 9(11): e1001205. doi:10.1371/journal.pbio.1001205

Hubbard EM, & Ramachandran VS (2005). Neurocognitive mechanisms of synesthesia. Neuron, 48 (3), 509-20 PMID: 16269367

Imagens:
de Brang and Ramachandran (2011) e daqui

Perspectiva do Cão

Tal como muito da vida, as coisas devem ser perspectivadas de vários ângulos, com o risco de nos enganarmos, fazermos algo maior ou mais pequeno do que realmente é.
A escala e a perspectiva andam de mãos dadas (?).

Imagem de Daniel Rodrigues – ” Vouga na pedreira”.

Enganar o Tempo…e Einstein.

Foi do que me lembrei quando vi esta montra.

Ciência Pop

(Este é o primeiro texto da colaboração com o jornal “Sul Informação”, novo diário da região sul. O texto foi publicado aqui)

 A palavra dinossauro é vastamente utilizada no discurso informal, e quase sempre com sentido pejorativo. Basta apenas um pouco de observação para identificar outros conceitos científicos presentes na cultura popular.

A Teoria da Relatividade Geral, bem como as recentes novas quanto à velocidade da luz ter sido ultrapassada pelos neutrinos, fascinam-nos a todos. As implicações de algo conseguir ultrapassar a velocidade da luz são enormes em termos de imaginário: a capacidade de fintar a barreira do tempo, viajarmos através dele como se fosse uma auto-estrada, torna-nos aparentemente livres.

Filmes como “Regresso ao Futuro” ou mesmo “A Guerra das Estrelas”, materializam essa alteração do real, libertando o ser humano das amarras do Tempo. O ultrapassar das leis da Física contribui assim para que as condicionantes sociais, económicas e até éticas, possam ser ultrapassadas tudo assente na capacidade de se viajar mais rápido que a luz. O ultrapassar dessa fronteira faz-nos não só donos do tempo, mas oferece-nos igualmente a possibilidade de recriarmos o nosso presente – aquilo que fizermos na viagem ao passado obviamente influirá no presente. Quantos de nós não desejámos alguma vez modificamos algo no nosso passado?

“Para baixo todos os Santos ajudam”, diz o povo. Este dito popular não revela o carácter altruísta dos objectos da Hagiologia, antes é uma conhecida redundância de que a Gravidade existe, existiu e existirá, originando que o esforço envolvido em subir seja completamente distinto do de descer. O Mito de Sísifo não existiria se a força gravítica não se exercesse sobre este filho de Éolo. Sísifo, condenado a empurrar uma pedra encosta acima, vê-la-ia regressar à base, sobre a acção da gravidade, vez após vez, numa condenação eterna.

A mitologia revela-nos que a astúcia de Sísifo, que enganou a Morte por duas vezes, não foi capaz de vencer a Física. Que me desculpem Albert Camus, bem como todos aqueles que cuidam a condição humana como sendo desprovidas de sentido: não é a labuta diária que empurra a pedra pela encosta baixo, antes é a Gravidade a ser mais forte que Sísifo.

Ser verdadeiro não implica qualquer indicação da matéria física de que somos feitos. Ainda assim, a cultura popular associa a Física e a Ética. “A verdade é como o azeite, vem sempre ao de cima”, sempre ouvimos dizer. As distintas densidades (a massa a dividir pelo seu volume) da água e do azeite, que originam a sua imiscibilidade, são remetidas para uma moral de comportamento: azeite e verdade são duas realidades que acabarão por flutuar: o azeite, pela sua menor densidade relativamente à água; a verdade, sabe-se lá por que caminhos, espero que venha sempre à tona dos dias e dos acontecimentos.

Esta correcta sabedoria é mais acertada na sua componente física uma vez que na vertente moral a sua eficácia revela graves lacunas. Pelo menos no que vou observando nos dias que correm.

Outros exemplos existem da relação sabedoria popular vs. Ciência, mas a tarde está soalheira…

Referência:

Van Riper, A. B. 2002. Science in Popular Culture: A Reference Guide. Greenwood Press. ISBN 0-313-31822-0.

Imagens: daqui e daqui

Dinossauros: Velhos Mitos (I)

Depois do período de férias, alguns percalços e mudanças a nível profissional (que a seu tempo revelarei), retomo o Ciência Ao Natural com o texto que publiquei ontem no Diário de Coimbra.

Este texto surge como resultado do projecto de António Piedade “Divulgação de Ciência na Imprensa Regional”. A ele e ao Diário de Coimbra o meu obrigado.

A Formiga e a Europa

ResearchBlogging.org(Publicado no jornal Barlavento, 28 de Julho de 2011)
Os tempos mudaram.
O que se dizia de Esquerda e viu o país afundar, afastou-se.
Por cá e, verdade seja dita, um pouco por toda a Europa, os sinais da crise económica e de valores são cada vez mais ensurdecedores.
A Europa afunda-se?
Talvez. Porque é cada um por si e, pensamos nós erradamente, a Comissão Europeia por todos.
Falta-nos um verdadeiro esforço conjunto, uma causa que nos cimente, que nos una.
A solução para o dilúvio existencial e económico que se aproxima passa por aprendermos não com os gurus da Economia, os visionários da Tecnologia ou outros quaisquer bruxos, mas com… uma formiga, mais concretamente a Solenopsis invicta.

Apesar do seu nome comum ser formiga-de-fogo, há muito que um comportamento deste animal na água desperta a curiosidade dos biólogos. Originária da América do Sul, embora esteja distribuída um pouco por todo o mundo, esta formiga reage a inundações formando pequenas jangadas cujos constituintes são as próprias formigas.
Um estudo recente da Universidade de Geórgia Tech revelou que, de uma forma absurdamente simples, as formigas da espécie Solenopsis invicta em momentos de inundação conseguem sobreviver graças à sua união.
Se individualmente as formigas apresentam uma capacidade hidrofóbica razoável, sendo capazes de flutuar, essa capacidade é muito maior se se unirem.
Nos momentos em que as águas tudo invadem, e esses momentos são frequentes nas florestas tropicais, as formigas unem-se literalmente às suas companheiras, cravando as suas mandíbulas e exercendo forças 400 vezes superiores ao seu peso corporal, formando assim uma verdadeira jangada.
Esta jangada, revela o estudo, é uma massa viscosa e elástica formada por “moléculas” que são as próprias formigas. A estrutura flutua graças à sua capacidade para repelir as moléculas da água, muito maior quando as formigas-de-fogo se unem às suas irmãs.
Desta forma, a sobrevivência deste animal passa pelo colectivo e não pelo individual. Este comportamento foi quantificado e modelado pelos investigadores, que foram assim capazes de comprovar as vantagens evolutivas das jangadas de formigas-de-fogo.
O modo invejável como a Solenopsis invicta faz frente aos dilúvios poderá servir para a velha Europa e para Portugal.
Tudo o que recentemente se passou de momento não interessa.
O que agora interessa é não nos afundarmos mais ainda com a inundação não prevista, não tratada, enfim… não cuidada.
O que a Europa desconhece ou não quer ver é que a salvação individual passa pela salvação colectiva.
Que abdicar de alguma parte do grupo, ou de um país, não é a solução, antes o apressar do fim.
Somos apenas quando fazemos parte, quando o somos em grupo, apesar e com a nossa individualidade, seja da pessoa, seja do país.
Sozinhos aguentamos, até cairmos por fim.
Em grupo venceremos.

Referência Mlot, N., Tovey, C., & Hu, D. (2011). Fire ants self-assemble into waterproof rafts to survive floods Proceedings of the National Academy of Sciences, 108 (19), 7669-7673 DOI: 10.1073/pnas.1016658108
Imagem: adaptada do artigo. Esquerda – o carácter moderadamente hidrofóbico de um indivíduo de Solenopsis invicta. Direita – a jangada submersa pelos investigadores revelando bolsa de ar.
Vídeo – material suplementar do artigo.

Dinossauros e as Aves

ResearchBlogging.orgContinuação de Dinossauros: Novas Técnicas, Velhos Mitos (2)
Desde a descoberta, em 1861, do Archaeopteryx lithographica, animal que apresentava características comuns às aves e aos répteis, os paleontólogos percorreram uma verdadeira cruzada científica para provar que as aves descendiam dos dinossauros. O Archaeopteryx apresentava verdadeiras asas e penas, o que o classificava como ave, mas, simultaneamente, podia-se observar que as suas asas apresentavam garras e o seu bico tinha uma série de dentes.
A partir de meados da década de 80 do século passado, várias descobertas têm completado o traArchaeopteryx (Large).jpgjecto de parentesco entre aves e dinossauros. A maioria dessas descobertas foi feita em jazidas chinesas, mas não só. Contudo, antes de apresentar estas novas “contratações” é importante referir que tanto o Archaeopteryx, como a maioria dos exemplares chineses, procedem de um tipo especial de jazida designada, a partir do alemão, de Konservat-Lagerstatten.
Estas jazidas, pelas suas características geológicas, apresentam a propriedade de preservar em detalhe estruturas frágeis como, por exemplo, asas de insecto, pêlos de mamíferos e, importante para se perceber a evolução das aves, também as penas e os seus ossos frágeis. Se o Archaeopteryx procedia de um Konservat-Lagerstatten da Baviera alemã, a maioria das preciosidades paleontológicas que foram descobertas apenas a partir de 1984, são oriundas das jazidas de Liaoning, no nordeste da China [8].
500px-Archiesizeall1.svg.pngOs paleontólogos de vertebrados costumam afirmar, em jeito de brincadeira, que podemos esperar quase tudo de Liaoning. A inveja salutar subjacente a este comentário não minimiza, contudo, a realidade científica excepcional que os achados de Liaoning representam, tendo estes servido para comprovar quase todas as etapas evolutivas dos dinossauros para as aves, numa realidade científica sem precedentes.

Confuciusornis
, Changchengornis, Eoconfuciusornis ou Sinornis são algumas das espécies de aves primitivas que foram descobertas nas jazidas chinesas, podendo as morfologias corporais das aves actuais ser observadas nestes exemplares fósseis.
Para além das penas, outras características anatómicas, como um bico córneo, banal nas aves da actualidade, pode ser observada pela primeira vez no grupo de aves primitivas a que pertencem Confuciusornis ou Eoconfuciusornis, espécies que viveram num intervalo temporal que se estendeu entre os 120 e os 131 milhões de anos.
A presença de penas assimétricas, características de um voo activo, já pode ser observada nalgumas aves primitivas de Liaoning.
Confuciusornis sanctus and Eoconfuciusornis (Large).jpg
Apesar da enorme diversidade de aves primitivas provenientes da China, outros países têm contribuído para esta saga de conhecimento da transição evolutiva dinossauros-aves. Na jazida de Las Hoyas, em Cuenca, Espanha, foram descobertos os vestígios que permitiram classificar outra ave primitiva – Iberomesornis romerali [9].
Esta espécie contribuiu para a compreensão dos mecanismos de voo das primeiras aves, já que é uma ave que apresenta o que se designa por fúrcula, estrutura óssea que permite que os membros anteriores das aves executem os movimentos de voo semelhantes aos das aves modernas. Iberomesornis apresentava também as vértebras caudais distais fundidas, tal como as aves modernas.
Mas outros exemplares de aves primitivas foram descobertos e descritos pela equipa de paleontólogos da Universidad Autónoma de Madrid, como Concornis lacustris e Eoalulavis hoyasi.
Recentemente, Las Hoyas revelou outra das etapas evolutivas, desta vez não das aves, mas ainda dos dinossauros não-avianos, com a apresentação de Concavenator corcovatus, o mais antigo dinossauro com evidências de penas na sua anatomia [10].
Se os exemplos de aves primitivas apresentados e respectiva sequência de características anatómicas próximas às modernas atestam parte do percurso evolutivo destes animais, também é possível verificar nos dinossauros ditos não-avianos algumas particularidades anatómicas comuns à linhagem aviana, das quais saliento a presença de penas em várias espécies de dinossauros.
A maioria dos não-especialistas apontaria a presença de penas como condição suficiente para a classificação de um animal como ave, já que esta estrutura não é encontrada actualmente em mais nenhum grupo zoológico. Contudo, o registo fóssil de penas em grupos de dinossauros não-avianos tem vindo a crescer, quer na quantidade de dinossauros descritos, quer na sua antiguidade.
Dinossauros como Sinosauropteryx, Shuvuuia, Beipiaosaurus, Caudipteryx, Sinornithosaurus ou Microraptor apresentavam penas, de diversos tipos e em zonas corporais distintas.
Microraptor, dinossauro datado de há 128 milhões de anos, revelava penas não só nos membros anteriores, mas também nos membros posteriores, avançando alguns paleontólogos que este dinossauro poderia ter apresentado um padrão de voo planado semelhante ao observado em alguns mamíferos planadores actuais.
No próximo post abordarei o aparecimento do voo e das penas.
Para já um vídeo sobre o Archaeopteryx que apesar de algumas pequenas imprecisões serve para introduzir este importante exemplar da história evolutiva das Aves aos mais novos

Referências:
[8] Hou, L. & Liu, Z. 1984. A new fossil bird from Lower Cretaceous of Gansu and early evolution of birds. Scientific Sinica (Series B) 27(12): 1296-1302.
[9] Sanz, J., Bonapartet, J., & Lacasa, A. (1988). Unusual Early Cretaceous birds from Spain Nature, 331 (6155), 433-435 DOI: 10.1038/331433a0
[10] Ortega F, Escaso F, & Sanz JL (2010). A bizarre, humped Carcharodontosauria (Theropoda) from the lower cretaceous of Spain. Nature, 467 (7312), 203-6 PMID: 20829793
Imagens:
1Archaeopteryx lithographica a) vista lateral do esqueleto; b, c) crâneo em vista lateral; d) mandíbula inferior direita com dentes; e) penas.
Imagem compósita adaptada de figura 9.2. de Benton, M. J. (2004) Vertebrate Palaeontology, 3rd Edition ISBN: 978-0-632-05637-8 e de figura 10.5 de Fastovsky, D. E. and Weishampel, D. B. (2009) Dinosaurs: A Concise Natural History. Cambridge University Press ISBN 978-0-521-71902-5.
2– os vários exemplares de Archaeopteryx comparados com o ser humano. Daqui.
3– a) Esqueleto de Confuciusornis sanctus, reconstituição (canto inferior esquerdo) e detalhe de pena caudal (canto superior direito). Imagem compósita adaptada de Chiappe et al. 1999. b) Crâneo e mandíbula de Eoconfuciusornis zhengi. Imagem de Zhang et al. 2008.

Da Graça e da Natureza

sh_130_slide_1.jpgDa graça e da natureza, mais uma achega.
Um vídeo terrivelmente belo.

Loom

Dinossauros: Novas Técnicas, Velhos Mitos 1

Figura de Rodrigues, L.A. 2009. Sauropodomorpha (Dinosauria, Saurischia) appendicular skeleton disparity: theoretical morphology and Compositional Data Analysis.

Figura de Rodrigues, L.A. 2009. Sauropodomorpha (Dinosauria, Saurischia) appendicular skeleton disparity: theoretical morphology and Compositional Data Analysis.

ResearchBlogging.org
fig1_a (Large).jpgNota: Este texto, dividido em vários posts a serem publicados nas próximas semanas, decorre da palestra proferida no dia 31 de Outubro de 2009, no Museu de Arqueologia da Amadora, e que tenho proferido nos últimos anos em vários locais e para vários tipos de público.
Como tal, não pretende ser uma cópia integral e fidedigna do que tenho apresentado, antes sim uma breve súmula das questões abordadas, tanto mais que muito do material audiovisual exposto não é aqui apresentado.
Este artigo tem como objectivo, mais do que responder a muitas questões que surgem no âmbito da Paleobiologia de Dinossauros, ser uma breve resenha de dois pontos distintos do conhecimento em dinossauros, servindo de introdução quer aos mais recentes avanços científicos e tecnológicos no estudo dos dinossauros, quer ao entendimento sua importância social.
A primeira parte abordará sobretudo questões científicas do campo de conhecimento que é a Paleobiologia de Dinossauros, com particular atenção às técnicas mais recentes de investigação nesta área do conhecimento.
A segunda parte deste texto lidará com o papel que os dinossauros desempenham na cultura popular, em campos tão distintos como o cinema, a música ou a mitologia.
1 NOVAS TÉCNICAS
Antes de se exemplificarem as mais modernas técnicas de estudo destes animais extintos é importante responder à seguinte pergunta: o que são dinossauros?
fig1_b (Large).jpgOs dinossauros são um grande grupo de animais, quer em termos de diversidade (número de espécies), quer em disparidade morfológica (tamanhos e formas corporais), que ocuparam praticamente todos os ecossistemas terrestres durante o Mesozóico (aproximadamente entre os 250 e os 65 milhões de anos).
Estes animais apresentaram um grande número de modos de vida – havia-os carnívoros, como o famoso Tyrannosaurus, ou herbívoros, como o Iguanodon; os que viviam em grupo, como alguns saurópodes, ou os que, aparentemente, viviam de forma solitária; os que se movimentavam de forma bípede, como o Deinonychus, ou os que eram quadrúpedes, como o Triceratops. Se uma das características mais referidas quando se fala de dinossauros é o seu enorme tamanho, pois existiam dinossauros com mais de 30 metros de comprimento e centenas de toneladas, como o Argentinosaurus [1], também é certo que existiram vários dinossauros de tamanho muito mais reduzido, como o Microraptor, com poucas dezenas de centímetros de comprimento [2].
De hábitos exclusivamente terrestres, à excepção dos grupos que foram antepassados das actuais aves, os dinossauros são muitas vezes confundidos com outros animais seus contemporâneos, como os pterossauros – répteis voadores e os ictiossauros, plesiossauros ou mosassauros – estes três últimos grupos répteis aquáticos.
Ao nível do parentesco biológico, os dinossauros fazem parte de um grupo de animais amniotas designado de Archosauria, que inclui, para além dos pterossauros, ictiossauros ou mosassauros, também os crocodilos e as aves.

O sucesso evolutivo dos dinossauros, que se estendeu por quase 200 milhões de anos, pode ser explicado por vários factores, entre os quais e apenas a título de exemplo, a locomoção mais eficiente do que a de outros grupos contemporâneos e o desenvolvimento de tamanhos gigantescos.
Este enorme sucesso biológico pode ser igualmente atestado pela vasta diversidade de espécies e géneros que a Paleontologia já identificou .
Desde que, em 1824, foi proposto o nome do primeiro dinossauro, Megalosaurus bucklandi, por William Buckland (1784 – 1856), os últimos quase 200 anos foram de constante descoberta, descrição e aprofundamento de conhecimento, quer da anatomia, comportamento, alimentação ou mesmo da locomoção destes animais.
Nos próximos posts apresentarei alguns exemplos de investigações recentes que têm contribuído para um maior conhecimento, quer da biologia, quer dos comportamentos, de um dos grupos animais que mais fascínio exerce sobre o ser humano: os dinossauros.
CONTINUA

Referências:
[1] Bonaparte J. & Coria R. 1993. Un nuevo y gigantesco sauropodo titanosaurio de la Formacion Rio Limay (Albiano-Cenomaniano) de la Provincia del Neuquen, Argentina. Ameghiniana 30 (3): 271-282.
[2] Xu, X., Zhou, Z., & Wang, X. (2000). The smallest known nonavian theropod dinosaur Nature, 408 (6813), 705-708 DOI: 10.1038/35047056
Imagens:
Figura 1a) Úmero de Brachiosaurus brancai (Museu de História Natural de Berlim, Alemanha) comparado com úmero de Homo sapiens sapiens. Imagem: Luís Azevedo Rodrigues.
Figura 1b) Úmero de Gyposaurus sinensis (Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia, Pequim, China). Imagem: Luís Azevedo Rodrigues.
Figura 2 Relações filogenéticas de Amniota (cladograma simplificado). Figura de Rodrigues, L.A. 2009. Sauropodomorpha (Dinosauria, Saurischia) appendicular skeleton disparity: theoretical morphology and Compositional Data Analysis. Universidad Autónoma de Madrid, Madrid – Spain, Supervised by Professor Angela Delgado Buscalioni and Co-supervised by Professor Jeffrey A. Wilson, University of Michigan, Ann Arbor. December 2009. ISBN 978-84-693-3839-1.