Apanhados no radar
(interrupção esporádica do pousio)
O suor corre-lhe pela cara, vendando-o quase por completo. Corre, tentando escapar aos sons ensurdecedores que, atrás de si, estão cada vez mais perto. As pernas não lhe respondem, indo atrás e à frente como pêndulos de um relógio acelerado. Atrás de si, as patas do perseguidor não param, mas a sua amplitude é maior do que a da presa. A distância entre ambos é cada vez menor, não havendo tempo para fugas ou ocultações na vegetação.
Esta cena podia ser de um qualquer filme, mas não é. É parte do imaginário que se pode fazer a partir dos dados científicos publicados a 22 de Agosto.
Biólogos e paleontólogos da Universidade de Manchester propõem velocidades diferentes das até aqui propostas para os sáurios extintos.
Utilizando modelos computacionais – algoritmos evolutivos – baseados em dados de animais actuais (como, por exemplo, a ave corredora australiana Ema), foram propostas novas velocidades máximas para algumas espécies de dinossáurios. Segundo esta modelação, o Compsognathus, com apenas 3 kg de peso, podia atingir uma velocidade de mais de 60 km/h, ou seja superior a qualquer animal bípede actual.
Tal como os atletas de alta-velocidade ou os jogadores de futebol, também a velocidade máxima atingida pelos dinossáurios é um factor de extrema importância. A fuga da presa ou o sucesso do predador estão dependentes da velocidade e contribuem para um maior ou menor sucesso evolutivo dos animais envolvidos.
Mas como calcular a velocidade de animais que nunca cruzaram uma meta?
Desde há mais de um século que os paleontólogos têm tentado estimar as velocidades atingidas pelos dinossáurios.
Estas estimativas têm sido propostas a partir de medição de pegadas e do passo obtido na pista, do estudo da estrutura (forma e tamanho) anatómica dos dinossáurios e destas com as de animais actuais, cálculos das forças suportadas pelos matérias envolvidos (leia-se ossos), localização das inserções musculares, entre outros métodos.
Pressente-o. Imagina o toque, tentando olhar de soslaio. Apesar de correr sente-se gelado. Muda de direcção subitamente. Ganha alguma distância.
Trabalhos de John Hutchinson e colegas da Royal Veterinary College em Londres tinham sugerido, em 2002, para a impossibilidade de o T. rex poder atingir velocidades superiores a 40 km/h. Apesar de não muito estimulante, quando comparada com as velocidades atingidas nas nossas auto-estradas, é de referir que Francis Obikwelu atinge “apenas” idênticos 40 km/h.Animais grandes não se deslocam necessariamente mais velozmente que animais pequenos. Veja-se por exemplo os elefantes. Segundo Hutchinson, os elefantes não correm; apenas aumentam a cadência do seu andar, adquirindo uma maior velocidade. Este investigador calculou ainda que para um T. rex atingir uma velocidade de 70 km/h necessitaria possuir 86% do seu peso total em músculo – um autêntico Schwarzenegger, biologicamente pouco viável!
Para além destas impossibilidades na ligeireza, também as mudanças súbitas de direcção necessitariam de segundos para serem efectuadas, impossibilitando o grande dino de súbitas mudanças de direcção.
O terreno era agora lamacento. Escorregou, ficando prostrado no meio do lodo e sedimentos. Atrás de si, o ruído das passadas diminuiu de cadência.
As velocidades, inferidas a partir das medições feitas nos rastos de pegadas, são normalmente baixas. Estas medições tradicionalmente deixavam entender que os dinossáurios eram animais lentos.
Em Portugal a velocidade máxima inferida a partir de pegadas é de cerca de 14 km/h num trilho de terópode (dinossáurio carnívoro e bípede) do Cabo Espichel. Rastos de dinossáurios saurópodes, como o dos da Pedreira do Galinha, apresentam velocidades máximas de 5 km/h. No entanto estes dados não significam que os dinossáurios eram animais lentos. O que os paleontólogos explicam é que as condições geológicas para a preservação das pegadas (icnitos) são diferentes das necessárias á preservação dos ossos. Os sedimentos favoráveis à preservação daquelas marcas são os de ambientes lamacentos ou semelhantes. Nestes ambientes a movimentação é mais difícil pois existe o risco de o animal escorregar. Assim, é natural que as velocidades de deslocação calculadas a partir de pegadas de dinossáurios sejam, na sua maioria, velocidades baixas.
Por algum motivo o som abrandava atrás de si. Estava cada vez mais distante. Escapara, no meio da lama.
Referências
Hutchinson, J. & Garcia, M. 2002. Tyrannosaurus Was Not a Fast Runner. Nature 415: 1018-1021.
Hutchinson, J.R., D. Schwerda, D. Famini, R.H.I. Dale, M. Fischer, R. Kram. 2006. The locomotor kinematics of African and Asian elephants: changes with speed and size. Journal of Experimental Biology 209: 3812-3827
Sellars, W.I. & P.L. Manning. 2007. Estimating dinosaur maximum running speeds using evolutionary robotic. Proceedings of the Royal Society B. DOI: 10.1098/rspb.2007.0846
Cidades sem pessoas – II
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 03/08/2007 – segunda e última parte)
Os derrotados
Os perdedores biológicos do nosso abandono serão vários.
Sem a presença humana, as cidades e zonas próximas serão mais um ambiente a explorar. Manadas de vacas à solta serão um manancial meigo para lobos e raposas.
Estas serão uma fonte de alimento fácil para todo o tipo de predadores, que se aproximarão cada vez mais dos ambientes urbanos.
Cadáveres de porcos, por alimentar, serão fonte de alimento para todo o tipo de necrófagos. Algumas das aves, como os corvos, habituais em ambientes urbanos mais a norte, invadirão inicialmente as urbes, alimentando-se das carcaças. Este ciclo será apenas momentâneo, uma vez que sem o factor humano presente a fonte de alimento em putrefacção condicionará aqueles vencedores fugazes.
As galinhas com sua capacidade de se geo-orientarem, recentemente descoberta, não encontrarão caminho para uma salvação evolutiva. Voadoras débeis, serão para o futuro sem humanos o que o Dodó foi para o séc. XXI humanos – uma recordação…Mas e os odiados ratos e ratazanas? Dependentes dos desperdícios alimentares humanos, estas espécies de mamíferos declinarão, servindo de refeição a vários predadores.
As baratas, de quem se diz serem capazes de sobreviver a um ataque nuclear, terão igualmente a vida difícil, pois os ambientes humanos aquecidos e com comida disponível terão desaparecido. Em especial no hemisfério norte, como atesta Alan Weisman no seu recente livro “World without us”, as fontes de calor permitem que aqueles insectos rastejantes vivam em cidades com Invernos rigorosos.
Outros insectos, como gorgulhos e traças, anteriormente muito abundantes em quase todos os continentes, entrarão em declínio; as fontes de alimentos que as sustentavam (essencialmente cereais) acabarão pouco a pouco.
Uma incógnita evolutiva serão as formigas. Connosco partilhavam os ambientes citadinos, apossando-se de alguns dos nossos domínios. Carreiros de obreiras invadiam as casas, procurando todo alimentos para transportarem para as suas colónias. Contudo, devido ao seu carácter social, terão maior facilidade em se adaptar a ambientes desprovidos de sobras humanas.
No cômputo geral, verificar-se-á um acréscimo na biodiversidade bem como o lento restabelecimento das dinâmicas estruturais dos ecossistemas, dos ciclos biogeoquímicos e das alterações climáticas.
As zonas florestadas das cidades, até agora remetidas a parques ou passeios, alastrarão por áreas cada vez maiores, contribuindo com galhos e folhas para que a matéria orgânica depositada no solo (ou no cada vez menor alcatrão disponível) seja abundante.
Todo este combustível orgânico será um potencial alimentador de incêndios, originados por relâmpagos ou por curto-circuitos dos sistemas eléctricos sem manutenção. Ao fim de alguns anos, os incêndios terão alterado o aspecto das cidades, destruindo construções e mobiliário urbano.
A estatuária, distintiva de qualquer ambiente citadino, será, pouco a pouco, tragada pelo correr do tempo. As estátuas, em especial as de calcário ou mármore, serão lentamente meteorizadas por chuvas carregadas de dióxido de carbono, que dissolverão o carbonato de cálcio de que são feitas. Faces, membros e corpos serão arrastados pelas águas que caem do céu, levando as memórias de monarcas e poetas para os rios e o mar. Este fenómeno será geologicamente rápido, ou seja, escassas centenas de anos.O mesmo fenómeno ocorrerá nos revestimentos dos edifícios. O outrora imponente e belo granito polido dará lugar a uma estrutura que se desagrega – fenómeno originado pela alteração dos feldspatos em argilas.
A ponte sobre o Tejo, sem manutenções regulares, entrará num processo de desagregação. Mesmo a sua estrutura reforçada, que outrora permitia a circulação de comboios, não evitará o seu colapso.
Segundo William Rathje, da Universidade de Stanford, arqueólogo especializado em desperdícios humanos, ao fim de 10000 anos ainda será possível ler os jornais do último dia dos seres humanos na Terra. Em ambientes anóxicos (sem oxigénio), como aqueles em que os jornais são cobertos por sedimentos, os constituintes do papel permanecem inalteráveis, à semelhança do que ocorreu com os papiros com mais de 3000 anos.
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=5NvDhNZNSBk]
Ao fim de 15000 anos, os últimos de vestígios de edifícios serão tragados pelo avanço de glaciares que uma nova Idade do gelo originará.
Os níveis de dióxido de carbono só ao fim de cem mil anos atingirão níveis idênticos ao do período pré-industrial.
Apenas ao fim de 35000 anos terão desaparecido os últimos vestígios de chumbo, acumulados ao longo de dezenas de anos de utilização automóvel.
Passados dez milhões de anos, as únicas marcas da nossa fugaz passagem pelo planeta serão, por
exemplo, estátuas de bronze, como a do Rei Dom José I, no Terreiro do Paço.
Apenas a sua forma contemplará o Tejo (ou o local onde este estaria) num planeta sem seres humanos…
Referências
Marchante, E. Comun. pess.
Weisman, A. 2007. The World without Us. St. Martin’s Press.
Western, D. 2001. Human-modified ecosystems and future evolution. PNAS vol. 98 n.10 5458-5465.
Imagens (dos dois posts “Cidades sem pessoas” – links nas imagens)
Cidades sem pessoas – I
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 02/08/2007 – continua amanhã)
Cidade sem Sono
Ninguém dorme no céu. Ninguém, ninguém.
Não dorme ninguém.
As criaturas da lua cheiram e rondam as choupanas.
Virão iguanas vivas morder os homens que não sonham
e o que foge com o coração partido encontrará pelas esquinas
o incrível crocodilo imóvel sob o frouxo protestos dos astros.
(…)
Um dia
os cavalos viverão nas tabernas
e as formigas furiosas
atacarão os céus amarelos que se refugiam nos olhos das vacas.
Outro dia
veremos a ressurreição de mariposas dissecadas
e ainda, ao andar por uma paisagem de esponjas pardas e barcos mudos
veremos brilhar nosso anel e brotar rosas de nossa língua.
Alerta! Alerta! Alerta!
Aos que guardam ainda pegadas de garra e aguaceiro,
àquele rapaz que chora porque não sabe a invenção da ponte
ou àquele morto que já não tem mais que a cabeça e um sapato,
há que levá-los ao muro onde iguanas e serpentes esperam,
onde espera a mão mumificada do menino
e a pele do camelo se eriça com um violento calafrio azul.
(…)
Não dorme ninguém pelo mundo. Ninguém, ninguém.
Já o disse.
Não dorme ninguém.
Mas se alguém tem de noite demasiado musgo nas têmporas,
abri os alçapões para ver sob a lua
as falsas taças, o veneno e a caveira dos teatros.
Federico García Lorca
Este poema e um artigo no último número da Scientific American fizeram-me imaginar as cidades portuguesas sem os representantes da espécie humana.
De um momento para o outro e por qualquer motivo desconhecido, todas as pessoas desaparecem das cidades; surgirão vencedores e vencidos biológicos, no contexto citadino definitivamente abandonado pelos seus criadores.
No momento em que pela primeira vez a população urbana portuguesa ultrapassou a população rural, a especulação sobre o que aconteceria num ambiente urbano sem portugueses é curiosa, apresentando-se como uma realidade que deveremos tomar em atenção.
No I Congresso Europeu de Conservação Biológica, em 2006, foi discutido que “com metade da população mundial a viver actualmente em cidades e a previsão de 60% em 2030, o ambiente urbano é um dos pontos principais da agenda global de ambiente e de conservação.”
Mas o que se passaria nas nossas cidades, após o desaparecimento de todos os portugueses?
Os vencedores
Entre os vencedores biológicos deste omnicídio estão os mosquitos, que sem campanhas de extermínio, e aproveitando-se de zonas húmidas, aumentarão exponencialmente o seu número. Esses insectos alimentar-se-ão de animais como as aves. Estas, sem cabos de alta-tensão e arranha-céus (entretanto destruídos, por falta de manutenção), poderão voar livremente.
Todos os anos os arranha-céus são responsáveis pela morte de 1000 milhões de aves, só nos EUA. Para Daniel Klem Jr., ornitólogo do Muhlenberg College, o revestimento em vidro dos edifícios das cidades constitui um fenómeno “indiscriminado, eliminando aptos e não-aptos”. As aves colidem com aquelas estruturas, pois não as conseguem identificar, por serem espelhadas, vendo apenas o céu ou árvores reflectidas. Segundo este investigador, só a destruição de habitats tem um impacto mais negativo sobre as aves.
E os nossos animais de estimação?
Os gatos contam-se entre os prováveis vencedores do período pós-humano, caçando pequenos mamíferos, insectos e aves, à semelhança do que fazem actualmente. Gradualmente aumentarão de tamanho, competindo directamente com outros predadores.
Os cães poderão ter dois destinos. As raças de comportamento dominante agrupar-se-ão em matilhas, à semelhança do que ocorre hoje em dia, em matilhas de cães assilvestrados. Desta forma poderão sobreviver, readquirindo alguns comportamentos ancestrais dos lobos, percorrendo ruas e avenidas em busca de presas. Presentemente, os cães abandonados são responsáveis por ataques a rebanhos que ocorrem no nosso país, embora os proprietários prefiram responsabilizar o lobo-ibérico…
Na minha opinião, os cães mais dóceis ou pequenos serão remetidos para nichos ecológicos reduzidos, ou terão como destino a extinção. O meu Labrador provavelmente não se safaria…
Flora exótica como espanta-lobos (Ailanthus altíssima), robínia (Robinia pseudoacacia), acácia-de-espigas (Acacia longifolia) e árvore-do-incenso (Pittosporum ondulatum) existem nas nossas cidades, tendo sido aí introduzidas para ornamentação de jardins, arborização de espaços urbanos e sebes.
A espanta-lobos é proveniente da China, produzindo até 350 000 sementes anualmente. Além de extremamente agressiva para as plantas autóctones, liberta toxinas que impedem o desenvolvimento de vegetação em seu redor.
Sem campanhas de erradicação, algumas plantas exóticas substituirão definitivamente as plantas originais, colonizando cada vez maiores áreas e modificando a paisagem natural.
Segundo Elizabete Marchante, do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, “desde há pouco tempo, começou a surgir em espaços urbanos outra espécie (Sesbania punicea) que, apesar de ainda não ser invasora em Portugal, é uma invasora perigosa em ecossistemas com clima idêntico.”As árvores vencedoras do abandono humano ocuparão a maioria das ruas ao fim de dois a quatro anos. As suas raízes irão destruir progressivamente asfalto e passeios, bem como a rede de água e esgotos, contribuindo para o cada vez maior esquecimen
to dos vestígios humanos.
Nada do aspecto actual das cidades será mantido. Se houvesse alguém para o descrever, veria um ambiente caótico em que as marcas de construção humana seriam, pouco a pouco, engolidas pela vegetação.
(continua amanhã)
“Monstros Marinhos” e rigor científico
“Não perca esta oportunidade de conhecer répteis marinhos ancestrais e as mais recentes teorias sobre as causas que terão provocado a sua extinção!
A exposição está dividida em quatro cenários distintos que apresentam a Terra, em termos geológicos, enquanto planeta em constante mudança e os seus mecanismos de evolução.”
Decidi efectuar esta análise a esta exposição após uma visita informal durante a qual constatei variados erros/omissões/incorrecções científicas.
A análise e revisão feitas estão sistematizadas em seguida.
A exposição é constituída por diversos painéis com breve descrição de criaturas marinhas – a maioria extinta – de grande tamanho: o principal critério unificador.
Não existem fósseis ou réplicas dos exemplares apresentados, apesar de estes serem, na sua maioria, unicamente conhecidos pelo registo fóssil.
Uma das ideias mais promissoras e com “valor de mercado” é a intitulada Cultura Pop – Percepções Culturais e a sua relação com conceitos científicos, neste caso num contexto de criaturas marinhas.
Este conceito, apesar de promissor, não foi suficientemente aproveitado, sendo a sua abordagem limitada a um painel em que é referida, introdutoriamente, a influência daquelas criaturas no imaginário colectivo.
De realçar a excelente qualidade gráfica das ilustrações, sempre com escala humana, que muito contribuem para o aspecto geral, agradável e apelativo.
Descrevo seguidamente, de forma que não pretende ser exaustiva, algumas das várias incorrecções/omissões/falhas científicas detectadas, documentadas por fotos.
– Critérios pouco uniformes na designação científica dos exemplares, por exemplo: nomes de grupos genéricos (“Notossauro”, “Ictiossauro”) misturados com espécies, uma vezes identificadas (Thalassomedon haningtoni) outras vezes não, apenas pelo género (Dakosaurus, Henodus, Platypterigius).
– Na parte final (em termos do movimento do público) é apresentada num painel representativo, de forma resumida e cronológica, a história, quer geológica, quer biológica, da Terra. Este painel poderia explorar os intervalos temporais relativos de cada uma das fases da História da Terra, ou seja, cada um dos sub-painéis poderia ter um tamanho proporcional à sua amplitude temporal.
– Estando os períodos temporalmente mais próximos do presente antropomorficamente sobreavaliados, poderia ter-se feito um destaque, com painel isolado, revelando pormenores biológicos/geológicos destes períodos.
– “primeiros tetrapódios” – deveria ser primeiros tetrápodes ou Tetrapoda
– “Pangea” e “Pangeia” – utilizados de forma não coerente: deveria ter-se utilizado Pangeia.
– Thalassomedon haningtoni, assim designada em inglês, surge como Thalassomedon hanington em português, o que dá a sensação de que o nome da espécie se altera do português para inglês.
– “Plioceno” em vez de Pliocénico – todas as referências deveriam ser Pliocénico (período geológico entre os 5.3 e 1.8 milhões de anos).
– “Paleoceno” em vez de Paleocénico – todas as referências deveriam ser Paleocénico (período geológico entre os 65 e 55 milhões de anos).
– “Triássico” em vez de Triásico – todas as referências deveriam ser Triásico (período geológico entre os 251 e 200 milhões de anos).
– “Carbonífero” em vez de Carbónico – todas as referências deveriam ser Carbónico (período geológico entre os 359 e 299 milhões de anos).– Dunkleosteus, mencionado como primeiro animal com reprodução sexuada e com comportamento canibal.
Em relação ao facto de ser canibal, faltaria acrescentar a informação de que este comportamento foi inferido a partir de marcas de mandíbulas encontradas num crâneo de Dunkleosteus. Uma vez que este animal seria o maior predador da época, os paleontólogos deduziram que só outro elemento daquela espécie poderia ter infligido tal marca – faltaria adicionar, de forma breve, esta inferência paleontológica.
No que diz respeito à afirmação de que seria o primeiro animal com reprodução sexuada, qualquer pessoa com um mínimo de formação biológica sabe que esta afirmação carece de qualquer sentido. Quereriam os autores referir-se a primeiros animais com dimorfismo sexual?
Uma das ilustrações Dunkleosteus tem como texto de suporte “…comia tudo o que via.” Esta afirmação, apesar de talvez apelativa, parece-me exagerada do ponto de vista biológico, podendo cair facilmente na especulação não-científica.
– “Eric leptocleidus” – esta espécie não existe, tendo sido confundido o nome informal “Eric” dado a um exemplar do género Leptocleidus, descoberto na Austrália.
“Período Câmbrico”
– “…maioritariamente organismos marinhos” – toda a vida existente neste período da Terra era exclusivamente marinha, uma vez que a “invasão” terrestre só aconteceu muito mais tarde.
– A frase, geradora de confusão, é contradita pelo cartaz “Ordovícico”, onde se afirma “vida apenas nos mares…” (ver comentários a esta afirmação em “Período Ordovícico”)
– “Trilobites – fósseis indicadores” – é verdade, mas falta referir de que é que são indicadores – de idade geológica, de ambiente ou de que outro tipo de informação.
– “Myllokunmingia” – faltaria acrescentar o nome completo (Myllokunmingia fengjiaoa, a sua idade (530 milhões de anos) e a proveniência (China, província de Kunming)
“Período Ordovícico”
–“…começa com clima não muito intenso e alta humidade” – a aparente falta de sentido desta frase somente pode ser justificada pela má tradução de “milder” para “não muito intenso”.
–“vida apenas nos mares com, inicialmente, níveis muito altos” – níveis muito altos de quê?
– É representada uma trilobite designada por “Trilobite Gigante”, enquanto um escorpião-marinho já é apresentado como Megalograptus – faltaria a designação científica desta espécie.
“Período Triásico”–“…anfíbios labirintóides” – os anfíbios pertencentes ao grupo Labyrinthodontia têm como designação em português Labirintodontes. Para além disto, é referido que este grupo de anfíbios se extingue no final do Triásico: esta afirmação é incorrecta, uma vez que se conhece pelo menos uma espécie deste grupo – o Koolasuchus cleelandi, do Cretácico inferior da Austrália, prolongando-se, assim, o registo paleontológico dos Labirintodontes (cerca de 55 milhões de anos mais tarde do que referido).
–“dinossauros dominam depois da extinção” – até ao final do Triásico, as faunas dominantes eram outros grupos, que não os dinossauros – por exemplo, os grupos Rhynchosauria, répteis herbívoros, os Aetosauria, também herbívoros, e os carnívoros Phytosauria, entre outra fauna.
– traduziu-se “ferns” por abetos, quando deveria ser fetos.
– é referido, no painel deste período, que teria surgido o primeiro tubarão, quando o primeiro representante conhecido do grupo dos tubarões, Doliodus problematicus, data do Devónico inferior (cerca de 200 milhões de anos mais cedo do que referido).
Conclusão
Esta exposição tem como ponto mais positivo apresentar o tema (raramente abordado no contexto de exposições em Portugal) do registo de vertebrados marinhos mesozóicos – leia-se fauna contemporânea dos dinossáurios mas mas não pertencendo a este grupo.
O ponto mais negativo é a deficiente revisão científica e tradução dos texto dos painéis.
Se se tivesse tido o mesmo cuidado na apresentação e descrição das espécies passadas como o que o Oceanário tem nas espécies presentes, esta exposição poderia constituir um marco idêntico aos das exposições que esta instituição tem levado a cabo no passado.
Faltou-lhe mais formação paleontológica…
P.S.- o Oceanário de Lisboa inaugurou, no passado dia 15 de Junho de 2007, a exposição “Monstros Marinhos”; este texto foi enviado ao Oceanário de Lisboa, a 10 de Julho de 2007, não tendo tido eu, até ao momento, qualquer resposta.
Imagens – links nas imagens
Vão-se as malas mas ficam as sopas!
Tratamentos diferentes a membros de Archosauria…
“BEIJING (Reuters) Chinese police have saved 270 crocodiles from ending up as shoes or handbags after tracking a suspicious boat on a border river, Xinhua news agency said on Monday.”
“HOUSTON (Reuters) Texas turtles ending up in China soup pots”
Não foi falta de comparência…foi KO!
Ao contrário do que se pensava os dinossauros não dominaram todo o Mesozóico (251-65 milhões de anos).
Os vertebrados terrestres dominantes eram outros.
Até ao final do Triásico, algumas das faunas dominantes eram, por exemplo, os grupos Rhynchosauria, répteis herbívoros, os Aetosauria (1, 2), também herbívoros, e os carnívoros Phytosauria.
Entre os representes mais antigos do clado Dinosauria contam-se o Herrerasaurus ischigualastensis e o Eoraptor lunensis, ambos procedentes de jazidas da Formação Ischigualasto do Triásico superior Argentina.
Para além das análises filogenéticas que proporcionaram formular, permitindo perceber o enquadramento dos vários elementos basais de Dinosauria, aquelas duas espécies revelaram igualmente pormenores anatómicos que permitem compreender a evolução locomotora do grupo*.
A transição entre as faunas de não-dinossáurios para um domínio faunístco de dinossáurios, ao nível de diversidade e ocupação de ecossistemas, deu-se, segundo a revista Science, de forma diferente e menos rápida do que se supunha**.
O grupo de paleontólogos que apresentou estes resultados propôs que essa substituição faunística, ao nível de vertebrados terrestres, ter-se-à dado não só mais lentamente mas também de forma distinta em vários locais do planeta.
Os vertebrados terrestres dominantes, pensava-se, teriam entrado em declínio, permitindo assim que os secundários dinossauros ocupassem os nichos ecológicos abandonados.
Mas o que propõem os paleontólogos é que ambas as faunas – dominantes e dinossauros – coexistiram durante um período grande de tempo – 15 a 20 milhões de anos.
O que se verificou , por outras palavras, foi uma vitória por KO (adaptativamente os dinossauros foram melhores) e não uma vitória por falta de comparência (as faunas até aí dominantes coexistiram com os dinossauros e não se extinguiram previamente ao aparecimento daqueles).
* – Ao contrário do que sucedeu com os mamíferos, cujos elementos conhecidos (alguns exemplos 1, 2 , 3) mais primitivos eram todos quadrúpedes, a locomoção original nos dinossauros era a locomoção bípede.
**- A associação faunístca estudada e que permitiu estes resultados foi a da Formação Chinle do Triásico superior do Novo México, nos EUA.
Referências:
Langer, M.C., Benton, M.J. 2006. Early dinosaurs: a phylogenetic study.Journal of Systematic Palaeontology 4 (4): 309–358
Sereno, P. 2007. The phylogenetic relationships of early dinosaurs: a comparative report. Historical Biology, 2007; 19(1): 145–155
Randall B. Irmis, Sterling J. Nesbitt, Kevin Padian, Nathan D. Smith, Alan H. Turner, Daniel Woody, Alex Downs. A Late Triassic Dinosauromorph Assemblage from New Mexico and the Rise of Dinosaurs. Science 20 July 2007: Vol. 317. no. 5836, pp. 358 – 361
DOI: 10.1126/science.1143325
Imagens – capa da revista Science de 20 de Julho de 2007; ©Carlos Papolio 2006
Cada vez mais altriciais…*
Antes, ia aos correios, com 6 ou 7 anos, pagar as contas ou levantar uma encomenda à minha mãe.
Andava de uma lado para o outro, ia a casa dos meus amigos desafiá-los para jogar à bola ou simplesmente para passear.
Agora, sobrinhos com o dobro da idade que eu tinha quando circulava sozinho, têm cada vez menos autonomia.
Vão às discotecas, mas são “deixados e levantados” à porta; passam horas ao telemóvel com os amigos, mas raramente os vêm, fora das câmaras da net; não aparecem lá por casa, marcam-se horas.
Agora, na idade adulta, saímos cada vez mais tarde do tecto dos pais; casamos mais tarde; temos filhos mais tarde;…
Estaremos a ficar cada vez mais altriciais?
Ou as ameaças dos “predadores” cada vez mais intensas?
Ou apenas paranóicos?
* o grau de desenvolvimento e de dependência das crias em relação aos progenitores pode ser diverso.
Basta comparar um vitelo (precocial- bem desenvolvido e ao fim de pouco tempo já se desloca autonomamente) com as crias de coelho (altricial – com um grau de desenvolvimento baixo e completamente dependentes dos progenitores).
Imagens – “Views of a Fetus in the Womb”, Leonardo da Vinci ; e daqui com diversos vídeos e textos.
Da Tanzânia para Berlim – nova exposição de dinossáurios
O Museu de História Natural de Berlim reabriu a sua exposição de dinossáurios.
Para bem dos meus pecados, no mês que lá passei em 2006, grande parte do material de saurópodes estava desmontado, facilitando-me a digitalização e estudo de Brachiosaurus, Barosaurus, Plateosaurus e Dicraeosaurus.
A equipa canadiana que os remontou, trabalhava num enorme armazém (mesmo ao lado do arquivos da cinemateca alemã!!!) o que me obrigava a passar o tempo entre as caves do Museu e o dito armazém.
Agora já pode ser vista a fauna proveniente, sobretudo, das jazidas de Tendaguru, Tanzânia.
“Foram os alemães nos anos 20 do séc. XX, em especial expedições lideradas por Janensch, os principais exploradores das jazidas da Tanzânia.”
a). – úmero de Brachiosaurus com Homo sapiens a servir de escala.
b) aspecto do armazém de remontagem; Brachiosaurus remontado (foto Der Spiegel)
Imagens – Luís Azevedo Rodrigues (duas primeiras)