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Uma das mais intrigantes discussões científicas dos últimos anos esteve focada em quando e como ocorreu a alteração de uma atmosfera praticamente anóxica para uma formada por 21% de oxigênio. Pensar em um tempo geológico em que este gás praticamente não estava presente é um exercício fascinante. Uma fração considerável da vida (excluindo parte das bactérias, que podem tirar energia de praticamente tudo) precisa oxidar a matéria orgânica com o oxigênio para obter energia. Sendo assim, sem a presença de oxigênio na atmosfera, boa parte da vida pluricelular como conhecemos hoje seria inviável.
Bilhões de anos depois desta fase anóxica do nosso planeta, o oxigênio se tornou o segundo gás mais abundante da Terra, perdendo apenas para o nitrogênio. A hipótese mais aceita para este fato hoje em dia é que há mais de 2 bilhões de anos atrás, apenas um grupo de bactérias realizava o processo de oxidação fotobiológica da água (o mecanismo e a evolução deste processos ainda são desconhecidos). Esta bactéria teria sido incorporada por outra célula formando o organismo progenitor de todos os eucariotos fotossintetizantes atuais (desde algas até árvores), segundo a teoria endossimbiótica. Estes organismos passaram a fixar carbono e liberar oxigênio em uma atmosfera bem diferente da atual, alterando de forma marcante a composição desta camada. Um ótimo artigo da Science que saiu na semana passada descreve isso com detalhes. Mas quando isto aconteceu? Foi de forma gradual? Se o “gatilho” da alteração da composição de gases da atmosfera é controverso, em que momento isto ocorreu também não fica atrás.

Linha do tempo de eventos ligados a história do oxigênio na Terra. Fonte: Nature

Cianobactérias são os mais antigos organismos fotossintetizantes do nosso planeta, e ainda persistem até hoje. Como podemos ver na figura acima, existem duas evidências conflitantes sobre em que ponto a fotossíntese (e as cianobactérias) teriam evoluído. Análises de biomarcadores mostram evidências de cianobactérias e eucariotos (“fósseis moleculares” na figura) datados de aproximadamente 2,7 bilhões de anos atrás. Um dado bem confiável mostra que houve um aumento significativo na concentração de oxigênio na atmosfera terrestre há 2,4 bilhões de anos atrás. O que teria acontecido para haver este atraso de quase 300 milhões de anos desde o aparecimento dos organismos fotossintetizantes até o chamado “grande evento oxidativo”? Várias hipóteses foram formuladas na tentativa de explicar este “lag”, mas uma realmente mais simples estava por vir.


“Reavaliando a primeira aparição de eucariotos e cianobactérias”. Fonte: nature

Rasmussen e colaboradores relatam no periódico Nature da última semana que não há nenhum enigma a ser descoberto. Eles defendem que, devido a um erro de coleta de dados, a análise realizada a quase 10 anos atrás que datava em 2,7 milhões de anos o aparecimento das cianobactérias teve um erro “pequeno”, de quase 600 milhões de anos. O mais interessante deste caso é que Jochen Brocks, primeiro autor do trabalho refutado, é um dos autores deste novo artigo. Ele afirma que sempre foi cético em relação à análise original, criticando sua metodologia. O artigo mais recente utiliza um aprimoramento do método usado por Brocks, sendo muito mais preciso.

Para completar a discussão, os co-autores do artigo original de Brocks de 1999 criticaram o mais novo artigo da Nature, dizendo que eles não levaram em consideração trabalhos mais recentes que refinaram os dados retirados do mesmo local de coleta. Outros cientistas ainda ressaltaram que alguns estudos com estromatólitos (estruturas formadas em corpos aquáticos rasos por bactérias fotossintetizantes) de 2,7 bilhões de anos de idade podem colocar ainda mais lenha na fogueira. Estes comprovariam que organismos fotossintetizantes poderiam ter aparecido milhões de anos antes do grande evento oxidativo, levando toda a discussão novamente para o grande “lag”.

Sendo assim, a verdadeira história do principal aceptor de elétrons do nosso planeta está longe de ser contada. Aguarde o próximo capítulo.

Referências:

Brocks, J. (1999). Archean Molecular Fossils and the Early Rise of Eukaryotes Science, 285 (5430), 1033-1036 DOI: 10.1126/science.285.5430.1033
Fischer, W. (2008). Biogeochemistry: Life before the rise of oxygen Nature, 455 (7216), 1051-1052 DOI: 10.1038/4551051a
Rasmussen, B., Fletcher, I., Brocks, J., & Kilburn, M. (2008). Reassessing the first appearance of eukaryotes and cyanobacteria Nature, 455 (7216), 1101-1104 DOI: 10.1038/nature07381
Falkowski, P., & Isozaki, Y. (2008). GEOLOGY: The Story of O2 Science, 322 (5901), 540-542 DOI: 10.1126/science.1162641

Kump, L. (2008). The rise of atmospheric oxygen Nature, 451 (7176), 277-278 DOI: 10.1038/nature06587