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Paleontologia e Pokémon: Conheça os animais que inspiraram os Pokémon fósseis!

Esta contribuição foi feita pelo aluno de graduação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) chamado Rodolfo Otávio dos Santos. Atualmente ele se encontra no 6º período do curso de Ciências Biológicas e está estagiando no Laboratório de Paleontologia da UFU (https://www.facebook.com/PaleoUFU).

Devido ao seu interesse na área e de auxiliar na divulgação sobre tais assuntos, ele seguirá contribuindo com mais postagens sobre os mais variados tópicos. Rodolfo fez sua primeira contribuição tratando sobre a discrepância entre a abundância de dinossauros na Argentina x Brasil (aqui). Hoje ele traz um tema bastante atual e interessante, que é a relação dos Pokémon com os animais fósseis já descobertos, que servem de inspiração para os referidos monstrinhos. Divirtam-se!

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Criada pelo japonês Satoshi Tajiri há 20 anos, Pokémon é uma das mais bem sucedidas franquias de mídia de todos os tempos. Tudo começou no ano de 1996, com o lançamento dos jogos Pokémon Green e Pokémon Red, ambos para Game Boy, um videogame portátil da Nintendo. De lá pra cá, a franquia cresceu, e além de jogos engloba mangás, jogos de cartas, filmes e o anime (POKÉMON COMPANY, 2016), que foi o responsável pela popularização de Pokémon em diversos países, inclusive o Brasil, sendo praticamente unanimidade entre as crianças no início dos anos 2000. Recentemente, com o lançamento do jogo Pokémon GO, a franquia ficou novamente em evidência, e ao que tudo indica marcará a infância de uma nova geração de crianças ao redor do planeta.

O universo da franquia gira em torno dos seres chamados Pokémon, abreviação do termo Pocket Monsters (Monstros de bolso), que podem ser capturados e treinados por seres humanos (POKÉMON COMPANY, 2016). Os Pokémon, em sua maioria, são baseados em animais, porém alguns são inspirados em plantas, objetos e até mesmo criaturas mitológicas. Neste texto, discutirei sobre uma categoria especial de Pokémon, os Pokémon fósseis, que foram baseados em organismos fósseis reais!

De maneira semelhante ao que ocorre no mundo real, também existem fósseis no universo Pokémon, formados a partir dos restos orgânicos de seres vivos, em sua maioria já extintos. Porém, diferentemente da nossa realidade, no mundo Pokémon existe a possibilidade de trazer esses Pokémon de volta à vida, através de máquinas que utilizam o DNA contido em seus fósseis. Ao todo, são 11 tipos que podem ser encontrados nos jogos, e considerando suas evoluções, temos um total 21 Pokémon pré-históricos.

Os Pokémon ressuscitados dos fósseis sempre possuem o tipo Pedra (Rock), porém não está claro se isso é um efeito colateral do processo de renascimento ou se eles já apresentavam esse tipo originalmente no passado (O que poderia tornar o processo de fossilização mais fácil de ocorrer). De qualquer forma, o motivo deles possuírem o tipo Pedra é uma referência direta ao fato de que os fósseis são encontrados principalmente nas rochas sedimentares.


AerodactylNome: Aerodactyl (Aero – Ar, em grego e Pterodactyl – um gênero de Pterossauros).

Tipo: Rock/Flying
Obtido a partir do Old Amber (Uma possível referência ao filme Jurassic Park)

Aerodactyl é um Pokémon baseado nos Pterossauros, uma ordem de répteis que viveu durante a Era Mesozóica, sendo contemporâneos aos Dinossauros, porém formando um grupo separado (ou seja, os Pterossauros não eram Dinossauros). Dentre o grupo dos Pterossauros, aqueles que mais se assemelham ao Aerodactyl são os Rhamphorhynchoidea (pronuncia-se Ranforrincóide), caracterizados por possuírem boca com dentes pontiagudos e uma longa cauda óssea. Assim como nos Pterossauros, as asas do Aerodactyl são formadas a partir do prolongamento do 4º dedo, sendo recobertas por uma membrana que permitia a sustentação durante o voo. Outra característica comum de muitos Pterossauros (como o famoso Pteranodon) e presente no Aerodactyl são as cristas no crânio, cujas funções variavam desde atração sexual até controle da temperatura e direcionamento do voo (KELLNER; CAMPOS, 2002).Muito do conhecimento científico acerca dos Pterossauros foi produzido por pesquisadores brasileiros, pois há cerca de 110 milhões de anos os céus do nosso país eram dominados por esses animais (para mais informações sobre este assunto no livro escrito por Alexander W. A. Kellner intitulado “Pterossauros os senhores do céu do Brasil”).

Uma pesquisa recente revisando especimes previamente atribuidas a espécie Pterodactylus scolopaciceps foram realocadas em um novo gênero chamado Aerodactyl, em homenagem ao Pokemon homônimo aqui apresentado (VIDOVIC; MARTILL, 2014; veja também uma postagem sobre o assunto aqui no blog).

Omanyte e OmastarNomes: Omanyte e Omastar (estes nomes são uma derivação de Amonite, sendo que em Omastar há também uma referência ao formato de estrela star, devido a forma dos tentáculos do Pokémon).

Tipo: Rock/Water

Obtido a partir do Helix Fossil

Omanyte e Omastar são baseados nos Amonites, grupo de Moluscos Cefalópodes carnívoros (mesmo grupo das lulas e polvos), que surgiram há 400 milhões de anos, durante um período conhecido como Devoniano, e foram extintos no final do Cretáceo, na famosa extinção que também vitimou os dinossauros não-avianos. Os Amonites possuíam uma concha formada por Carbonato de Cálcio, em formato espiral, possuindo várias câmaras. Essa concha funcionava como um submarino, enchendo-se de líquido ou de gases, controlando a flutuação do animal na água (DAVIS et al., 1996), de forma similar ao cefalópode moderno Nautilus, que apesar de parecido com os amonitas é um parente distante. Omanyte e Omastar possuem numerosos tentáculos, assim como as criaturas em que foram inspirados. Adicionalmente, Omastar possui espinhos em sua concha, de forma semelhante às ornamentações presentes nas conchas de alguns Amonites, cuja função, segundo os paleontólogos, está relacionada ao dimorfismo sexual (DAVIS et al., 1996).

Kabuto e KabutopsNomes: Kabuto e Kabutops (Kabuto é o nome dado aos capacetes utilizados pelos samurais).

Tipo: Rock/Water

Obtido a partir do Dome Fossil

Kabuto e Kabutops, diferentemente da maioria dos Pokémon fósseis, são inspirados em criaturas ainda viventes, os Límulos, conhecidos popularmente como caranguejo-ferradura (apesar do nome, são mais aparentados às aranhas e escorpiões do que aos caranguejos). Os primeiros Límulos surgiram no planeta por volta de 450 milhões de anos atrás, e por manterem uma morfologia externa semelhante à de seus antepassados fósseis, os Límulos são chamados de fósseis vivos, embora esse termo não tenha nenhuma validade científica (ROMANO; RIFF; OLIVEIRA, 2007). São animais marinhos, dotados de uma carapaça com função de proteção, muito semelhante à de Kabuto, e diferentemente do Pokémon, apresentam uma cauda (Telson), além de apresentarem olhos apenas na região dorsal. Já Kabutops não parece ter sido inspirado em nenhum organismo fóssil específico, possuindo uma forma de um artrópode com características humanas (presença de apenas quatro membros e bípede). Os Límulos são muito conhecidos por sua migração anual para a costa norte americana, onde milhares de indivíduos buscam se reproduzir (SHUSTER; BARLOW; BROCKMANN, 2003). Além disso, compostos extraídos do seu organismo tem mostrado muito potencial farmacêutico, o que torna esses animais muito valiosos do ponto de vista econômico (HURTON, 2003).

Lillep e CradilyNomes: Lillep e Cradily (Do inglês Lily, pois foram baseados nos Lírios do mar).

Tipo: Rock/Grass

Obtido através do Root Fossil

Lillep e Cradily, assim como Kabuto e Kabutops, são baseados em organismos ainda viventes, os Lírios do mar, que apesar do nome são animais do mesmo grupo das Estrelas e Pepinos do mar, os Equinodermos. Durante o período chamado de Ordoviciano (cerca de 440 milhões de anos atrás) os Lírios do mar surgiram e se diversificaram bastante, sendo muito mais abundantes do que nos dias atuais (BAUMILLER, 1993), o que justifica o fato de terem sido utilizados como base de Lillep e Cradily. Os Lírios do mar se alimentam por meio de filtração, com a ajuda de seus numerosos braços que possuem várias ramificações (pínulas e pódios), responsáveis por levar o alimento até a boca, que fica na porção central do corpo. Os Lírios do mar são capazes de se movimentar por conta de seus cirros, estruturas localizada na base do corpo, semelhantes a uma raiz, que também são responsáveis pela fixação desses animais em rochas (ROCHA, 2006). Diferentemente dos Lírios do mar, Lillep e Cradily apresentam olhos, além de ocelos (manchas na pele em formato de olhos, encontradas em muitos animais, como algumas espécies de borboletas) também estarem presentes em Cradily. O tipo Grama é uma clara referência ao fato desses animais se assemelharem às plantas.

Anorith e ArmaldoNomes: Anorith e Armaldo (Anorith é a junção de Anomalocaris, animal no qual o Pokémon foi baseado e lith, sufixo que significa rocha; enquanto Armaldo é uma referência à Armor, armadura em inglês).

Tipo: Rock/Bug

Obtido através do Claw Fossil

Anorith e Armaldo são baseados num predador marinho pré-histórico conhecido como Anomalocaris, que viveu há 515 milhões de anos e foi um dos primeiros grandes predadores da Terra. Assim como o Anomalocaris, Anorith e Armaldo possuem projeções localizadas na lateral de seus corpos, chamados de lóbulos, que são utilizadas para impulsionar o animal na água. A “garra” dos Pokémon também é encontrada no Anomalocaris, sendo uma projeção utilizada para capturar as presas e leva-las a boca, que tinha um formato de disco (PETERSON, 2011). Os olhos compostos estavam localizados no final de pedúnculos laterais, sendo muito parecidos com os olhos dos  camarões atuais, embora os olhos dos Pokémon sejam normais. Ao evoluir, Armaldo adquire características não encontradas no Anomalocaris, possuindo um aspecto mais terrestre. Ambos Pokémon possuem o tipo Inseto, uma referência por serem baseados em animais que possuem íntimo parentesco com os Arthropoda (grupo em que estão incluídos os insetos).

Cranidos e RampardosNomes: Cranidos e Rampardos (Cranidos é derivado de Crânio, característica marcante dos Pachycefalosaurus, os dinossauros que serviram de inspiração aos Pokémon, enquanto Rampardos pode ser uma referência à palavra Rampage, que significa “ficar com raiva” em português).

Tipo: Rock

Obtido através do Skull Fossil (provável referência ao tipo de fósseis encontrados e referidos a Pachycefalosaurus)

Cranidos e Rampardos foram inspirados nos Pachycefalosaurus (lê-se Paquicefalossauros), um gênero de dinossauros que pertencem ao grupo Pachycephalosauridae, conhecidos por seus crânios peculiares, muito espessos, cheios de protuberâncias ósseas e com uma estrutura em forma de domo no topo, que segundo os paleontólogos era utilizada pelos machos em disputas por fêmeas ou território (BARRET, 2005). Ambos os Pokémon herdaram todas as principais características dos Pachycefalosaurus, incluindo os espinhos no crânio e o comportamento de utilizar a cabeça como principal arma de ataque e defesa.

Shieldon e BastiodonNomes: Shieldon e Bastiodon (O nome Shieldon é derivado de shield, escudo em inglês, enquanto Bastiodon vem da palavra bastion, baluarte em português, uma construção defensiva cercada por muralhas, muito utilizada na Europa a partir do séc. XV).

Tipo: Rock/Steel

Obtido através do Armor Fossil

Shieldon e Bastiodon foram baseados num grupo de dinossauros herbívoros muito conhecido, os Ceratopsídeos (grupo que inclui o famoso Triceratops). A principal característica destes dinossauros, também presente nos Pokémon, é a presença de uma estrutura no crânio em forma de escudo, que tinha um papel muito importante na defesa desses dinossauros contra seus predadores (BARRET, 2005). Shieldon parece ter sido inspirado num pequeno Ceratopsídeo conhecido como Protoceratops, por conta de seu pequeno tamanho e ausência dos chifres no crânio, que eram muito comuns nos Ceratopsídeos mais primitivos. Já Bastiodon parece ter sido inspirado no Chasmosaurus, uma espécie consideravelmente maior, que possuía espinhos no topo do escudo, característica compartilhada pelo Pokémon. Outra característica marcante do escudo de Bastiodon é a presença de “desenhos”, sendo que estes adornos também estavam presentes no Chasmosaurus. Porém sua função ainda é tema de discussão entre os paleontólogos, com alguns defendendo se tratar de uma estrutura que regula a temperatura corporal, enquanto outros argumentam que seria utilizada para atração sexual (BARRICK, 1998). Também é possível notar a semelhança do escudo do Bastiodon com a parede dos castelos medievais, com seus desenhos lembrando janelas.

Tirtouga e CarracostaNomes: Tirtouga e Carracosta (O nome Tirtouga é baseado em Tortuga, tartaruga em espanhol; enquanto Carracosta provavelmente faz referência à carapaça característica do grupo e à costa litorânea, local de nascimento das tartarugas marinhas).

Tipo: Water/Rock

Obtido através do Cover Fossil

Tirtouga e Carracosta são baseadas em Tartarugas, um grupo de animais que surgiu na Terra há aproximadamente 220 milhões de anos, caracterizados principalmente por sua carapaça, que é formada a partir da fusão das vértebras e costelas e recoberta com placas dérmicas. Apesar de aparentemente não serem baseadas em nenhuma tartaruga fóssil específica, é possível notar algumas pequenas semelhanças de Tirtouga com a Protostega gigas, uma espécie de tartaruga marinha que viveu há cerca de 84 milhões de anos, e assim como o Pokémon possuía depressões em seu casco (STEMBERG, 1903). Já Carracosta possui um aspecto mais terrestre, tendo as pernas traseiras adaptadas para andar, e não para nadar, de maneira similar às jabutis, animais intimamente aparentados com as tartarugas, porém de hábito terrestre. Seu grande tamanho, no entanto, é uma possível referência à Archelon ischyrus, maior espécie de tartaruga de todos os tempos, medindo cerca de 4 metros (WIELAND, 1896). É válido lembrar que várias espécies de tartarugas marinhas viventes corre risco de extinção, principalmente por conta da poluição dos oceanos (sobre programas de proteção às tartarugas visite o projeto TAMAR).

Archen e ArcheopsNomes: Archen e Archeops (O nome dos dois Pokémon é baseado em Archaeopteryx, um dinossauro muito semelhante às aves, que possuía asas, bico e penas).

Tipo: Rock/Flying

Obtido através do Plume Fossil (provável referência ao holótipo de Archaeopteryx, que consiste de uma única pena fossilizada)

Archen e Archeops são baseados num dos animais pré-históricos mais importantes já encontrados, o Archaeopteryx. Sua descoberta foi de grande ajuda à Teoria da Evolução, fornecendo fortes evidências de que os as aves seriam descendentes dos dinossauros, mais especificamente aqueles de um grupo chamado Theropoda (O mesmo dos famosos Tyrannosaurus e Velociraptor). Os dois Pokémon possuem todas as características mais marcantes do Archaeopteryx, como as asas ainda com garras, penas, cauda óssea e o bico com dentes (BARRET, 2005). O nome Archaeopteryx significa “Pena antiga”, nome este proposto pelo fato do primeiro fóssil encontrado, assim como ocorre nos jogos, conter apenas uma pena fossilizada. Archeops, além de se basear no Archaeopteryx, também parece ter sido inspirado no principal deus Asteca conhecido como Quetzalcóatl, uma serpente com várias penas pelo corpo.

Tyrunt e TyrantrumNomes: Tyrunt e Tyrantrum (Tyrunt é a combinação entre Tyrannosaurus e runt, palavra em inglês utilizada para designar alguém pequeno; enquanto Tyrantrum é a combinação de Tyrannosaurus e tantrum, palavra também de origem inglesa que significa ataque de raiva).

Tipo: Rock/Dragon

Obtido através do Jaw Fossil (Provável referência ao fato de que o primeiro fóssil de Tyrannosaurus descoberto se tratar de uma mandíbula)

Tyrunt e Tyrantrum são baseados no mais popular dos dinossauros, o Tiranossauro. As principais características deste dinossauro, como os famosos braços curtos, as pernas musculosas, além da cabeça grande com dentes igualmente enormes (HOLTZ, 1994), são encontradas em ambos Pokémon. Tyrunt ainda apresenta características de outros dinossauros carnívoros, como as cristas de cor laranja sobre os olhos, baseadas no Gorgosaurus. Tyrantrum também possui uma crista laranja sobre os olhos, porém num tamanho maior, lembrando uma coroa, sendo muito similar à encontrada num dinossauro conhecido como Cryolophosaurus. O nome Tyrannosaurus rex significa “Lagarto Tirano Rei”, e algumas características de Tyrantrum, como a já mencionada crista em forma de coroa, as penas brancas na maxila que lembram uma barba, e as do pescoço lembram uma capa, são inspiradas nos reis medievais. As penas brancas, também presentes no pescoço de Tyrunt, são uma referência à possibilidade de que os Tiranossauros possuíssem penas (XU et al., 2004) , assim como vários dinossauros Terópodes, incluindo o Velociraptor. Apesar de toda fama vinda dos filmes, alguns paleontólogos sugerem que o Tyrannosaurus pode não ter sido um predador tão veloz como o cinema nos mostra (HUTCHINSON; GARCIA, 2002).

Amaura e AurorusNomes: Amaura e Aurorus (O nome de ambos é baseado na junção de duas palavras: Amargasaurus, o dinossauro em que foram baseados, e aurora, uma referência ao fenômeno que ocorre na atmosfera, em regiões próximas aos polos).

Tipo: Rock/Ice

Obtido através do Sail Fossil

Amaura e Aurorus são baseados nos Saurópodes, dinossauros de pescoço e cauda muito longos e cabeça pequena, que foram os maiores animais terrestres de todos os tempos. Um deles em especial, o Amargasaurus, parece ter sido utilizado como principal inspiração, principalmente por conta das velas localizadas em seu pescoço, compartilhadas com estes Pokémon. Essas velas eram formadas através do prolongamento de espinhos que partiam da coluna vertebral e eram recobertos por uma membrana de pele (CARABAJAL; CARBALLIDO; CURRIE, 2014). Além disso, por toda parte dorsal do corpo dos Pokémon estão localizados pequenos cristais de gelo, que podem ter sido inspirados nos chamados osteodermas, estruturas presentes na superfície do corpo que conferiam proteção a estes animais (ROGERS et al., 2011). As velas dos Pokémon são capazes de mudar a coloração, de forma semelhante ao que ocorre com as auroras. Os paleontólogos acreditam que algumas espécies de Saurópodes podiam viver em climas mais frios, sendo essa a provável base para que Amaura e Aurorus fossem criados com o tipo gelo.

Aqui encerramos mais uma contribuição do nosso querido Rodolfo. Ao fim dessa leitura aprendemos um pouco mais sobre estes amaveis monstrinhos e sobre toda ciência envolta na criação deles. Embora alguns possam questionar a acuráncia dessas criações, elas não deixam de servir como uma forma de divulgação dos trabalhos paleontológicos. Ficamos no aguardo para mais contribuições do Rodolfo, espero que tenham gostado e comentem a vontade!!

Referências bibliográficas

todas as imagens aqui apresentadas foram retiradas do site: http://bulbapedia.bulbagarden.net/wiki/Main_Page.

BARRET, P. Dinossauros. 1 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 192 p.

BARRICK, R. E. et al. The thermoregulatory functions of the Triceratops frill and horns: heat flow measured with oxygen isotopes. Journal of Vertebrate Paleontology, Norman, vol. 18, n. 4, p. 746-750, dez. 1998.

BAUMILLER, T. K. Survivorship analysis of Paleozoic Crinoidea: effect of filter morphology on evolutionary rates. Paleobiology, Columbia, vol. 19, n. 3, p. 304-321, jul. 1993.

CARABAJAL, A. P.; CARBALLIDO, J. L.; CURRIE, P. J. Braincase, neuroanatomy, and neck posture of Amargasauruscazaui (Sauropoda, Dicraeosauridae) and its implications for understanding head posture in sauropods. Journal of Vertebrate Paleontology, Norman, vol. 34, n. 4, p. 870-882, jul. 2014.

DAVIS, R. A. et al. Ammonoid Paleobiology. 1 ed. New York: Springer US, 1996. 857 p.

HOLTZ, T. R. J. The Phylogenetic Position of the Tyrannosauridae: Implications for Theropod Systematics. Journal of Paleontology, Cambridge, vol. 68, n. 5, p. 1100-1117, set. 1994.

HURTON, L. Reducing post-bleeding mortality of horseshoe crabs (Limulus polyphemus) used in the biomedical industry. 2003. 80 f. Dissertação (Master of Science in Fisheries and Wildlife Sciences) – Virginia Polytechnic Institute, State University, Blacksburg. 2003.

HUTCHINSON, J. R.; GARCIA, M. Tyrannosaurus was not a fast runner. Nature, Londres, vol. 415, p. 1018-1021, fev. 2002.

KELLNER, A. W. A.; CAMPOS, D. A.The Function of the Cranial Crest and Jaws of a Unique Pterosaur from the Early Cretaceous of Brazil.Science, New York, vol. 297, p. 389-392, jul. 2002.

PETERSON, J. R. et al. Acute vision in the giant Cambrian predator Anomalocaris and the origin of compound eyes. Nature, Londres, vol. 480, p. 237-240, dez. 2011.

ROCHA, R. M. Echinodermata. In: RIBERIRO-COSTA, C. S.; ROCHA, R. M. (Org.). Invertebrados: Manual de Aula Prática. Ribeirão Preto: Holos Editora, 2006. p. 198-214.

ROGERS, K. C. et al. Sauropod dinosaur osteoderms from the Late Cretaceous of Madagascar.Nature Communications, Londres, vol. 2, p. 1-5, nov. 2011.

ROMANO, P. S. R.; RIFF, D.; OLVEIRA, G. Porque um “fóssil vivo” não pode existir: dedução lógica através de abordagem sistemática. In: CARVALHO, et. al. (Eds.). Paleontologia: Cenários de Vida. Rio de Janeiro: Interciência, 2007. p. 51-59.

SHUSTER, C. N.; BARLOW, R. B.; BROCKMANN, H. J.The American Horseshoe Crab. 1 ed. Cambridge: Harvard University Press, 2003. 427 p.

STEMBERG, C. H. Protostega gigas and Other Cretaceous Reptiles and Fishes from the Kansas Chalk. Kansas Academy of Science, Baldwin City, vol. 19, p. 123-128, ago. 1903.

THE POKÉMON COMPANY. Informação para pais. Disponível em <http://www.pokemon.com/br/guia-para-pais/>. Acesso em 16 de out. 2016.

VIDOVIC, S. U.; MARTILL, D. M. Pterodactylus scolopaciceps Meyer, 1860 (Pterosauria, Pterodactyloidea) from the Upper Jurassic of Bavaria, Germany: The Problem of Cryptic Pterosaur Taxa in Early Ontogeny. PLoS ONE vol. 9, n. 10, out. 2014. doi:10.1371/journal.pone.0110646

WIELAND, G. R. A new gigantic Cryptodire Testudinate from the Fort Pierre Cretaceous of South Dakota. American Journal of Science, Stanford, vol. 4, p. 399-413, dez. 1896.

XU, X. et al. Basal tyrannosauroids from China and evidence for protofeathers in tyrannosauroids.Nature, Londres, vol. 431, p. 680-684, out. 2004.

 

Um novo dinossauro brasileiro

Sousa é conhecida no Brasil inteiro pelas suas famosas pegadas de dinossauros. Mas até então, nenhum osso de dinossauro havia sido encontrado na região.  Até a presente data, os paleontólogos podiam apenas especular a verdadeira identidade dos produtores de pegadas. 

Um artigo recém-publicado na revista Cretaceous Research veio mudar essa situação. O estudo, que conta com a participação de dois membros de nossa equipe, Aline M. Ghilardi e Tito Aureliano, além de colegas da UFPE, UFSCar e a da Universidade do Cabo, fornece a primeira identificação mais precisa para uma das espécies de dinossauros que habitaram a região.

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O titanossauro de Sousa, por Marcos Paulo Pereira

Em 2014 um osso longo de não mais que 45 cm foi descoberto por um morador do município de Sousa, o Sr. Luiz Carlos S. Gomes. O material foi encontrado por ele em um sítio paleontológico já conhecido, descrito pelo ilustre padre/paleontólogo Giuseppe Leonardi, um ícone dos estudos com pegadas fósseis da região.

Imagem retirada do artigo de Ghilardi et al. (2016)
Imagem retirada do artigo de Ghilardi et al. (2016)

O Sr. Luís Carlos, após descobrir o osso, que ainda estava inserido na rocha, postou uma foto do mesmo na internet. Um dos membros de nossa equipe encontrou essa foto por acaso, enquanto pesquisava artigos sobre a região. Prontamente entramos em contato com o Sr. Luiz, sabendo da importância da descoberta. Por meio de uma colaboração com a Secretaria de Turismo do município de Sousa, o material foi resgatado e levado para estudos na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em Recife.

Há mais ou menos um mês, o material voltou para Sousa, onde a partir de então deve ficar em exposição ao público no museu do parque “Vale dos Dinossauros”.

Por meio de um estudo comparativo, foi possível reconhecer que o osso encontrado (uma fíbula, osso da perna) pertencia a um titanossauro, um tipo de dinossauro herbívoro de um grupo popularmente conhecido como “pescoçudos”. Os titanossauros incluem alguns dos maiores dinossauros que já caminharam sobre planeta Terra, como o Argentinosaurus, que tinha mais de 30 metros de comprimento.

O dinossauro encontrado em Sousa, todavia, era pequeno. Ele tinha apenas cerca de 1,40m de altura até o quadril e não deveria ter mais que 5,5m de comprimento. Isso nos levou a pensar que o animal poderia ser um espécime jovem ou até mesmo um organismo anão. Uma análise histológica detalhada, entretanto, realizada pela nossa colega Dra. Anusuya Chinsamy, da Universidade do Cabo, na África do Sul, revelou que o fóssil encontrado pertencia a um dinossauro juvenil. Isso quer dizer que, o animal, quando morreu, ainda não tinha atingido a sua vida adulta e nem seu tamanho completo. Ele deveria crescer muito mais ainda ao longo de sua vida.

Lâminas histológicas com células fossilizadas do titanossauro de Sousa. Imagem retirada do artigo de Ghilardi et al. (2016).
Lâminas histológicas com células fossilizadas do titanossauro de Sousa. Imagem retirada do artigo de Ghilardi et al. (2016).

Observando as pegadas de “pescoçudos” da região, ele poderia chegar até a dobrar de tamanho, inclusive.

Em preto, a reconstituição do tamanho do titanossauro encontrado. Imagem retirada do artigo de Ghilardi et al. (2016).
Em preto, a reconstituição do tamanho do titanossauro encontrado. Imagem retirada do artigo de Ghilardi et al. (2016).

Esse estudo tem relevância internacional, pois trata-se do registro ósseo mais antigo de um titanossauro da porção central do grande paleocontinente Gondwana (o supercontinente que durante a Era dos Dinossauros reunia a África, Antártica, America do Sul, Índia e Austrália). É também o osso de dinossauro mais antigo do Cretáceo do Brasil.

O dinossauro em questão teria vivido há aproximadamente 136 milhões de anos, durante a primeira metade do período Cretáceo.

Tudo indica que o material encontrado pertence a uma espécie inédita para a ciência. Esse novo titanossauro, porém, não recebeu um nome formal ainda, pois consideramos que é necessário mais material para a descrição de uma nova espécie. Por enquanto o apelidamos apenas de Sousatitan, que quer dizer “O titã de Sousa”.

Mais pesquisas devem ser realizadas na região em busca de material ósseo. Esse registro abre uma nova janela para as pesquisas paleontológicas em Sousa e com certeza, deve atrair ainda mais visitantes para a região. Tanto paleontólogos como turistas.

Assista ao vídeo em nosso canal:

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Ghilardi, A.M; Aureliano, T.A.; Duque, R.R.C.; Fernandes, M.A.; Barreto, A.M.F.; Chinsamy, A. 2016. A new titanosaur from the Lower Cretaceous of Brazil. Cretaceous Research, 67(1): 16-24.

Inaechelys, a rainha dos mares do Paleoceno de Pernambuco

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Representação de Inaechelys em vida. Arte de Julio Lacerda.

Batizada como “a rainha do mar”, a mais nova espécie de tartaruga fóssil do Brasil dividiu espaço com tubarões e estranhos crocodiliformes marinhos extintos. Inaechelys viveu logo após a grande extinção que acabou com o reinado dos dinossauros não-avianos no final do período Cretáceo, tendo habitado os mares da costa pernambucana há mais de 62 milhões de anos, em uma época conhecida como Paleoceno.

Os fósseis de Inaechelys pernambucensis foram encontrados na área da Pedreira Poty, localizada a 30 km ao norte da cidade do Recife. Neste mesmo sítio também foram encontrados os restos do crocodiliforme extinto Guarinisuchus munizi, além de várias espécies fósseis de peixes ósseos, tubarões e raias.

Os calcários da Pedreira Poty são famosos no mundo todo pois registram a transição entre as eras Mesozoica e Cenozoica, quando ocorreu o grande evento de extinção dos dinossauros não-avianos. Inaechelys habitou a região apenas alguns milhões de anos após o fim da “Era dos Dinossauros”. Na época em que viveu, não só os dinossauros não-avianos haviam sido extintos, como também os grandes grupos de répteis marinhos, incluindo os Mosassauros, que vagavam pelos mares do Cretáceo de Pernambuco pouco antes do reinado de Inaechelys.

Inaechelys pernambucensis, cujo nome significa “a tartaruga rainha do mar de Pernambuco” media cerca de 50 cm de comprimento em vida e vivia restrita às áreas costeiras.

Apesar de viver em água salgada, a espécie de tartaruga recém-descoberta não tinha nenhuma relação com as tartarugas-marinhas atuais. Seus parentes viventes mais próximos são todos quelônios de água doce, e incluem a tartaruga-de-cabeça-grande-do-Amazonas (Peltocephalus dumerilianus).

A família ao qual pertence Inaechelys, chamada de Bothremydidae, foi completamente extinta, mas sua linhagem foi bastante abundante no passado, com a maioria das espécies tendo apresentado hábitos costeiros. Hoje em dia, as únicas tartarugas que habitam a água salgada pertencem a família Cheloniidae.

Inaechelys foi descrita com base em um plastrão completo, parte da carapaça e alguns ossos da cintura pélvica. Análises comparativas mostraram que seu provável parente mais próximo foi uma espécie de tartaruga que viveu na região de Portugal durante o final do Período Cretáceo, o que sugere algum tipo de comunicação geográfica entre essas duas localidades no passado.

Plastrão de Inaechelys. Imagem retirada do artigo de Anny R. Carvalho e colaboradores, 2016.
Plastrão de Inaechelys. Imagem retirada do artigo de Anny R. Carvalho e colaboradores, 2016.

O artigo que trata da descrição de Inaechelys foi publicado na revista Zootaxa e conta com a participação de três pesquisadoras da UFPE. A primeira autora é Anny R. A. Carvalho, doutoranda em Geologia da UFPE, acompanhada pelas professoras Alcina M. F. Barreto e Aline M. Ghilardi, da mesma instituição.

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Carvalho, A. R. A; Ghilardi, A. M & Barreto, A. M. F., 2016.  A new side-neck turtle (Pelomedusoides: Bothremydidae) from the Early Paleocene (Danian) Maria Farinha Formation, Paraíba Basin, Brazil. http://www.mapress.com/j/zt/article/view/zootaxa.4126.4.3Zootaxa

Um novo bichinho simpático do Permiano do Brasil

Equipe de paleontólogos do Rio Grande do Sul acaba de publicar na revista PLoS One uma nova espécie fóssil brasileira. Trata-se de uma pequena criatura pertencente a um grupo extinto de animais aparentado aos mamíferos, os dicinodontes. O pequeno animal possuía hábitos herbívoros e viveu há mais de 260 milhões de anos (Período Permiano) onde hoje é o Rio Grande do Sul.

Rastodon procurvidens, como foi batizado, era pequeno e quadrúpede e alimentava-se essencialmente de plantas, como todos os outros dicinodontes.

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De maneira geral, os dicinodontes eram organismos herbívoros que apresentavam corpos em forma de barril, com os membros curtos e fortes. Tinham toda pinta de répteis por conta de sua postura corporal semi-ereta, cabeça grande com um bico córneo e a cauda  com base larga. Os dicinodontes foram os principais animais terrestres herbívoros antes do domínio dos dinossauros. Variavam muito de tamanho, tendo sido encontradas espécies tão pequenas como camundongos e outras que poderiam ser tão grandes quanto búfalos.

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Reconstituição artística de Diictodon, um tipo de dicinodonte cujos fósseis são  encontrado na Ásia e na África.

A nova espécie de dicinodonte encontrada no Rio Grande do Sul não era das maiores, mas, sinceramente, tanto o fóssil quanto o nome transbordam simpatia.

O espécime descrito no artigo de Alessandra Boos e colegas tinha, de acordo com os autores, cerca de 50 cm de comprimento e não devia pesar mais do que 15 kg quando vivo. Suas proporções eram semelhantes a de um cachorro de pequeno ou médio porte.

Os pesquisadores ressaltam que, até o momento, com as evidências coletadas, não é possível saber se o tamanho relativamente reduzido do espécime representa uma condição de filhote ou se a espécie era realmente de pequeno porte.

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Crânio de Rastodon, foto de Felipe Pinheiro

Uma das características mais marcantes da nova espécie de dicinodonte brasileira eram os seus caninos fortemente curvados. O que inclusive foi destacado no nome escolhido para o animal.

Rastodon procurvidens significa “dente curvado do Rio do Rasto”, sendo que ‘Rio do Rasto’ é o nome da unidade geológica onde o fóssil do organismo foi encontrado.

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Imagem do artigo de Boos e colaboradores, destacando o canino curvado de Rastodon.

Outras espécies fósseis conhecidas também foram encontradas na mesma localidade que Rastodon, a Fazenda Boqueirão, como o poderoso carnívoro Pampaphoneus biccai e o anfíbio Konzhukovia sangabrielensis.

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Reconstrução artística de uma paisagem com Rastodon em primeiro plano e ao fundo o anfíbio Konzhukovia sangabrielensis e o dinocefálio carnívoro Pampaphoneus biccai. Arte de Mario Quiñones Faúndez.
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Pampaphoneus, ilustração de Voltaire Paes.

O mundo habitado pelo Rastodon era bem diferente do atual: a Terra era formada por um único continente, denominado de Pangeia, onde praticamente não existiam barreiras para a dispersão dos animais, facilitando o deslocamento por grandes distâncias. Por isso não é de se estranhar que, ao comparar com outros fósseis, os autores do artigo encontraram que os dicinodontes mais proximamente relacionados ao Rastodon estavam em lugares tão distantes como a África do Sul, a Rússia e a China.

A descoberta de Rastodon demonstra mais uma vez que as rochas da Formação Rio do Rasto do sul do Brasil têm o potencial de revelar ainda muitos animais fósseis que eram parte de um ecossistema terrestre bastante complexo.

Acesse o artigo de Alessandra Boos e colaboradores AQUI.

O preconceito acadêmico com os divulgadores

Entre os dias 16 e 18 desta semana, participamos do curso de Geocomunicação (i.e. divulgação de geociências), que ocorreu nas dependências da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, Recife, PE). Tivemos a honra de assistir palestras de vários pesquisadores brasileiros de destaque, que se empenham de alguma forma na área, e também do ilustre visitante, Professor Iain Stewart, da Universidade de Plymouth (Reino Unido). Iain Stewart é muito famoso entre o público geral por conta de vários documentários que produziu junto à rede televisiva BBC, como “Men of Rock” ou “How to Grow a Planet”, com a finalidade de divulgar as ciências geológicas.

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Iain Stewart

Entre vários temas de grande relevância discutidos durante o evento, um deles, apresentado na palestra de abertura, chamou bastante a atenção e é ele que eu gostaria desenvolver hoje aqui no blog.

Além de todas as dificuldades comuns que você pode imaginar que um cientista que se empenha em divulgação de ciência possa enfrentar, talvez um problema que você nunca imaginaria que poderia existir é o grande preconceito entre os próprios colegas acadêmicos.

O que acontece é que muitos acadêmicos desprezam ou diminuem o trabalho de colegas que se empenham em divulgação de ciência para o público geral. Isso acontece em todo lugar. Inclusive com o Iain, no Reino Unido. Não é raro a comunidade acadêmica enxergar os divulgadores como em um “patamar inferior”, colocando-os em uma espécie de limbo, posicionados entre “os jornalistas” (vistos como seres menores e quase repulsivos) e o que eles consideram como “cientistas propriamente ditos”.

O mais engraçado é que, quando o cientista se desdobra nos dois campos (tanto pesquisa quanto divulgação – acredito que a maioria, devido as exigências do nosso sistema de contratação de professores/pesquisadores, mas posso estar enganada), a produção acadêmica dos divulgadores não raramente é completamente ignorada! Em outros casos, como no dos que optaram em algum momento de sua carreira por se dedicar exclusivamente a divulgação científica, o preconceito é ainda maior. Quando muito pelo contrário, não existe nenhum demérito nisso!

Existe a ideia de que dialogar com o público não é papel do cientista e que isso deve ser feito exclusivamente pelos jornalistas. Entende-se, que participar do processo de divulgação  (em primeira pessoa) desprestigia o cientista e que para continuar sendo respeitado (e eu diria “temido”…), o pesquisador deve manter “uma distância segura do público”.

Sinceramente, na minha opinião, isso não passa de um reflexo da arrogância que infelizmente acompanha os papéis impressos com pomposos títulos e também uma forma de pedantismo e inveja. A ciência é um produto que pertence a toda a população, e se o cientista quer ser ouvido por suas descobertas, ele precisa também dialogar diretamente com o povo (não apenas em sala de aula com os seus estudantes). O medo da ciência e o posicionamento desconfiado em relação às descobertas científicas surge desse tipo de atitude. A ciência ainda está muito distante das pessoas. “Títulos” e um vocabulário rebuscado e difícil ainda são usados como forma de status para criar abismos entre cientistas e sociedade.

Professor Iain nos deu uma enxurrada de exemplos sobre como isso pode ser extremamente danoso para a ciência, como descobertas importantes da área da saúde serem ignoradas, vacinas serem demonizadas, milhares de pessoas morrerem por conta de desastres naturais, porque simplesmente não os compreendem, ou apoiar  coisas como a extinção dos financiamentos para ciência ou o fim dos licenciamentos ambientais, etc. Isso já deveria ser suficiente para repensarmos o assunto!

Alguns colegas acadêmicos simplesmente se afastam da divulgação  científica, porque não sabem como fazê-la (ou porque tem algum tipo de fobia). Até aí tudo bem. Mas daí para desprestigiar e diminuir o trabalho dos colegas que se empenham com o tal?!

A necessidade de simplificar a linguagem científica para o público geral, por exemplo, é um elemento chave para os divulgadores. Além de ter que ser muito bem pensada, inclusive para não subestimar a inteligência do público, tem que se tomar cuidado, porque a simplificação da linguagem pode ser uma faca de dois gumes. Uma simplificação exacerbada de um conceito pode fazer com que um tema se torne muito mais próximo do público geral, porém pode gerar entre os acadêmicos uma compreensão enviesada. O problema é que muitos colegas acadêmicos, ao invés de entender o que está em questão e colaborar positivamente, sentem-se *extremamente* ofendidos com esse processo e não medem palavras para critica-lo. Professor Iain já recebeu diversos comentários ofensivos de colegas como “obrigada pela divulgação de merda” e outras coisas piores. Sem contar, que esses mal entendidos podem até mesmo virar chacota entre os acadêmicos da área e mais uma forma de desprestigio e inferiorização do trabalho do divulgador.

Uma argumentação comum de colegas que são contra o envolvimento do cientista com o público geral por meio da divulgação em primeira pessoa é que o cientista já se preocupa demais com diversas questões muito mais importantes do que isso. Eu compreendo que temos muita coisa pra fazer. Afinal… também sou cientista, também publico artigos acadêmicos, também dou aula, também faço pesquisa e exensão (não sou só divulgadora, viu?!). Mas devolver para sociedade de forma acurada, palatável e bem explicada uma informação que ela mesma investiu não é importante? Humanizar a ciência não é importante? Extinguir o medo que as pessoas têm de ciência e dos cientistas não é crucial? A divulgação não vai somente aumentar o seu retorno em investimento? O retorno da sociedade não vai ajudar nas suas pesquisas?

Uma questão discutida durante o encontro de geocomunicação foi  a possibilidade de se criar disciplinas de divulgação científica e ética nos cursos de ciências, como Física, Química, Matemática, Biologia, Geologia, etc. A conclusão geral foi: que já está mais do que na hora! Os currículos de cientistas precisam ser (urgentemente!)  mais humanizados. Estamos criando demais “doutores Frankenstein” e “doutores Aronnax”…

Você, colega, que despreza o trabalho dos cientistas divulgadores é um perfeito tolo. Tudo o que você tem é medo de descer do seu pedestal. Desculpe a sinceridade, mas sua atitude realmente soa como insegurança quanto a si próprio e quanto ao seu trabalho. Talvez, você ainda esteja muito preso ao argumento da autoridade. Lembrando também, que cabelos brancos ou um par de anos a mais não mudam a força do seu argumento.

Ao invés de se esconder atrás dos seus preciosos títulos ou entrar em enfadonhas guerras de palavras para defender o seu ponto de vista preconceituoso e caduco, vamos começar a trabalhar juntos. Vamos procurar alcançar a população de múltiplas formas e compreender, de uma vez por todas, a importância fundamental de qualquer desdobramento que traga retornos positivos para a ciência. Já é difícil demais ter que abdicar um tempo de nossas vidas e pesquisas para parar e dialogar com o público geral, imagine ainda mais ter que lidar com a infantilidade de um bando de adultos guerreando para ver quem tem mais status.

Mesmo em um evento legal como esse de Geocomunicação que participamos, não foi difícil detectar grandes doses de hipocrisia com relação a esse tema. Sentimos falta, por exemplo, de apresentações de cientistas comunicadores que trabalham com mídias ‘mais populares’ como Blogs, Podcasts e YouTube (geralmente cientistas mais jovens!). Temos uma imensa lista de comunicadores importantes que poderiam ter sido chamados para apresentar os seus trabalhos, inclusive alguns premiados internacionalmente (como o Pirulla!). MAS infelizmente, predominou ainda uma “lambeção acadêmica”. Não diminuindo o trabalho dos colegas que foram convidados para apresentação, mas apenas dizendo que faltou representatividade de uma parcela extremamente significativa da comunicação científica atual. (Aí aqui me pergunto, o cientista que divulga ciência por meio de blogs, podcasts e vídeos é ainda mais excluído?!)

Meu recado final é: nós, cientistas, precisamos valorizar mais os nossos comunicadores (de todas as mídias). Precisamos valorizar a comunicação. A comunicação de ciência feita por cientistas tem que ter mais espaço. A ciência evoluiu. Não devemos ficar presos ao século XVIII. A ciência não é mais uma conversa restrita a um minúsculo círculo de pessoas abastadas. Não é mais questão de status. A ciência é uma questão  que diz respeito a todos.

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Aproveite e veja aqui o vídeo que gravamos com Iain Stewart (clique na imagem para ser redirecionado ao YouTube):

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