O outro lado da moeda

Como vocês sabem, sou administradora desde sempre, mas no último semestre resolvi encarar um novo desafio: entrar em sala de aula em um curso de graduação. Depois da maternidade, decidi ficar em casa durante um ano me dedicando exclusivamente ao bebê, mas depois de tanto tempo estava sentindo falta de voltar ao trabalho. Ainda sentia que meu filho precisava muito de mim, eu não queria deixa-lo sozinho o dia todo na escolinha, então surgiu esta oportunidade: ser professora na Universidade trabalhando uma carga horária semanal de 20 horas, desta forma poderia ficar com meu pequeno e ao mesmo tempo produzir um bom trabalho intelectual em meio período.
O primeiro passo para quem quer dar aula em universidade é escolher a instituição. Eu escolhi trabalhar em uma instituição pública e para isso eu deveria passar por um processo seletivo muito parecido com os de concurso público para professor efetivo. Resolvi então conhecer o outro lado da moeda: uma administradora virando cientista e claro, tive algumas dificuldades que relato abaixo.

O outro lado da moeda


Logo depois de passar no seletivo começam as atividades do semestre com a semana pedagógica. Esta semana serve para que o departamento tome algumas decisões antes do início do semestre, planeje atividades coletivas, datas especiais, eventos etc. Serve para dar um rumo para os professores durante aquele semestre que está iniciando. A ideia é ótima, no entanto muitas coisas que foram discutidas ali eram indecifráveis, isso porque a instituição não oferece um processo de integração dos novos contratados, ou seja, você é contratada(o) e começa trabalhar, mas quais são as regras do jogo? Como funciona a instituição? Quais são seus deveres e obrigações? Você deve lançar todas as atividades desenvolvidas com os alunos no sistema, ok? Ok, mas qual sistema? Como faço para ter acesso a ele? Vou receber algum treinamento? Enfim… a instituição parte do princípio que você já conhece o funcionamento de tudo, quando na verdade você precisa de apoio.
O passo seguinte será preparar o seu planejamento da disciplina, que deverá estar guiado pela ementa, mas não obrigatoriamente cumprir apenas o que está descriminado ali. Este planejamento tem o nome de plano de ensino, que deverá conter o planejamento de quais conteúdos você pretende trabalhar para cumprir a ementa, qual a ordem dos conteúdos, quais atividades serão desenvolvidas e definir como serão realizadas as avaliações dos alunos. Levando em consideração uma disciplina padrão de 60 horas semestrais com aula duas vezes por semana, significa que você deverá fazer isso para 30 aulas em 3 disciplinas (padrão da minha instituição). Minha instituição me forneceu os planos de ensino trabalhados nos semestres anteriores por outros professores, mas de todos que eu recebi, apenas um me ajudou neste trabalho, os outros eram muito abrangentes, ou pouco detalhados ou trabalhavam a disciplina de um jeito que eu não concordava, enfim também tive que aprender “na marra” a fazer o tal plano. Esta dificuldade em fazer o plano de ensino, na minha opinião é por causa da falta de padronização por parte da instituição, que não define qual o nível de detalhamento necessário.
Planejamento elaborado, agora é só preparar as aulas e entrar em sala de aula! Para mim, a maior dificuldade foi logo no início estabelecer a quantidade de conteúdo que deveria ser tratada em cada aula para fazer caber no tempo. Minhas aulas sempre ficavam longas demais, ou seja, sobrava conteúdo no final da aula, isso porque eu estava acostumada com aulas muito densas (ministradas em treinamentos corporativos). Então quando for entrar em sala pense principalmente em qual é a profundidade de cada tema. Quanto tempo um aluno de graduação levará para resolver um problema? Lembre-se que muitos alunos são muito jovens, e além de não possuírem experiência profissional, não possuem experiência de vida, que muitas vezes nos ajuda bastante.
Agora sim, você finalmente poderá entrar em sala. A primeira experiência pode ser assustadora, para mim não foi tanto porque estava super acostumada com treinamentos corporativos, mas é bom destacar que as dinâmicas de curso e de universidade são completamente diferentes. Enquanto em cursos corporativos há uma homogeneidade entre os participantes e um interesse destacado, na universidade, o grupo é extremamente heterogêneo e o professor deverá identificar rapidamente o que motiva cada aluno ou pelo menos a maioria da turma para conseguir a atenção deles. É interessante também que cada turma apresenta uma dinâmica própria, às vezes a mesma disciplina, com os mesmos conteúdos e aulas apresentam resultados muito diferentes em turmas diferentes. Passei por turmas excelentes, com alunos motivados, interessados, dedicados e passei pelo outro extremo com alunos desmotivados, sem nenhum interesse. Tive turmas que me desafiavam a aprender cada vez mais e outras que não me motivavam. Alunos com quem aprendi muito e outros que foram completamente indiferentes. Aí está o grande desafio. O que pega cada um? E jogo aqui uma discussão: de quem é a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso em sala de aula? Somente do professor? Dos alunos? E qual o papel da instituição nesta história? Este é um assunto para discutirmos em outro post.
Tentei manter com meus alunos uma relação respeitosa e de igual para igual, no entanto pude perceber que nem todos os professores assumem esta postura. Também percebi que alguns alunos jogam com os professores o tempo todo, na tentativa de manipulá-los para obter algum tipo de vantagem, mas na grande maioria das vezes, esta relação é bastante saudável e recompensadora. Eu acredito no diálogo. É importante saber ouvir quais são as necessidades dos alunos. Seja rápido para identificar se algo não está saindo conforme você planejou e converse com eles, mais vale gastar uma aula para “discutir a relação” e ajustar tudo dali para frente que continuar no ritmo planejado sem que os alunos acompanhem.
É gratificante iniciar o semestre com alunos praticamente sem nenhum conhecimento naquela disciplina e terminar o semestre com alunos mais maduros e com opinião própria baseada em argumentos teóricos e científicos. A minha experiência com gestão de pessoas e liderança de equipes me ajudou muito porque eu entrei em sala não com o objetivo de ensinar conteúdos, mas com o objetivo de desenvolver pessoas, então o meu foco era que eles deveriam sair da minha disciplina melhores do que eles entraram e isso significava passar por um processo de aprendizagem sim, mas principalmente passar por um processo de transformação pessoal e profissional.
Também entrei em sala de aula com o objetivo de inovar nas aulas, e na área de administração isso significa fugir das intermináveis aulas teóricas. No início os alunos ficaram um pouco assustados, mas depois aderiram ao projeto e foi um sucesso! Utilizei algumas alternativas: criei um grupo secreto na Facebook para cada turma e ali postava materiais, reportagens, filmes e eles tinham um prazo para postar comentários e discutir com a turma os seus pontos de vista; usei aula invertida (vídeos com aula teórica em casa e atividade prática em sala); teatro; criação de paródias sobre a matéria; produção de vídeos sobre a teoria; gincanas, quizz, painéis dinâmicos e outras atividades; elaboração de eventos; simulações de situações reais em sala de aula etc.
Passei por muitas dificuldades, a pior delas foi a solidão. Senti que a profissão de professor é muito solitária, dificilmente tem com quem trocar ideias, ou porque não tem ninguém que trabalhe aquele tipo de conteúdo para você debater ou porque simplesmente seus colegas não têm tempo para te ouvir, todos estão na sala de professores ou pelo departamento apenas de passagem, já que a carga horária em sala de aula na minha instituição é bastante alta. O trabalho é entre você e seus alunos. Feliz daquele professor que consegue além de tudo ter uma boa relação com eles. Apesar dos problemas e dificuldades o que valeu a pena foi ver a transformação dos alunos, foi o encantamento com estratégias didáticas inovadoras, foi ver o desempenho dos pupilos em atividades desafiadoras e saber que de alguma forma pude fazer a diferença na vida de alguns deles. Formar pessoas é de uma responsabilidade sem tamanho, plantar uma sementinha do bem no coraçãozinho deles é bom demais!

Discussão - 1 comentário

  1. Camyla disse:

    Foi contaminada pelo prazer de transformar! Seja bem vinda, espero que nunca mais abandone essa prazerosa missão. Afino embaixo de todo mas sempre estaremos lutando por algo diferente!!!!

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