Diplomas e diplomados

O Supremo Tribunal Federal enfiou uma estaca ano peito da exigência legal do diploma de bacherelado em comunicação social para o exercício da profissão de jornalista. Sei que o assunto não tem muito a ver com ciência, que é o espírito desta comunidade de blogues, mas como jornalista profissional diplomado lá se vão quase 20 anos, gostaria de registrar alguns palpites a respeito.
O primeiro é que sempre desconfiei de regulamentações profissionais em geral. Mesmo quando a regulamentação é obviamente necessária (digamos, no caso de médicos e engenheiros civis) a tendência natural é a de que o sistema criado sob o pretexto de proteger a sociedade em geral contra incompetentes e charlatões acabe fazendo exatamente o oposto — isto é, proteja os incompetentes e charlatões contra a sociedade em geral.
O segundo é que regras como a exigência do diploma ao fim e ao cabo funcionam como dificuldades artificiais que só servem para produzir um pujante mercado de facilidades — no caso, faculdades meia-boca de jornalismo que descarregam semianalfabetos diplomados no mercado à taxa de centenas a cada ano. Sem a exigência legal do diploma, essas instituições serão forçadas a oferecer algum serviço útil — além do mimeógrafo de diplomas — para continuar existindo. Talvez, cursos decentes?
O que me traz ao terceiro e último ponto: é concebível um curso de jornalismo em nível de bacharelado que seja capaz de pegar um jovem vocacionado para a área e, a partir dele, oferecer ao mercado e à sociedade um profissional melhor do que esse mesmo jovem seria, se tivesse cursado alguma outra coisa?
Pessoalmente, acredito que sim. Não tenho receita pronta para oferecer, mas suponho que uma abordagem multidisciplinar sólida e uma boa base de lógica e pensamento crítico seriam diferenciais importantíssimos. Talvez, agora que a conveniente reserva de mercado acabou-se, as faculdades se mexam para descobrir a fórmula certa.

Discussão - 10 comentários

  1. Um dos melhores negócios do mundo, se não o melhor, é comprar um jornalista pelo que ele vale, e vendê-lo pelo que ele acha que ele vale. Nossa sociedade valoriza os jornalistas muitíssimo mais que os professores, para dar um único exemplo: para dar aulas de física na rede pública de São Paulo, não é necessário ter graduação em física...
    Um abraço!

  2. Igor Santos disse:

    "...uma abordagem multidisciplinar sólida e uma boa base de lógica e pensamento crítico seriam diferenciais importantíssimos."
    A maior diferença depois da implantação dessa abordagem seria a escassez.

  3. William disse:

    A meu ver, sempre houve um complô contra os jornalistas e o que vem ocorrendo já era esperado.
    Alguns comparativos efetivamente não cabem nesta hora, sobretudo a infeliz comparação do Ministro Gilmar Mendes, falando do cozinheiro e do jornalista.
    Lidar com investigação e com a podridão da sociedade é para poucos e os ministros superficializaram isso alegando o tal direito à livre expressão, que aliás sempre existiu nos espaços dedicados na mídia.
    Fica claro que essa medida foi uma pressão sistemática da mídia, que por sinal tem um acesso diferente às instâncias políticas, sobretudo do 1º escalão.
    Quando o leitor compara o valor do jornalista à uma área de educação do ensino público, há que se observar o seguinte:
    1) a educação é um direito do cidadão, mas as políticas estão nas mãos de políticos que usam isso como estratágia de campanha e de mandato;
    2) O jornalista, pro sua vez construiu sua identidade, a partir de Gustavo de Lacerda, que no início foi desacreditado, mas depois entendido.
    3) O jornalista também rejeita ser manipulado, e isso só ocorre porque a escola acentua suas habilidades e competências.
    No mais, penso que caberia também rever todas as profissões, até para fazer juz a várias distorções que ocorrem por exemplo, no Direito, na Medicina, etc. Mas quem vai levantar essa bandeira!?

  4. Luiz Machado disse:

    Tendo uma cara boa, uma boa retórica, o que importa se seja semi-analfabeto incapacitado? O importante é levar a notícia ao povão, este que acredita em qualquer bobagem por natureza, nem se importará se está sendo informado por boateiros e oportunistas formadores de opinião.
    Já teve em algum lugar por aqui um artigo que falava que o público dá mais relevância a um blog que expressa opinião pessoal do que um técnico, científico e imparcial. O mesmo se vale ao jornalismo.
    Eu vejo um lado muito bom nessa decisão, este erro acompanhado de paciência levará muitas pessoas a buscarem a verdade por conta própria, já que parece que a incompetência e banalidade vai tomar conta dos noticiários. De vez...

  5. Gabriel LA Cunha disse:

    Excelente texto, concordo em gênero, número e grau, parabéns!

  6. João Carlos disse:

    Enquanto isso, um senhor que atende por Barçante (é com "B", mesmo... não é "F", não...) se esforça para obter apoio nas Comunidades de Física do Orkut (e sei lá onde mais...) para a regulamentação da profissão de Físico!
    Me escapa como alguém pode se auto-intitular de "físico" e sua charlatanice não ficar patente – muito embora existam físicos formados que são crackpots de primeira...

  7. João disse:

    Bravo. O que você pede me parece muito próximo daquilo que os anglo-saxões chamam de uma educação nas artes liberais. Ou seja, um sólido embasamento cultural e filosófico capaz de fornecer o instrumental mínimo de que necessitamos para operar como cidadãos conscientes -- todos nós, e não apenas os jornalistas.

  8. JH disse:

    Direto ao ponto, sem delongas. Parabéns: clareza, concisão e lógica implacável.

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