Guerrilla Girls: mulheres e museus (V. 4, N. 3, 2018)

“As mulheres precisam estar nuas para entrar no museu?”

Essa pergunta já foi feita pelas Guerrila Girls  em diversos museus do mundo. Sempre com a mesma (estarrecedora!) resposta: são pouquíssimas as mulheres artistas presentes nos acervos dessas instituições; e imensa a quantidade de nus femininos, em geral produzidos por homens.

Ok. Não temos nada contra os nus. Muito pelo contrário, entendemos a presença do corpo nu na arte como algo extremamente rico, como tratamos no post “Quem tem medo de artista?”.

Mas essa diferença discrepante entre o número de artistas mulheres e de mulheres nuas retratadas não seria sinal de que algo está errado?

Primeiro de tudo: quem são as Guerrilla Girls?

As artistas usam máscaras de gorila e nunca mostram seus rostos. Uma forma de chamar a atenção para a causa que defendem.

Guerrilla Girls é um coletivo artístico formado por ativistas feministas. Elas lutam para trazer a discussão sobre igualdade de gênero e de raça para o ambiente artístico.

Aparecem em público utilizando máscaras de gorila e começaram suas ações em 1985, espalhando pelas ruas de Nova Iorque seus cartazes irônicos e ácidos. Atualmente seu ativismo continua forte principalmente na internet. De 1985 até hoje, mais de 55 artistas já passaram pelo grupo, que segue anônimo.

Isso mesmo! As Guerrilla Girls nunca mostram o rosto. Elas fazem isso para chamar a atenção para sua causa, e não para suas aparências.

As artistas já estiveram em muitos museus do mundo, inclusive no MASP, em São Paulo, durante o ano de 2017.

Num de seus cartazes mais famosos, que circula com frequência nas redes sociais, elas listam as “vantagens” de ser uma artista mulher. Na verdade, são falsas vantagens, que denunciam o fato de que dificilmente uma mulher terá tanto sucesso no meio artístico quanto um homem. 

Não fazer sucesso. Não ser chamada para exposições. Essas são algumas das críticas feitas pelas Guerrilla Girls ao sistema da arte.

Por que isso acontece?

As ações das Guerrilla Girls nos fazem pensar sobre os motivos dessa desigualdade entre homens e mulheres no mundo artístico. O fato de quase não haver obras de mulheres nos museus pode nos fazer acreditar que elas não estão lá porque não são boas o suficiente.

Pensar assim é um erro.

Mulheres nunca puderam participar da vida social e artística como os homens. Elas não podiam ter uma profissão. Muito menos a profissão de artista.

Vamos dar um exemplo concreto. Você já ouviu falar em Maria Anna Mozart (1751-1829)? Ela era irmã do famoso músico Amadeus Mozart. Quatro anos mais velha do que ele, Nannerl Mozart, como era conhecida, era uma excelente musicista e se apresentava regularmente com seu irmão. Mas, logo que se tornou uma moça, foi proibida pelo pai – que era seu professor –  de continuar sua carreira. Naquela época, uma mulher artista não era vista com bons olhos pela sociedade.

Os irmãos Mozart retratados por Louis Carrogis Carmontelle em 1764. Igualmente talentosos, apenas o menino pôde dedicar-se à carreira de músico.

Agora imagine quantos talentos como o de Nannerl foram desperdiçados? Isso ocorreu em todas as artes. Inclusive nas artes visuais, em que poucas mulheres conseguiram espaço. Uma delas foi…

Artemisia Gentileschi (1593-1653)

Auto-retrato de Artemisia Gentileschi, cerca de 1630. Artemisia foi uma das maiores pintoras de seu tempo e uma das poucas mulheres a ser citada por historiadores da arte.

Sua vida não foi fácil. Filha de Orazio, um pintor barroco muito conhecido em Roma, Artemisia cresceu no ateliê de seu pai e com ele aprendeu o ofício de pintora. Apesar de seu grande talento, sofreu preconceito por acharem que, na verdade, pintava os quadros com ajuda do pai. Era comum também que seus trabalhos fossem tidos como obras de grandes pintores. Isso aconteceu com a famosa pintura Judith decapitando Holofernes, que, durante muito tempo, foi considerada uma obra de Caravaggio.

Artemisia Gentileschi, Judith decapitando Holofernes, c. 1620. Durante muito tempo, essa importante obra foi atribuída a Caravaggio.

Aos 18 anos foi violentada por um pintor, hospedado por seu pai em sua casa. Durante um ano, ela permaneceu calada. Mas então resolveu acusá-lo. Enfrentou a desconfiança de toda a cidade. E seu agressor pôde optar entre ser punido e sair da cidade.

Depois disso, sua obra tornou-se uma forma de denúncia, com pinturas bastante alusivas à opressão sofrida pelas mulheres. Artemisia foi redescoberta na segunda metade do século XX e tornou-se um dos símbolos da luta por igualdade entre os gêneros.

Do século XX para cá, a participação feminina nas artes aumentou, assim como ocorreu nas demais áreas. Mas ainda falta muito para que nosso imaginário sobre as mulheres artistas se transforme. Prova disso é a baixa representatividade feminina nas instituições artísticas, que as Guerrillas Girls não cansam de denunciar.

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