O perfeito encaixe das peças de plantas e patógenos

Publicado por Paulo em

Como o ano no Brasil só inicia depois do carnaval, o Descascando a Ciência está voltando de férias também. Espero que tenham sentido nossa falta, mas não a ponto de nos esquecer, mas vamos logo para o que interessa.

Sabe aquele brinquedo de plástico, de encaixar uma peça na outra que a gente tinha quando éramos crianças? Aquele famoso??

É exatamente assim que acontece entre as plantas e os patógenos que causam doenças nas plantas, que são vírus, bactérias, fungos, insetos. Porque como já vimos em outros posts, as plantas também ficam doentes. E acreditem! Há pessoas, mais precisamente, pesquisadores, que passam a vida estudando essas pecinhas, tanto nas plantas quanto nos patógenos.

E como há muitos artigos científicos publicados, explicando essa relação, nosso grupo do Centro de Citricultura “Sylvio Moreira” resolveu escrever uma revisão desses artigos, focando nesse tema de grande importância e cada vez mais estudado no Brasil: a interação entre proteínas de patógenos com proteínas receptoras de plantas, mais especificamente citros (laranjas e afins). Mas para que isso acontecesse foi necessário o envolvimento de 13 pessoas durante um longo ano para consultar, revisar e compilar os resultados de cerca de 270 artigos.

artigo revisão

Bom, a primeira coisa que é importante saber é que uma REVISÃO é um compilado de vários artigos. Segundo é que o título nem traduzido para o português é fácil de entender, por isso, para entenderem melhor é preciso explicar o que são essas siglas/termos:

PAMPs: do inglês Pathogen Associated Molecular Pattern, em português: padrões moleculares associados a patógenos, que significa: pedaços do “corpo” de vírus, bactérias, fungos e nematóides que já são conhecidos da planta e servem de sinal para planta se defender desses organismos.

PRRs: do inglês Patter Recognition Receptors, em português: Receptores de reconhecimento de padrões, que significa: proteínas das plantas capazes de reconhecer aqueles pedaços do corpo de vírus, bactérias, fungos e nematoides.

Effectors: em português: Efetores, são proteínas com a função de alterar a fisiologia, estrutura ou função de outro organismo. Exemplo: uma bactéria que ao ser ingerida por uma pessoa, libera proteínas que interagem com neurônios e fazem essa pessoa, que adorava exercícios, sentir vontade apenas de comer e dormir para que assim ela consiga viver muito bem no intestino dessa pessoa…não, isso não está acontecendo com você leitor, é apenas um exemplo fictício.

R-genes: do ingês Resistence Genes, em português: Genes de resistência, que significa: genes que codificam proteínas mais específicas e que são capazes de reconhecer efetores, continuando com o exemplo, os genes de resistência vão impedir que a proteína liberada por aquela bactéria controle sua mente.

Decifrando então  o título: PAMPs são proteínas dos patógenos que se ligam a proteínas PRRs das plantas e esse encaixe faz com que as plantas tenham uma primeira resposta de defesa contra os patógenos, tentando se livrar deles. Só que os patógenos são espertos e produzem outros tipos de proteínas, chamadas efetores, que são um segundo ataque dos patógenos às plantas. Mas o que eles não sabiam era que as plantas ainda tinham uma carta na manga, que são os genes de resistência, que são mais uma vez, proteínas das plantas que reconhecem os efetores e desencadeiam uma segunda resposta de defesa da planta. E quem ganha essa guerra??? Quem ataca melhor ou quem se defende? Quem mais resistir!!!!

A primeira parte do artigo é focado para explicar os receptores (PRRs) presentes em citros, que também já foram estudados em outras plantas, como em arroz, feijão, tabaco e em uma planta modelo chamada Arabdopsis. Já a segunda parte do artigo descreve separadamente as principais doenças de citros e como ocorre a interação das proteínas dos vírus, bactérias, fungos e alguns insetos (PAMPs e efetores) com as plantas. Para que vocês entendam melhor eu vou tentar explicar uma por uma.

Tristeza do Citros (CTV)

É uma doença severa e que deixa as folhas amarelas e as fazem cair, os galhos ficam secos e a planta morre, isso acontece por conta do bloqueio dos vasos condutores de seivas, resultado da infecção de um vírus que consegue infectar toda a planta. Nosso trabalho comenta sobre 3 proteínas encontradas no vírus da tristeza que podem ser efetores, porque essas proteínas impedem o sistema de defesa da planta destruir esse vírus. A notícia boa é que também encontramos dados mostrando que o vírus não consegue enganar a planta por completo e que uma parte de suas cópias estão sim sendo destruídas pela planta. Foram também identificados 10 genes de uma planta que estariam envolvidos na resistência contra o vírus da tristeza.

Cancro cítrico

cancro cítrico

Fonte: Fundecitrus

Causada pela bactéria Xanthomonas citri subsp. citri, que cresce na superfície das folhas das planta formando biofilme (já falamos disso aqui) e entram através dos estômatos ou ferimentos chegando ao interior da planta, deixando principalmente folhas e frutos com lesões que parecem verrugas. Foram identificados nessas bactérias estruturas proteicas que são reconhecidos como PAMP pela planta, assim como proteínas que formam uma “micro seringa de injeção” que serve para jogar proteínas menores dentro das plantas (efetores) e essas proteínas efetores que são mais diversificadas entre os diferentes tipos de Xanthomonas. O efetor mais importante que encontramos leva o nome de PthA4, e se a bactéria não tiver esse efetor ela não é capaz de causar o cancro cítrico. Mais recentemente em 2014 foi identificado como um possível alvo desse efetor, o gene da planta CsLOB1, que interessantemente está relacionado com a formação de pústulas (bolinhas) na epiderme da planta.

Mancha Marrom

mancha marrom de aternária

Mancha Marrom de Alternária                            Fonte: Mariana Tarallo

É uma doença causada por um fungo chamado Alternaria alternata e ataca principalmente tangerinas e tangores, Alternaria  é um fungo que se alimenta de material morto e por isso utiliza como armas toxinas produzidas por ele mesmo, que são capazes de degradar a parede celular dos frutos e folhas. As toxinas são os principais efetores utilizados por fungos necrotróficos ativando genes de resistência das plantas (os R-genes) que desencadeiam morte celular no tecido da planta em que o fungo se encontra, o que é bom para o fungo pois é dessas células mortas que o fungo se alimenta.

Vetores de patógenos de citros

Insetos e ácaros podem ser considerados vetores de doenças de plantas por carregarem consigo vírus e bactérias de uma planta para outra (assim como acontece com o vírus da dengue). Nesse caso os microrganismos podem usar de efetores para colonizar insetos sem matá-los e estes possuem efetores que o permitem se alimentar de plantas sem que a planta o perceba e os microrganismos usam isso para entrarem dentro das plantas, tudo muito bem arquitetado por esses vírus e bactérias, não?

O Huanglonbing (HLB) é atualmente a pior doença dos citros que é transmitida pelo inseto Diaphorina citri, [que pode ser considerado o Aedes aegypti das
plantas de citros], esse inseto é responsável por transmitir a bactéria causadora da doença entre as plantas. Ainda não existe um efetor caracterizado do inseto, mas já foi encontrado alguns genes no genoma do inseto que podem vir a serem caracterizados como efetores. Já a bactéria manipula absurdamente a fisiologia dos insetos infectados, pois quando com a bactéria, esses insetos tem o seu desenvolvimento mais lento, a fecundidade aumentada a ponto de fêmeas produzirem mais ovos. Na planta essa bactéria modifica os compostos voláteis liberados por ela tornando-as mais atrativas para o inseto, aumentando assim sua dispersão.

O resultado desse trabalho foi uma lista com mais de 22 proteínas que podem estar diretamente relacionadas com as doenças, o que pode facilitar para que outros pesquisadores possam selecionar as proteínas que lhes pareçam mais interessantes e a estudarem melhor. O que pode também ajudar no avanço do desenvolvimento de plantas resistentes a doenças, através de programas de melhoramento convencional e biotecnologia. Ficou interessado? Acesse o link do artigo ou entre em contato com a gente!! Já voltamos a trabalhar!!!!

Escrito por Paulo Camargo e Laís Moreira Granato


Paulo

Biólogo, mestre em microbiologia, tentando largar o vicio em seriados para poder completar o doutorado em biologia molecular.

3 comentários

Alessandra Alves de Souza · 6 de março de 2017 às 15:42

Para quem quer aprender rapidamente a interação das plantas de citros com as principais doenças que afetam a citricultura, esse post é "o canal" !!!. Super recomendado para os jovens cientistas!!

AS PLANTAS NÃO ESTÃO INDEFESAS - o sistema imune das plantas · 23 de agosto de 2018 às 22:09

[…] http://www.blogs.unicamp.br/descascandoaciencia/2017/03/05/e-o-bloco-das-doencas-em-citros/ […]

Por quem você se mataria? Suicídio celular das plantas. · 7 de setembro de 2018 às 13:12

[…] Proteínas que funcionam como antenas são chamadas de receptores de reconhecimento (PRR do inglês pattern recognition receptors) e são estruturas que atravessam a membrana de célula, sendo capazes de interceptar do lado de […]

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