Mais sobre o novo gigante brasileiro e as pesquisas de dinossauros no Brasil

Elaine Batista Machado, doutoranda no programa de pós-graduação em Zoologia da UFRJ, fala um pouco mais sobre Brasilotitan, o mais novo dino brasileiro, e nos conta sobre as perspectivas futuras quanto ao estudo de dinossauros no Brasil.

Col.: Quais as relações desse novo animal com os dinos já conhecidos no nosso país?

Elaine: A nova espécie, Brasilotitan nemophagus, é a nona espécie de titanossauro brasileiro (contando somente as que são consideradas válidas), e dentre todas estas, este é apenas a terceira a apresentar material craniano. Brasilotitan nemophagus é também a segunda espécie de titanossauro da região de Presidente Prudente, SP, e a quinta proveniente da Formação Adamantina (Bacia Bauru).

Titanossauros
Reconstituição artística de titanossauros

Col.: O que Brasilotitan traz de novo? O que o torna uma importante descoberta?

Elaine: Um dos pontos principais desta nova espécie é a presença da mandíbula preservada, que é bastante peculiar. Diferente da maioria das espécies a mandíbula do Brasilotitan possui uma forma “quadrada”, sendo semelhante à dos titanossaurideos Bonitasaura salgadoi e Antarctosaurus wichmannianus. Além da mandíbula, este dinossauro apresenta também novas características nas vértebras cervicais, que o diferencia dos demais.

Col.: Algum outro aspecto interessante desse animal que você queira destacar?

Elaine: Um aspecto interessante que pode ser observado é que em parte dos ossos desse animal foram encontradas marcas de mordidas, o que indica que ele foi vítima de predadores ou necrófagos.

CT Scan do dentário de Brasilotitan, mostrando um dos alvéolos dentários com três dentes inseridos.
CT Scan do dentário de Brasilotitan, mostrando um dos alvéolos dentários com três dentes inseridos.

Neste estudo, além da descrição formal da nova espécie, pudemos também realizar algumas observações sobre as estruturas internas dos ossos através de tomografias. Nas vértebras foi possível ver o padrão de estrutura pneumática camelada comum a titanossaurídeos, enquanto que no dentário pode-se observar a presença de até 3 dentes dentro de um mesmo alvéolo, o que nos dá a ideia de quão rápida era a troca dentária desse animal.

Col.: O que, na sua opinião, ainda temos por descobrir quanto aos dinos do Brasil? Quais os próximos passos?

Elaine: As perspectivas futuras sobre o conhecimento dos dinossauros brasileiros são boas pelos seguintes motivos: O Brasil tem um enorme potencial para a preservação dos fósseis, suas bacias fossilíferas são não somente ricas, mas extensas – algumas abrangendo vários estados; e outro é que cada vez mais vemos o crescimento de interesse e também incentivos a pesquisas na área.

Devemos lembrar que a paleontologia no Brasil ainda é uma área de pesquisa recente se comparada com outros países, e esperamos que com o tempo e investimento muitas outras descobertas fantásticas sejam realizadas.

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Elaine B. Machado é doutoranda do programa de pós-graduação em Zoologia da UFRJ, pelo Setor de Paleovertebrados do Museu Nacional. Seus estudos são focados em paleontologia de dinossauros e ela já participou de diversas escavações e da descrição de outros dinossauros brasileiros, como Oxalaia quilombensis.

Os Colecionadores de Ossos agradecem a atenção e disposição de Elaine em conversar conosco!

Referência:

MACHADO, E.B.; AVILLA, L.S.; NAVA, W.R.; CAMPOS, D.A.; KELLNER, A.W.A.. (2013). “A new titanosaur sauropod from the Late Cretaceous of Brazil”. Zootaxa 3701 (3): 301–321. DOI:10.11646/zootaxa.3701.3.1.

Não deixe de ler também “A descoberta de um titã”, postagem anterior à essa, que também fala sobre o novo dino brasileiro e apresenta uma entrevista com o seu descobridor, William R. Nava.

Ilustração (Titanossauros): autoria de Aline Ghilardi.

A descoberta de um titã

Um novo titã recém integrou a lista de dinossauros do Brasil: Brasilotitan nemophagus.

Descrito na revista Zootaxa, a nova espécie de dinossauro brasileiro foi definida com base em um peculiar fragmento de mandíbula (imagem abaixo), além de vértebras, um elemento ungueal e fragmentos do quadril. O animal pertence ao grupo dos saurópodes titanossaurídeos, dinos herbívoros de pescoço longo, abundantes na América do Sul e demais continentes do Gondwana durante o final do Cretáceo (~100-66 milhões de anos atrás).

Segundo os autores, o novo animal pode ser considerado proximamente relacionado à Bonitasaura e Antarctosaurus, dois gêneros de dinossauros saurópodes da Argentina. Brasilotitan foi encontrado na região de Presidente Prudente, interior de São Paulo, no contexto geológico da Bacia Bauru, e, além de acrescentar à diversidade de dinossauros do Brasil, vem enriquecer o conhecimento sobre a anatomia do aparato mastigatório dos saurópodes, esses grandes animais herbívoros.

Dentário (parte da mandíbula) em formato de L de Brasilotitan nemophagus
Dentário (parte da mandíbula) em formato de L de Brasilotitan nemophagus

Etimologia do nome: Brasilotitan = Titã brasileiro / nemophagus = comedor de plantas.

A equipe dos Colecionadores teve a oportunidade de conversar com os colegas William Nava (Museu de Paleontologia de Marília) e Elaine Machado (UFRJ, Museu Nacional, Rio de Janeiro), alguns dos autores do artigo de Brasilotitan

Acompanhe hoje e nos próximos dias as suas entrevistas.

Hoje William Nava nos revela alguns detalhes sobre a descoberta do novo titã brasileiro:

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Col.: Como e quando foi feita a descoberta, William?

William: O achado dos fósseis se deu por volta de janeiro do ano 2000, quando precisei ir a P. Prudente para resolver algumas questões pessoais. Na ocasião observei centenas de blocos e pedaços de rochas depositados às margens de um terreno próximo à rodovia SP-270, a Raposo Tavares, perto da cidade de P. Prudente. Estavam alargando a rodovia e muitas rochas foram então retiradas. Ninguém notou, mas no meio delas havia muitos e muitos fósseis, entre os quais esses do Brasilotitan. 

Voltei algumas vezes ao local durante o ano 2000 para resgatar esses e outros materiais, senão acabariam se perdendo. Aliás, muitos já estavam se deteriorando pela ação do tempo e não tive como recuperá-los. Podemos dizer que foi um verdadeiro resgate paleontológico!

Me lembro que um dos fósseis os quais mais me chamou a atenção foi uma grande vértebra caudal (que media cerca de 40 cm de altura!) num arenito fino, mas muito duro. A posição do bloco onde ela estava dificultava bastante sua remoção. Não consegui retirar e ela se perdeu!  Um dos materiais que consegui recuperar foi um pequeno bloco contendo em vista lateral esse fragmento de dentário (foto acima), que na época imaginava pertencer a um crocodilo…

Col.: Como se estabeleceu o convênio de estudo com os pesquisadores do Rio de Janeiro?

William: Os materiais fósseis permaneceram comigo até agosto de 2004, quando vieram a Marília alguns pesquisadores da Universidade Federal Rio de Janeiro e diversos alunos para realização de um trabalho de campo. Mostrei a eles os fósseis do agora Brasilotitan e lhes chamou atenção justamente o ramo mandibular. Eles me pediram emprestado o material para que fosse melhor preparado no Rio de Janeiro e foi o que fiz. Cedi também, por empréstimo, os outros fósseis que aparecem no artigo. Ficaram aqui em Marília apenas alguns fragmentos de costelas (foto), um fragmento de tíbia, uma falange e um possível tarsal, todos coletados juntos com o material levado. Os materiais ficaram um bom tempo aguardando preparação e depois seguiram para estudo.

Costela encontrada junto aos materiais de Brasilotitan.
Costela encontrada junto aos materiais de Brasilotitan. Foto de William R. Nava.

Col.: Outros materiais foram encontrados no mesmo sítio de onde saiu Brasilotitan?

William: Além dos restos do Brasilotitan, no mesmo local haviam dentes de saurópode, terópodes (dinossauros carnívoros) e de crocodilomorfos,além de muitos coprólitos, pedaços de carapaças e plastrão de tartarugas e escamas de peixes. Não tive tempo suficiente para examinar cuidadosamente todas as rochas depositadas, porque “um belo dia”, no fim do ano 2000, não mais as encontrei. Procurei saber o que tinha acontecido e me disseram que foram utilizadas para preencher focos de erosão no próprio leito da rodovia. Lamento por que tirei só uma foto, a da costela (acima). 

Col.: Quais são as perspectivas de estudos na região?

William: Quando vou a Prudente, vez ou outra passo por esse local. Hoje é um terreno vazio e cheio de mato. Nunca mais encontrei nada. A área de onde as rochas possivelmente saíram também está soterrada: é o atual pavimento e acostamento da rodovia. Seria possível encontrar algo nos barrancos dos 2 lados da estrada, mas não encontrei nada significativo até agora, talvez porque ainda não realizei nenhuma escavação no local, apenas faço algumas varreduras superficiais.

A região de Presidente Prudente é uma área rica em fósseis, sempre há novas perspectivas. Há muitos locais promissores nos arredores. Estou trabalhando em um afloramento no qual encontrei pequenos ossinhos de aves enantiornithes, é um local excepcional! Mas isso é outra história…

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319072_439128632790487_1161231198_nWilliam Roberto Nava é coordenador do Museu de Paleontologia de Marília e foi responsável não só pela descoberta de Brasilotitan, como de muitos outros animais pré-históricos brasileiros. Alguns até mesmo levam o nome dele como Adamantinasuchus navae, um crocodyliforme do Cretáceo do Brasil. William convida a todos para visitarem o Museu de Paleontologia em Marília e conhecerem mais sobre o passado brasileiro.

Acompanhe notícias sobre o Museu de Paleontologia de Marília no Facebook: https://www.facebook.com/museudepaleontologia.marilia?fref=ts

Referência:

MACHADO, E.B.; AVILLA, L.S.; NAVA, W.R.; CAMPOS, D.A.; KELLNER, A.W.A.. (2013). “A new titanosaur sauropod from the Late Cretaceous of Brazil”. Zootaxa 3701 (3): 301–321. DOI:10.11646/zootaxa.3701.3.1.

 

Para encerrar a Semana do Tubarão: O Terror do Permiano

Em Busca do Permiano – Parte 4 from Tito Aureliano on Vimeo.

Acompanhe a expedição Piauí-Maranhão 2013 em busca de fósseis de vertebrados permianos no nordeste brasileiro. A expedição faz parte de um extenso projeto realizado por um convênio de instituições do mundo todo, mas com base na Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Na Parte 4, Dr. Juan Cisneros desvenda o mistério de Anisopleurodontis, um estranho peixe cartilaginoso (seria ele um tubarão ou quimeiróide?!) encontrado unicamente em depósitos de idade permiana (Formação Pedra de Fogo, Bacia do Parnaíba) do Maranhão e do Piauí.

Assista às outras partes dessa jornada: https://vimeo.com/titossauro/videos

Semana do Tubarão: Entrevista com Artur Chahud

Artur Chahud, pesquisa Chondrichtyes desde o seu mestrado e hoje está em curso do seu pós-doutoramento na USP, de onde arrumou um tempinho para conversar com a gente.

Esse é mais um dos posts especiais para comemorar a nossa “Semana do Tubarão”.

Afloramento do Sitio Santa Maria, Rio Claro, Estado de São Paulo, onde foram coletados a maior parte dos principais fósseis de tubarões estudados por Artur
Afloramento do Sitio Santa Maria, Rio Claro, Estado de São Paulo, onde foram coletados os fósseis de tubarões estudados por Artur

 

Col.: Oi Artur, primeiro nos fale um pouco sobre a fauna de tubarões da(s) unidade(s) geológica(s) que você estuda.

Artur: Os tubarões que eu estudo são exclusivos da fácies arenosa do Membro Taquaral, que é a unidade basal da Formação Irati, de idade permiana. É uma fácies que raramente ultrapassa 50 cm de espessura e é praticamente exclusiva do Estado de São Paulo.

Os fósseis nela são encontrados desarticulados e ocorrem como espinhos de nadadeiras, dentes, escamas e ossos isolados.

Quando comecei a trabalhar nesta unidade, sobe orientação do Dr. Thomas Rich Fairchild, não havia nenhuma ambição de encontrar algo significativo, pois a unidade tinha sido “abandonada” há mais de 25 anos após o mestrado do Dr. Ewaldo Helmut Ragonha, em 1978. Nenhum artigo havia sido publicado (nem mesmo resumos). Ragonha tinha descrito três Chondrichthyes que haviam sido observados na Formação Pedra de Fogo, também do Permiano.

Quando o Professor Thomas Fairchild coletou os primeiros fosseis na região de Rio Claro, imediatamente ficou claro que a unidade não era tão “sem graça” quanto todos pensavam e que existia um potencial muito bom de estudo! Muita coisa precisava de revisão e ainda existiam fósseis que ninguém havia visto no Brasil!

De todos os tubarões que apareceram o mais comum é Taquaralodus albuquerquei Silva Santos 1947 (antigo “Pleuracanthus” albuquerquei Silva Santos 1947), um tipo de Xenacanthiformes identificado por meio de dentes que também são encontrados na Formação Pedra de Fogo (Bacia do Parnaíba, NE do Brasil), onde foi descrito primeiramente por Silva Santos.

Xenacanthus, arte de Petr Modlitba (http://petrmodlitba.cz/)
Xenacanthus, arte de Petr Modlitba (http://petrmodlitba.cz/)

Outros xenacantos foram observados, mas muito raros e diminutos e eu não me atrevi a batizar, na esperança de encontrar fósseis melhores, mas um deles é claramente um representante do gênero Xenacanthus (provavelmente o mais antigo da Bacia do Paraná).

Porém os tubarões de maior impacto são os de espinhos, que foram a grande surpresa da unidade e também os mais difíceis de serem encontrados. O único formalmente publicado é o Sphenacanthidae Sphenacanthus sanpauloensis que foi o primeiro espinho de nadadeira de tubarão de um exemplar adulto encontrado na unidade (Ragonha tinha um único exemplar infantil). O fantástico é que durante o meu doutoramento outras variedades apareceram como: a primeira ocorrência do gênero Amelacanthus, já citado e ilustrado em artigo que tratava da unidade, e outras que estão sendo pesquisadas atualmente no pós-doutoramento.

Ainda tem o que fazer e os trabalhos continuam.

Col.: Conte alguma aventura interessante que ocorreu durante o seu estudo com esses bichos. Você teve a oportunidade de encontrar uma nova espécie, encontrar um gênero inusitado, registrar a primeira ocorrência ou, por exemplo, encontrar um material espetacular?

Artur: Difícil a pergunta, pois, na minha visão quase tudo foi excitante ou surpreendente! Mas aconteceu algo bastante “inusitado” quando eu descobri o Sphenacanthus sanpauloensis a mais ou menos uns 10 anos atrás.

Eu estava no Sitio Santa Maria debaixo de uma chuva muito forte, fazendo coleta, sozinho. Só havia um pescador por perto pescando com rede no Rio da Cabeça, que é um córrego que fica nas margens do afloramento.

De repente eu consegui arrancar uma placa do afloramento e apareceu um espinho de tubarão, lindo. Eu dei um pulo e um berro, comemorando, pois sabia da importância que tinha aquilo. O pescador viu a cena e ficou com cara de assustado, sem reação. Eu olhei para ele e disse que tinha descoberto o espinho da nadadeira de um tubarão! Ele me olhou com aquela expressão “Ihh o cara pirou, deixa eu sair daqui”, então se afastou e sumiu.

Mas a aventura não havia acabado! Eu estava na chuva, num afloramento sem proteção e tinha que tirar aquele fóssil dali bem rápido, para não ser destruído. Eu deveria chegar na garagem da sede do sítio que ficava uns 700 m de onde eu estava, mas não ia ser fácil: os donos do lugar criavam cabeças de gado e um touro não ia muito com a minha cara. Tive que criar coragem e sair correndo! Até que esse fóssil ficasse finalmente a salvo, foi um sufoco. Só me tranquilizei quando o cobri, protegi e coloquei dentro do carro. Fui investigá-lo muito tempo depois, no instituto.

Col.: Qual seu tubarão fóssil favorito?

Artur: Pode parecer estranho, pois não é nenhum da época que eu estudo. O tubarão que eu mais gosto é o Antarctilamna.

Possível reconstituição de Antarctilamna, por Alain Bénéteau.
Possível reconstituição de Antarctilamna (parte inferior da img.), por Alain Bénéteau.

O Antarctilamnaé um tubarão do Devoniano (um dos mais antigos) que inicialmente foi descrito na Antártida e Austrália, mas existem evidências em outros lugares com África do Sul, Espanha e Bolívia.

Eu gosto dele por ele ter sido uma inspiração para que eu continuasse a trabalhar com o Paleozoico. Ele é um desafio e a partir dele vi que isso era comum nos grupos de tubarões do Paleozoico que eu estudo!

Quando comecei a pesquisa com tubarões do Permiano (11 anos atrás) ele era considerado um xenacanto, devido aos dentes (ainda tem quem acredite nessa hipótese), tempos depois ele foi considerado um ctenacanto, por causa do espinho da nadadeira, e outros ainda acreditavam que ele poderia ser um intermediário entre ambos (como um “Archaeopterix dos tubarões”). Hoje ele tem ordem e família próprias e é considerado um gênero a parte de Elasmobranchii.

É o maior exemplo de desafio: de quanto temos que aprender ainda e como estamos longe de qualquer solução. Até o ambiente em que esse animal vivia hoje é colocado em dúvida, pois durante um tempo ele era considerado um tubarão de água doce, mas já foi encontrado em depósitos estuarinos e, até mesmo, marinhos.

Col.: O que você acha de mais espetacular nesse grupo de animais, tendo a oportunidade de estudá-los tão de perto? E por que você acha que eles fascinam tanto as pessoas?

Artut: Olha não posso negar que eles me proporcionaram o que eu sempre sonhei em fazer nas áreas de geociências e paleontologia desde que eu estava na graduação. E por que isso?

Eu normalmente olho para o conjunto todo e não só para o fóssil e a contribuição para as pesquisas dada pelos tubarões incluíram taxonomia, paleoecologia, estudos de paleoambientes e até mesmo bioestratigrafia.

Agora no geral os tubarões são “campeões” na história do nosso planeta foram poderosos predadores, dominadores, diversificados e superaram extinções que poucos grupos de seres vivos conseguiram. A imagem da força e da vitória dentro dos metazoários e provavelmente ainda estarão por aqui nos próximos milhões de anos.

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Artur Chahud é Bacharel em Geologia pelo Instituto de Geociências da USP, tem Mestrado em Paleontologia e Bioestratigrafia e Doutorado em Geoquímica e Geotectônica pela mesma instituição, onde atualmente também desenvolve seu pós-doutoramento em Geologia Sedimentar e Paleontologia do Permiano da Bacia do Paraná. Os Chondrichthyes foram os protagonistas nos seus estudos durante toda sua pós graduação.

Semana do Tubarão: Entrevista com Ana Emília Figueiredo

Ana Emilia Quezado de Figueiredo, pesquisadora brasileira focada no estudo de peixes fósseis, nos deu a honra de uma entrevista para responder algumas questões sobre o seu trabalho e o estudo de tubarões fósseis no Brasil. Conheça um pouco sobre as contribuições nacionais para o estudo desse grupo de animais, entenda porquê os tubarões são tão bem sucedidos até a atualidade e conheça algumas curiosidades sobre eles.

Esse é um dos posts especiais para comemorar a nossa “Semana do Tubarão”.

Ana Emília Figueiredo
Ana Emília Figueiredo

Col.: Oi Ana, primeiro nos conte um pouco sobre o estudo que você está desenvolvendo atualmente.

Ana: Meu estudo atual, que está relacionado a minha tese, é baseado na diversidade de peixes do Permiano Médio – Superior (Formação Rio do Rasto) e do Triássico (Formação Santa Maria) do Rio Grande do Sul. Trabalho com a identificação, descrição dos materiais relativos à peixes, dando também um enfoque paleoecológico e quando possível bioestratigráfico (ajudando a datar e correlacionar às rochas) e paleobiogeográfico. Também trabalho com peixes do Cretáceo Inferior das bacias do Iguatu. 

Col.: E o seu trabalho com tubarões fósseis? 

Ana: Quanto aos tubarões eu trabalho com materiais corporais e os coprólitos (fezes fossilizadas) que podem ter sido produzidos por eles. Todo esse material é da Formação Rio do Rasto (Permiano Médio-Superior) de vários municípios do Rio Grande do Sul. Quanto aos materiais corporais (só temos dentes preservados até o momento) eu faço um estudo descritivo, comparativo e de identificação. Até o momento foram identificados para a Fm. Rio do Rasto do RS dois grupos de tubarões fósseis: os Xenacantídeos e os Hybodontídeos (estou estudando esses materiais), mas existem também Sphenacantídeos descritos para a Fm. Rio do Rasto do Paraná. Quanto aos coprólitos, esses materiais nos revelaram um pouco sobre as cadeias tróficas existentes no Permiano, como por exemplo o que os tubarões comiam, que haviam predadores desses tubarões, além de analisar possíveis relações de parasitismo.

Além do material do Permiano, eu trabalhei com dentes do Cretáceo Inferior (Formação Malhada Vermelha, Bacia de Lima Campos) de modo que identificamos uma nova espécie de Hybodontídeo: Planohybodus marki. Atualmente estou ajudando na identificação de materiais do Cenozoico que estão depositados na FURG.

Coprólito de tubarão.
Coprólito de tubarão.

Col.: Gostaríamos de saber um pouco sobre a representatividade desses animais no Brasil. Conte-nos um pouco sobre isso. São conhecidas muitas espécies de tubarões fósseis em depósitos de nosso território? Existem muitos pesquisadores estudando esses animais por aqui?

Ana: O Brasil é bem representado quanto aos tubarões. Temos uma certa diversidade desde o Paleozóico até o Cenozóico. Porém, a grande maioria desses fósseis são incompletos, e apenas certas partes estão preservadas. Com exceção de alguns materiais preservados dentro de concreções da Formação Santana (no Ceará, como o gênero Tribodus) o que temos são dentes, espinhos, espinhos dérmicos e coprólitos. Mesmo assim são conhecidas várias espécies e algumas são importantes por questões paleogeográficas e taxonômicas.

Quanto aos pesquisadores: quando comparamos com outros grupos taxonômicos, é perceptível que o número de pessoas que trabalham com os tubarões ainda é pequeno. Salvo algumas exceções, a grande maioria dos pesquisadores dessa área aqui no Brasil estão no Mestrado e Doutorado, o que eu acho muito interessante, pois estão sendo formado novos paleoictiólogos!

Reconstituição de Planohybodus marki, por Voltaire Paes
Reconstituição de Planohybodus marki, por Voltaire Paes

Col.: Você participou de alguma descoberta surpreendente relacionada à esses animais? (descobriu algo novo, uma nova espécie nova, encontrou algum fóssil excepcional, etc.?).

Ana: Participei da descrição de um novo hybodontídeo do Ceará, o Planohybodus marki. Que foi um trabalho muito importante, pois os materiais provêm de um conjunto de bacias pouco estudadas e que começamos a trabalhar em 2007. Esse achado ajudou a entender um pouco sobre a distribuição desse gênero para o Gondwana.

Da Formação Rio do Rasto, participei de um grande estudo sobre coprólitos. Depois de analisar mais de 500 exemplares pudemos visualizar como era o ambiente em que os tubarões viviam e como era a cadeia alimentar pretérita. Em um desses coprólitos encontramos preservados ovos de um parasita do intestino do tubarão que produziu aquele coprólito!
 

Ovo de parasita encontrado em coprólito da Fm. Rio do Rasto
Ovo de parasita encontrado em coprólito da Fm. Rio do Rasto

 Col.: Qual seu tubarão fóssil favorito e porquê?

Ana: Eu sempre gostei muito dos tubarões atuais, especialmente do tubarão-martelo, mas dentre os que são apenas fósseis, sem dúvida gosto muito do Carcharodon megalodon, por conta do tamanho absurdo que eles alcançaram, mas depois que iniciei meus estudos aplicados, me encantei com os Hybodontídeos. Eles são um dos grupos extremamente diversificado quanto aos nichos ecológicos, ambientes, e morfologia dentária, além de terem vivido do Devoniano ao Triássico! Então eles são meus favoritos!

Col.: O que, na sua opinião e de acordo com seus estudos, pode ter contribuído para tornar os tubarões um dos grupo de animais mais bem sucedidos evolutivamente?

Ana: Os tubarões ocuparam (e ocupam) os mais diversos nichos e ambientes, com uma enorme variação de dietas alimentares. Além disso, são organismos inteligentes e facilmente adaptáveis. A diversidade morfológica dos dentes (que é o que encontramos na maioria das vezes) nos mostra esse jogo adaptativo ocorre a milhões de anos.

Col.: Por que fósseis corporais de tubarões, com exceção dos dentes, são tão incomuns?

Ana: Os tubarões são conhecidos como peixes cartilaginosos, ou seja, seu esqueleto é de cartilagem e não osso. Com isso a mineralização do esqueleto é diferenciada e apenas algumas partes, como dentes e espinhos são normalmente preservados. Para que haja a preservação de um fóssil corporal é necessário condições muito especiais, como baixa energia e ambiente anóxico (sem oxigênio), e nem sempre essas condições ocorrem.

Col.: É verdade que existiram tubarões exclusivos de água doce?

Ana: Bem, exclusivo é complicado falar, mas tem uns que se adaptaram muito bem, como os hybodontídeos. Dentro desse grupo existem vários gêneros que viveram em água doce. O gênero Planohybodus era um que se achava normalmente em ambiente marinho, mas os registros no Ceará indicam que ali eles exploravam um hábitat de água doce, provavelmente rios.
Col.: Conte-nos alguma curiosidade sobre esses animais e o que, na sua opinião, os torna tão fascinantes.

Ana: Como trabalho com as possíveis cadeias tróficas existentes no passado e o que esses organismos comiam, muito me interessou um artigo que saiu em 2011, apresentando marcas de dentes de hibodontídeos em um amonóide (tipo de cefalópode fóssil com concha), além de alguns dentes que ficaram preservados junto ao molusco! Esse foi o primeiro registro corpóreo desse tipo de interação.

Particularmente considero os tubarões fascinantes devido à já falada capacidade de adaptação deste grupo, como são predadores ágeis, com uma história evolutiva extremamente antiga e diversa, mas com muitas perguntas ainda para serem respondidas.

Tubarões hybodontídios e amonóide ao fundo.
Tubarões hybodontídios e amonóide ao fundo.

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Ana Emília faz doutorado na UFRGS, no programa de pós-graduação em Geociências. Sua tese é focada no estudo de peixes (tanto ósseos quanto cartilaginosos) do Permiano e Triássico, mas ela trabalha paralelamente com icnofósseis de vertebrados (especialmente coprólitos) e peixes do Cretáceo das bacias do Iguatu.

Bibliografia:

Vullo, R. 2011. Direct evidence of hybodont shark predation on Late Jurassic ammonites. Naturwissenschaften (2011) 98:545–549

Dentzien-Dias PC, Poinar G Jr, de Figueiredo AEQ, Pacheco ACL, Horn BLD, et al. (2013) Tapeworm Eggs in a 270 Million-Year-Old Shark Coprolite. PLoS ONE 8(1): e55007. doi:10.1371/journal.pone.0055007

PINHEIRO, F.L. & DE FIGUEIREDO, A.E.Q. & DENTZIEN-DIAS, P.C. & FORTIER, D.C. Planohybodus marki sp nov., a new fresh-water hybodontid shark from the Early Cretaceous of northeastern Brazil Cretaceous Research, 41: 210-216