Tomada de decisão I: Centralização

Muitos pesquisadores vivem o seguinte dilema: Centralizo todas as decisões do laboratório ou delego? Mas e se meu bolsista ou estagiário fizer tudo errado? Será que já posso confiar no fulano para tomar conta disso? São perguntas difíceis de responder.

Trataremos dos conceitos: Centralização, Descentralização e Delegação numa série de posts que começa hoje e sairá nas próximas duas quintas. O grande desafio dos pesquisadores é atingir um equilíbrio entre esses ingredientes para proporcionar um ambiente de trabalho agradável e ao mesmo tempo produtivo.

 

CENTRALIZAÇÃO

Quem é o imperador do seu laboratório? Fonte: wikipedia

 

Centralização pode ser definido como concentrar a tomada de decisões exclusivamente na alta esfera administrativa. No caso do seu laboratório, seria deixar as decisões exclusivamente na mão do pesquisador principal, que as transformará em comandos “de cima pra baixo” sem muito espaço para questionamentos ou negociação.

A centralização é muito comum em grupos de pesquisa porque, em geral, eles envolvem um pesquisador principal e um conjunto de elementos com menor formação e/ou com estadia transitória. Vamos imaginar uma estrutura padrão: Um professor pesquisador, um técnico de nível médio, um pós-doc, dois doutorandos, dois mestrandos e quatro bolsistas de IC. Tirando o técnico, que não tem muito conhecimento teórico, temos outros nove personagens que ficarão no laboratório por no máximo quatro anos. Isso dificulta a formação de relações de confiança muito ampla de forma a partilhar a tomada de decisões, mas não pode ser uma desculpa para isso. Basta imaginar que grandes empresas hoje diminuiram muito a centralização, mas que a rotatividade dos empregos é de cerca de cinco anos.

Quatro vantagens da centralização:

  • As decisões são tomadas por pesquisadores com uma visão global e de longo prazo do laboratório.
  • Normalmente estas pessoas já são mais treinadas, ou pelo menos têm mais prática, para tomar decisões; o que torna estas decisões mais consistentes.
  • Eliminação dos esforços duplicados reduz os custos operacionais. Um pesquisador centralizador coordena as saídas de campo de seus pós-graduandos para economizar viagens.
  • Certas funções, quando centralizadas, provocam maior especialização e aumento de habilidade do tomador de decisão.

E quatro desvantagens:

  • Quem está próximo dos resultados finais do processo não é quem toma as decisões. O pesquisador vai preferir trocar a cadeira de seu escritório sem saber a falta que outra cuba de eletroforese faz.
  • Ocorre um distanciamento do tomador de decisão, lá no topo e sobrecarregado das decisões que precisa tomar, e o “baixo clero”, envolvido nas tarefas do dia-a-dia. O que gera sensação de solidão para o pesquisador principal e opressão para os outros.
  • Problemas de comunicação surgem com maior frequência devido à hierarquia. No mínimo haverá demora na comunicação e no máximo divergências e erros. Funciona como a brincadeira do telefone sem fio: o pesquisador informa o pós-doc, que informa os doutorandos, que fala com os mestrandos…
  • Pesquisadores nos níveis mais baixos ficam frustrados porque estão fora do processo decisório. Além disso, privados de tomar decisões, dificilmente aprenderão a fazê-lo quando assumirem seu próprio laboratório.

Discussão - 5 comentários

  1. RK7 disse:

    "Tirando o técnico, que não tem muito conhecimento teórico..."

    Desvalorização do técnico? Sim. Ditadura do diploma? Com certeza. Responsabilidades jogadas para o técnico? Todas.
    Reconhecimento de seu trabalho? Nenhum: o doutor é quem assina afinal, não é?

    Mas muitas vezes é só isso que faz: assina.

    O que eu já vi de pos-doc que não sabe fazer uma titulação...
    O que eu já vi de "mestre" que não sabe usar uma câmara de neubauer...

    • Eduardo Bessa e Cristina Brasão disse:

      RK7, foi uma generalização, claro. Repare que dissemos que é um técnico de ensino médio. Você tem razão quando diz que os técnicos têm sim muitíssimo conhecimento e realizam um trabalho primordial, um trabalho técnico primordial. Ele deve sim ser reconhecido, existe toda uma equipe dependendo dele. Em geral, no entanto, não é um trabalho teórico. Conhecemos alguns técnicos de nível superior que se envolvem na parte mais teórica e que inclusive assinam a publicação no final, excelentes pesquisadores. Eles chamam para si responsabilidades e a delegação de tarefas mais teóricas (leiam os próximos posts). Mas, reforçamos, o técnico em geral é contratado para atividades não teóricas; apenas técnicas, operacionais.

    • Eduardo Bessa disse:

      Só a título de provocação. Não sei se eu vejo um problema num mestre não saber usar uma câmera de Neubauer ou num pós-doc não saber titular uma solução. O que acham?

  2. Caros Eduardo e Cristina,

    Sua postagem parte do pressuposto que as decisões e atribuições estão todas muito bem estabelecidas. Hum. Não sei se nos laboratórios tudo funciona assim de maneira tão definida. Pelo menos não no meu. Minha experiência é a seguinte, e a partir dela faço algumas generalizações.

    No meu ver, se um pesquisador quiser realizar atividades outras além de realizar pesquisa e dar aulas, ele tem que delegar. Não é possível que tenha que tomar todas as decisões, como decidir onde comprar papel toalha, ou qual a marca de cloreto de sódio mais adequada para a finalidade que deve ser utilizada, ou a temperatura do banho que deve ser utilizada para realizar a incubação de um experimento, e até chamar um técnico para consertar um aparelho. Se não tiver um técnico, os alunos vão ter que dividir as responsabilidades, pois o professor, em princípio, deverá viajar para participar de congressos, participar de reuniões, exercer alguns cargos e participar de comissões, etc.

    Vocês dizem que “temos outros nove personagens que ficarão no laboratório por no máximo quatro anos”. Mas não é esta a dinâmica de um grupo de pesquisa. Na verdade, durante estes quatro anos, alguns alunos irão embora e outro se agregarão ao grupo, tornando o processo contínuo. Estabelecer uma cultura de divisão de responsabilidades é, então, imperativo. E nesse ponto a responsabilidade é do orientador. Não adianta delegar o “estabelecimento desta cultura, de divisão de responsabilidades”, a um técnico ou a um pós-doc. Simplesmente pode não acontecer, por inúmeras razões. A autoridade do orientador é intransferível, e não pode ser delegada. Notem que estou falando de autoridade, e não de autoritarismo, ou de centralização das tomadas de decisões.

    Quanto aos quatro pontos finais:

    - Se o orientador está distante dos resultados finais, a pesquisa ou não vai dar certo ou será de má qualidade. Infelizmente não estamos no primeiro mundo. Acredito que somente em grupos de pesquisa muito bem estruturados o orientador pode estar distante dos resultados finais, e tudo dar certo. Mas acredito que aqui no Brasil isso seja mais exceção do que regra.

    - Se este distanciamento provoca as consequências que você enumera, isso será um desastre. Nenhum bom grupo de pesquisa pode funcionar desta forma.

    - Por isso reuniões de grupo periódicas (semanais? Quinzenais?) são tão importantes. E o orientador deve estar verificando continuamente se o trabalho experimental está sendo bem feito, de outra forma haverá consequências nefastas.

    - Daí a importância das reuniões de grupo. Recentemente quis mudar o nome do meu grupo, e enviei uma mensagem por e-mail, pedindo sugestões. Fizemos uma reunião de grupo, e eu apresentei as minhas sugestões. Discutimos, demos risada com as possíveis siglas, chegamos a um consenso. Todos participaram.

    Para terminar: após 20 anos de academia minha experiência me diz que, se o professor/pesquisador gosta de fazer pesquisa, ele deve fazer pesquisa. Deve abdicar de outras atividades (possíveis de serem abdicadas) para isso, e poder se dedicar ao seu grupo de estudantes, a discutir artigos, buscar soluções para os problemas do laboratório, dos experimentos de campo, dos experimentos, enfim, se envolver. Porém, o mais importante é o orientador estabelecer uma boa relação com seus orientandos. Sem uma boa relação com todos, fica difícil.

    • Eduardo Bessa disse:

      Berlinck, vou responder só em meu nome porque não conversei a respeito com a Cristina. Primeiramente, fico muito feliz de saber que você leu nosso post e se deu ao trabalho de escrever um comentário enorme. Obrigado. Tive que aprovar seu comentário ontem e reler o post e seu comentário hoje para ver se perdi alguma coisa. Se entendi bem, acredito que concordamos em quase tudo. Não sei se entendi bem o que você quis dizer com decisões e atribuições muito bem estabelecidas, mas vamos lá. Perceba que esse é o 1o de 3 posts, acredito que parte do que você discutiu será retomado nos dois próximos.
      Concordo plenamente que o cientista não pode centralizar tudo. Aliás, acho que como pesquisadores principais, centralizamos mais do que deveríamos. Sabemos que o processo com os pós-graduandos é um fluxo contínuo e que delegar é imperativo, veja o post da próxima quinta. Outra coisa que discutiremos no 3o post é que delegar não é se isentar de responsabilidade, daí a importância desse acompanhamento estreito que você mencionou com as reuniões. O orientador acompanha tudo, mas vasculhe todas as micropipetas do laboratório e você pode não encontrar as impressões digitais dele em nenhuma. O problem acomeça se você vasculhar todos os papers do laboratório e não encontrar em nenhum deles as ideias do pesquisador principal, só linkando com o comentário do RK7.
      Em resumo, acho que concordamos na verdade. Se tiver me perdido nas suas ideias prossiga a discussão.

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