O ambientalista James E. Lovelock, autor da hipótese religiosa pseudo-científica de Gaia e visto como uma espécie de semi-deus pelos “verdes” comentou sobre o que acha das fontes de energia consideradas “limpas”. Depois de publicar uma carta no periódico científico Nature com a ideia no mínimo questionável de construir tubulações gigantes no fundo do oceano para bombear água com nutrientes e estimular a fixação de CO2 por algas (?) para “salvar o planeta”, Lovelock concedeu uma entrevista ao jornal britânico The Guardian para refletir sobre os seus 90 anos de vida. De forma surpreendente, a entrevista me agradou. James Lovelock criticou o uso de sua teoria mais famosa por Hippies e religiosos, reforçando que ele nunca achou interessante o posicionamento destes grupos perante o seu discurso. Ainda mais interessante foi o que ele respondeu sobre a sua opinião em relação as energias consideradas “limpas”:
“Parte da mais recente histeria verde é simplesmente errada. Eu sei o que deve ser motivo de preocupação e o que não deve. Voar não é um grande problema, não quando comparado com todo o CO2 sendo liberado a todo momento por nós e por nossos animais de estimação. (…) Muita gente tem fechado suas mentes para argumentos contra parques eólicos. Mas elas são monstruosamente tolas! Uma base suporte de concreto de 500 toneladas, sendo 4 mil delas necessárias para igualar a produção de uma estação de queima de carvão – como isso está ajudando? Uma reportagem na Der Spiegel mostrava que na Alemanha, onde existem 17.500 daquelas coisas, a quantidade de CO2 que agora está sendo produzida no país é maior do que nunca. (…) Energia produzida pelo movimento das marés é uma boa ideia, sim. Mas isso levaria tempo. Nós não temos tempo. Nuclear é a resposta. Muito, muito menos perigoso do que qualquer propagandista já alegou.”
Críticas a hipótese de Gaia a parte, um posicionamento desta forma em relação as energias consideradas “limpas” vindo de um símbolo ambientalista como James Lovelock é muito bem vindo. Investimento em energia eólica e solar sem planejamento somente pela imagem e pela pressão do público verde é inconsistente. Devemos investir em pesquisa básica para diminuir o custo e o impacto deste tipo de energia. Quando o ambientalismo vira modismo…
Para ler mais sobre energia “limpa”, clique aqui.
Nuclear é um opção para muitos povos, grande parte da energia da França, por exemplo, é nuclear. Tchernobyl de fato é uma excessão. Por outro lado, se aqueles que defendem a energia nuclear como um modelo competitivo, incluindo Lovelock, estivessem acometidos de cancer de tireóide assim como 1/3 da população da Bielorussia! a opinião desse mesma, ou seria um pouco mais crítica e menos superficial? Falhas humanas e tecnológicas acontecem, quando será o próximo acidente e quando vai ser não se sabe, a única informação que temos é que irá acontecer. Resta saber se os defensores da nuclear estao dispostos a assumir essa responsabilidade! (em detrimento das fontes realmente limpas, o vento e o sol.)
parabens pela teoria
@osame
Já li o texto que me recomendou todo e parece-me que as conclusões sáo compativeis com o que lhe escrevi antes. Talvez não nos estejamos a entender por uma razão qualquer acessória.
Acho que podemos então partir para Lakatos. Por outras palavras, o que me diz é que Gaia é mais hipotese que Teoria. Mas isso não é importante. O que é importante é de que modo Gaia fornece teorias parciais mais estritas que possam ser testadas?
É que eu penso que esta teoria não tem essa força. Nomeadamente se Gaia é um metaorganismo deveria ser capaz de se adaptar a condições externas, as quais nós sabemos estarem tão profundamente estaveis que se fala em ser prova de ter sido pensada por Deus. O que não é suficiente para considerar Gaia um metaorganismo.
Adicionalmente, deveriamos encontrar outras caracteristicas, como a capacidedade de eliminar os seus produtos residuais e a capacidade de se reproduzir.
Sò se definirmos meta-organismo como sendo um organismo que vive num meio ambiente praticamente imutavel, tem um nucleo não biologico (unico conhecido), não se reproduz, e a sua pseudoconsciencia emergente das forças sociais é cega ao seu futuro e não age em acordo comum.
@ Osame
Li a parte referente a Popper e penso que esta exagerada nas conclusões.
Alias no decorrer do texto, nas paginas seguintes que li, o autor toma sempre uma posição mais moderada em relação ao falsificacionismo, que eu penso é a posição mais consensual. É de que fazer previsões é uma caracteristica da ciencia, mas que só por si não chega para definir ciencia como popper queria.
Dê uma olhada na Enciclopedia de Filosofia de Stanford Online, em vartios temas vai encontrar varias referencias ao popperismo ser actual na sua forma mais fraca e como importante factor discriminador entre ciencia e pseudociencia. Na practica é um critério "de facto" da ciencia. Porque é um garante da precisão e especificidade de uma teoria.
Repare, posso explicar tudo como sendo um milagre. É uma explicação extremamente abrangente. Completa. E até consistente. Mas fraca porque não faz previsões. O que denuncia o ponto fraco que é a sua especificidade e poder explicativo. Porque se compreendemos o fenomeno, podemos ver para onde ele leva.
Em ultima analise o que distingue a ciencia do que não é ciencia é o debate cientifico. Saber se as tais suposições são a razão de refutação da teoria pode ser uma questão de debate.
Tambem nunca me satisfez o exemplo da anomalia referida acerca da mecanica newtoniana. Mas isso é outra história.
Joao, de uma olhada na secao sobre Popper em:
http://www.its.caltech.edu/~dg/HowScien.pdf
Teorias nao sao testaveis em si mesmas, mas apenas na forma Teoria + condicoes auxiliares. Assim, a Teoria de Gaia é um programa de pesquisa (no sentido de Lakatos) e todo programa de pesquisa, como bem observa Lakatos, nao é testável ou refutavel em si, mas apenas as teorias parciais que incluem condicoes auxiliares mais estritas.
Olá João, como sempre um belo complemento ao post.
Concordo em parte com a sua citação. Pensar em todo o ciclo de produção de energia sempre é a melhor saída, por isso o argumento do Lovelock em relação a eólica também está correto. Outro argumento interessante seria que a área ocupada pelos parques eólicos para atender a demanda mundial seria algo inimaginável.
A citação também afirma que a energia nuclear não estaria preparada para a disseminação mundial e a energia eólica sim. Acho bem estranha essa afirmativa, já que a energia nuclear está muito mais desenvolvida tecnologicamente do que a energia eólica. A energia nuclear tem vários problemas, mas que ela está mais pronta para a disseminação mundial do que a eólica eu acho que é um fato.
Comparando o gasto de energia para a construção de uma usina nuclear com um moinho, com certeza o gasto é maior da usina, mas o saldo de gasto/produção é melhor para a usina nuclear.
A minha humilde opinião devemos investir mais de pesquisa de novas fontes de energia e não querer substituir neste momento todas as fontes sujas pelas ditas "limpas". Acho que ainda existe um grande caminho para as fontes "limpas" serem completamente limpas. Enquanto desenvolvemos estas tecnologias, devemos investir também em limpas fontes sujas, diminuir a emissão, aumentar o sequestro de CO2. Uma pena que a pressão do público sobre os políticos é tão grande que este debate muitas vezes fica enviesado. Mas é para isso que estamos aqui!
Não deixe de voltar sempre João. Sua presença nos comentários é sempre engrandecedora.
Como da discussão pode nascer o saber, aqui deixi citações de um defensor da energia eolica:
"The enhanced greenhouse effect is arguably the most dangerous environmental problem and the most difficult political issue to be faced by the world in the 21st century." (p. 1)
"The recent push for a revival of nuclear energy has been based on its claimed reduction in CO2 emissions where it substitutes for coal-fired power stations. In reality, only reactor operation is CO2-free. All other stages of the nuclear fuel chain -- mining, milling, fuel fabrication, enrichment, reactor construction, decommissioning, and waste management -- use fossil fuels and hence emit CO2..." (p. 252)
"Global wind-power capacity continues to expand and, apart from the blip in 2006, its costs continue to decline steadily. Wind power is one of the few energy supply technologies that are ready for wide dissemination today, unlike coal with CO2 capture and sequestration and unlike nuclear power. Wind can deliver deep cuts in CO2, while providing a hedge against fluctuating fossil fuel prices and reducing energy import dependence." (p. 126)
Quem é ?
MArk Diesendorf.
Tambem encotrei citações na wikipedia a dizer que os custos dos moinhos estão cobertos ao fim de alguns meses.
Voces discordam? É que o argumento de que a central nuclear ainda consume mais recursos a montar que os moinhos é plausivel, e os moinhos são energias renovaveis. Enquanto o planeta andar à volta do sol
@Osame
Enviei uma outra resposta mas não apareceu, por isso volto a tentar com mais simplicidade:
Refutada como? Enquanto condição suficiente talvez, mas como critério necessário não. Por favor elabore.
Pessoal, devemos lembrar que o Popperianismo foi refutado, que temos Kuhn, Lakatos e Feyrabend, e bom filosofos da ciencia na decada de 90 e 00...
Se me permitem dar a minha opinião, Gaia não será ainda uma teoria cientifica. Enquanto não fizer previsões que possam ser falsificadas não é.
Como hipotese, penso que deve ser mantida por perto. Provavelmente com modelos matematicos muito precisos poderemos testar a questão de como a Gaia, enquanto organismo seria capaz de reagir (ler adaptar-se) face a alterações forçadas da homeostase.
Não creio no entanto que não passe de uma metafora util para explicar a complexidade da interação de ecosistemas etc. - mas para sempre incapaz de fazer previsões que demosntrem o seu rigor e objectividade (que afinal é o que fazer uma previsão falseavel significa). Um modelo fraco para um organismo que não se reproduz, não excreta os seus metabolitos indesejados, não provara nunca (espero) ser capaz de se adaptar a um meio externo diferente ( mudemos de orbita haha), e tenho a certeza que me falta qualquer coisa. HA. Seria o primeiro ser vivo a crescer à volta do esqueleto pré-fabricado, como se fosse um planeta como os outros onde apareceu vida...
Já que comecei a procurar...
Artigo do grande El-Hani mostrando como a Teoria de Gaia em livros nacionais leva a conclusões erradas sobre ecologia: Do Carmos et al, 2009, Science and Education
Só gostaria de colocar uma frase para fechar:
"Finally, it is important to stay focused on the things that matter. It should not matter whether the current version of Gaia theory survives intact. It should not matter whether the Gaia label endures. It certainly should not matter who is perceived to have ‘won’ the Gaia ‘debate’; as I said early in this essay, science is a journey of exploration, not a paltry contest. What should matter is that we all keep moving forward, toward a clearer understanding of how the Earth system work"
Fonte: Kirchner, Climate Change, 2003.
Nossa, não sabia que nem bater com dados reais Gaia estava batendo. Como disse Kirchner, vamos discutir os mecanismos, o que realmente interessa.
Engraçado,
Sempre escuto dos biólogos que os físicos acham que a ciência se resume a física. É uma pena...mas já discutiram muito isso antes de mim. É só pegar uma boa literatura de Mayr, Biologia ciência única.
Quanto a competição entre Gaias, prefiro deixar para o próximo discutir.
Engraçado,
Todos os físicos estatísticos computacionais que conheço acreditam na hipótese Gaia, é na verdade apenas mais um exemplo de propriedade coletiva ou atrator dinâmico.
Bom, mas como um famoso cientista (referencia a procurar) já disse que o problema dos biólogos é que não são verdadeiros cientistas, fica explicado o ceticismo deles...
Para haver evolução por seleção natural não é necessário uma grande população, mas apenas dois sistemas competindo: não existe apenas uma Gaia, mas várias, parcialmente superpostas.
Por exemplo, a Gaia aérobica competiu com a Gaia anaeróbica e acabou dominando a Terra (embora a Gaia anaeróbica ainda resista).
A Gaia antropica (humanos mais seus mutualistas e simbiontes, incluíndo máquinas) está competindo com a Gaia pré-antrópica e a está substituindo.
É como na evolução do Mercado. Os vários mercados competem (embora não se reproduzam de forma convencional) e novas formas de mercado surgem por mutação e seleção. Os mecanismos homeostaticos de Gaia são similares aos mecanismo homeostaticos do mercado.
E não adianta dizer que o mercado é homeostatico devido à consciencia humana: mesmo se tivessemos apenas robos inconscientes trabalhando e consumindo através de um mercado, teriamos os mesmos fenomenos coletivos...
Marx já dizia isso...
"Comparar modelo de presa predador com Gaia, mais uma vez, é no mínimo estranho. Por favor. Modelos presa-predador são baseados em estudos reais das interações e Gaia só se baseia em princípios indiretos. Não vamos tentar usar modelos bem estabelecidos para dizer que Gaia é a mesma coisa."
Não é estranho. O modelo presa-predador é um modelo, assim como o do mundo das margaridas. São predições matemáticas de resultados.
Gaia não se baseia apenas em princípios indiretos. Mas mesmo que se baseasse não haveria problemas, desde que os princípios sejam testáveis. Veja que praticamente não podemos testar especiação por observação direta, para isso servem os indícios indiretos - como redução da viabilidade do híbrido.
Um exemplo de observação mais direta de Gaia é a relação entre produção de DMS e o grau de cobertura por nuvens em uma dada área.
"Finalizando...nossa discussão começou quando eu disse que a teoria de Lovelock era religiosa e pseudo científica. No final de toda a sua argumentação você diz que a teoria não está errada por este motivo."
Isso eu não disse. Estou defendendo que a teoria *não* é pseudocientífica. O que eu disse é que não se pode dizer que a teoria é pseudocientífica tão somente porque outras pessoas *deturparam* a teoria, fizeram mau uso dela (mesmo que isso tenha sido feito com a conivência do autor da teoria - e defendo que não foi).
Se a teoria fosse pseudocientífica, ela estaria errada, lógico.
Na atualização da minha postagem inseri palavras do próprio Lovelock sobre essas questões de metáforas, Gaia sensciente e quetais.
[]s,
Roberto Takata
Caro Roberto, acho que estamos chegando num ponto de que não está sendo levantado mais nenhum argumento novo só refutações encima de palavras utilizadas. Ainda mais quando pegamos frases isoladas e discutimos fora do conjunto. Acho melhor discutirmos ideias.
Só refutando alguns detalhes. Comparar modelo de presa predador com Gaia, mais uma vez, é no mínimo estranho. Por favor. Modelos presa-predador são baseados em estudos reais das interações e Gaia só se baseia em princípios indiretos. Não vamos tentar usar modelos bem estabelecidos para dizer que Gaia é a mesma coisa.
Quando a Darwin, discutir a teoria de Seleção natural apenas pensando no título é uma análise muito rasa. Se fosse assim poderia afirmar que Gaia é teleológica apenas pelo título também (o que é total verdade). A seleção natural é o mecanismo explicativo da evolução, mas o termo é mal utilizado e compreendido. Nós que tivemos a chance de ler um pouco mais sobre o assunto devemos defender a utilização de seleção dos mais aptos, como fizeram os grandes evolucionistas, inclusive o próprio Darwin. Mais uma vez citação realmente não é mais forte do que a análise do contexto feita previamente. Recomendo leitura de Mayr para mais sobre este tema.
Finalizando...nossa discussão começou quando eu disse que a teoria de Lovelock era religiosa e pseudo científica. No final de toda a sua argumentação você diz que a teoria não está errada por este motivo. Acho que saímos do ponto original. Meu argumento sempre foi de que a teoria trazia uma ideia teleológica, uma metáfora ruim, etc. Não afirmei que ela estava errada em princípio. Acho sim que grande parte da culpa é do próprio Lovelock, o que é uma questão de opinião. Ele dá sinais claros que pegou a popularidade do termo e se aproveitou disso, dizendo que Gaia precisa ser curada através de ideias estapafúrdias como a dos canos nos oceanos. Tenho certeza que Dawkins e muito menos Darwin defenderam de forma tão teleológica suas metáforas. E comparar Gaia a estas metáforas para mim é algo complicado.
Abraços.
"Em um equilíbrio tampão não dizemos que Gaia mantêm o equilíbrio."
Dizemos que os componentes do sistema tampão mantém o equilíbrio, o mesmo com Gaia - a interação de todos os seus componentes resultam na manutação do equilíbrio dentro de uma dada faixa (dada certas condições).
"Não fazemos extrapolações sobre conservação, interações."
Hmmm, fazemos sim. O princípio geral é cibernético, da retroalimentação negativa. Quando estudamos conservação, por exemplo, na questão de carnívoros topo de cadeia, aplicamos exatamente esse raciocínio... Vide o caso da conservação das lontras marinhas: sem elas, a população de ouriços explodia, a de kelps declinava e a das orcas também. É o modelinho básico da população de presa e predador.
"Fazer de uma teoria que apenas fala sobre homeostase extrapolações sobre a ecologia dos organismos é um erro."
Há mais do que extrapolações, há interpolações. Basicamente o que Lovelock faz é integrar a biota ao meio abiótico na análise.
"Claro que faz! Imagina se Darwin tivesse focado mesmo no termo seleção natural, que o planeta Terra seleciona os organismos. Aí seria uma teoria de Gaia. Uma entidade superior."
E Darwin focou no termo seleção natural. Tanto é que seu livro se chama: "A origem das espécies POR SELEÇÃO NATURAL"... aliás, a maior contribuição de Darwin (e Wallace) foi exatamente a seleção natural como fator explicativo da evolução. Lendo "A origem" notamos o quanto Darwin antropomorfiza a ação da natureza.
"I have called this principle, by which each slight variation, if useful, is preserved, by the term of Natural Selection, in order to mark its relation to man's power of selection. We have seen that man by selection can certainly produce great results, and can adapt organic beings to his own uses, through the accumulation of slight but useful variations, given to him by the hand of Nature. But Natural Selection, as we shall hereafter see, is a power incessantly ready for action, and is as immeasurably superior to man's feeble efforts, as the works of Nature are to those of Art."
"Nature only for that of the being which she tends. Every selected character is fully exercised by her; and the being is placed under well-suited conditions of life."
"see whether Nature does not reveal to us her method of work"
etc, etc.
"Disse que além de deixar grandes brechas no texto por fazer uma metáfora infeliz, Lovelock era cauteloso na crítica as má interpretações."
Você pode até criticar *Lovelock* por isso (eu discordaria, mas enfim), mas isso não faz com que a *idéia* seja errada.
"O termo superorganismo está carregado de uma ideia de consciência, vontade, previsão. O que para mim é uma ideia completamente errada."
Assim como "gene *egoísta*", "*seleção* natural", "*evolução* biológica", "*dogma* central da biologia molecular"... A *linguagem* biológica é cheia de referências teleonômicas, na comunicação entre especialistas ainda se usa a linguagem lamarckista para falar de adaptações e evolução. Não quer dizer que os conceitos realmente se refiram a algo teleonômico.
"Testar homoestafe por fatores indiretos? A temperatura é constante? Para mim a questão está em responder porque ela é constante e não propor metáforas para dar nomes a constância. Acho que a questão científica está aí."
A teoria Gaia faz mais do que dar um nome - nomear faz parte -, ela faz previsões. E fornece explicações. Do mesmo modo como invertemos o sinal ao dizer: "enxergamos porque temos olhos e não temos olhos para enxergar", invertemos o sinal e encontramos uma explicação: "a temperatura da Terra é favorável à vida porque existe vida e não existe vida porque a temperatura da Terra é favorável à vida". Isso faz sentido ao pensarmos que a vida provavelmente surgiu logo após o fim do período de bombardeios cósmicos - a temperatura não necessariamente seria agradável à nós. É o que Lewontin quer dizer com "não existem nichos ecológicos", no sentido de que não há um lugar no ambiente no qual os organismos passivamente se ajustam. Não, os organismos *criam* o nicho, sofrem ação do ambiente e agem sobre ele.
"Fazer uma metáfora ambientalista de processos do planeta não é uma hipótese que merece ser testada".
Toda hipótese testável merece ser testada. Para ser científica basta que a hipótese seja refutável ao menos em princípio. A teoria Gaia é mais do que uma metáfora, por isso pode ser testada. Ela fornece previsões sobre os ajustes dos parâmetros.
Uma das previsões é que boa parte das chuvas sobre os oceanos eram causadas pelas emissões de dimetil sulfeto pelas algas. Associada a essa previsão, concluir-se-ia que regiões da superfície oceânica com grandes concentrações de diatomáceas concentrariam a maior parte das nuvens. Como as nuvens aumentam o albedo, aumentam a reflexão dos raios solares, esfriando o clima. Dessa forma as algas ajudariam a controlar a temperatura global. Com mais chuvas, as algas seriam dispersas, gerando menos nuvens, fechando o ciclo de retroalimentação negativa.
Lovelock não tem culpa do mau uso que fizeram ao distorcerem as idéias dele. Assim como Gould não tem culpa do mau uso que os criacionistas fazem das críticas dele ao panselecionismo. Mas, ok, você até poderia dizer que Lovelock tem sim culpa.
Mas ele ter culpa disso, não faz com que a idéia dele esteja errada. Do mesmo modo como as críticas de Gould ao panselecionismo não ficam erradas por ele eventualmente não ter sido enfático contra os criacionistas. Ou que a física quântica não se torna errada pelo uso que Capra e Goswami fazem de sua versão caricata.
[]s,
Roberto Takata
Continuando...
"Seria o mesmo que dizer que o equilíbrio de um sistema tampão é teleonômico."
Não mesmo. Em um equilíbrio tampão não dizemos que Gaia mantêm o equilíbrio. Não fazemos extrapolações sobre conservação, interações. Fazer de uma teoria que apenas fala sobre homeostase extrapolações sobre a ecologia dos organismos é um erro.
"De todo modo o ponto é este, não faz muito sentido criticar algo por ser metafórico"
Claro que faz! Imagina se Darwin tivesse focado mesmo no termo seleção natural, que o planeta Terra seleciona os organismos. Aí seria uma teoria de Gaia. Uma entidade superior.
Não disse que o erro foi apenas devido a interpretação de ambientalistas e religiosos. Disse que além de deixar grandes brechas no texto por fazer uma metáfora infeliz, Lovelock era cauteloso na crítica as má interpretações. Dawkins e Darwin não deixaram isso transparecer. Nas primeiras revisões do texto bateram claramente nestes falsos argumentos. Lovelock se aproveitou da fama da Teoria, que não seria nada se não fosse a propaganda feita pelos grupos ambientalistas.
"Organismo ou superorganismo passa a ser basicamente uma questão semântica."
Descordo veementemente. Mas aí também passa a ser uma questão de opinião. O termo superorganismo está carregado de uma ideia de consciência, vontade, previsão. O que para mim é uma ideia completamente errada.
Quanto a teoria eu realmente continuo achando que é uma metáfora para algo que não foi testado. Testar homoestafe por fatores indiretos? A temperatura é constante? Para mim a questão está em responder porque ela é constante e não propor metáforas para dar nomes a constância. Acho que a questão científica está aí.
Termino com a minha resposta ao seu post..."Fazer uma metáfora ambientalista de processos do planeta não é uma hipótese que merece ser testada".
"Se pensarmos nas várias continuações feitas pelo Lovelock (livros lançados posteriormente) essa ideia fica ainda mais clara. Segundo ele a homeostase é causada por e pela vida na Terra."
Na verdade Lovelock descarta claramente a teleologia. Lovelock diz que a homeostase é causada por todo os elementos do sistema em conjunto. "I failed to make clear that it was not the biosphere alone that did the regulation but the whole thing, life, the air, the oceans, and the rocks." - no prefácio da edição de 2000 de "Gaia: a new look at life on earth" (Oxford University Press). Seria o mesmo que dizer que o equilíbrio de um sistema tampão é teleonômico.
"Quanto ao Gene egoísta é apenas uma metáfora que não tem nada de teleológica." - assim como a idéia de uma Terra que se regula "conscientemente". (A idéia da Terra como um superorganismo pode ser tomado como mais do que uma metáfora.)
"'Seleciona-se com um fim, propósito'? Este é o verdadeiro oposto! Lutamos sempre contra essa ideia."
Claro que sim. Por isso eu disse: "Mas não é essa a idéia que se deve conservar quando se fala em seleção natural."
De todo modo o ponto é este, não faz muito sentido criticar algo por ser metafórico.
"Voltando a Gaia... além dela ter sido proposta desta forma originalmente, o apoio de grupos ambientalistas e até religiosos a teoria acabou por afundar o barco de vez."
Seria o mesmo que dizer que a teoria de Darwin afundou pelo uso que os darwinistas sociais fizeram dela. Ou que a física quântica afundou pelo uso que os mesmos adeptos da Nova Era fizeram dela: Fritjof Capra, Amit Goswami e quejandos. Ou que Dawkins está errado pelo que certos executivos fizeram da teoria do gene egoísta. Ou o que os criacionistas fazem com trechos selecionados de Gould torna o trabalho dele dispensável.
Mas Lovelock foi consciencioso o suficiente para na *primeira* edição de Gaia dizer:
"Occasionally it is difficult, without excessive circumvolution, to avoid talking of Gaia as if she were known to be sentient. This is meant no more seriously than is the appellation 'she' when given to a ship by those who sail in her, as a recognition that even pieces of wood and metal when specifically designed and assembled may achieve a composite identity with its own characteristic signature, as distinct from being the mere sum of its parts."
"Para mim o erro foi como ela foi proposta e de ter usado uma infeliz analogia."
A analogia é quase tão perfeita quanto uma analogia pode ser. Na verdade é possível até abandonar a interpretação analógica e tomar seriamente - e sem abandonar o ponto de vista científico - a frase: "a Terra é um superorganismo com funções homeostáticas". O argumento é mais sofisticado e sutil, mas basta pensarmos em uma caravela: eu quase não consigo ver uma como uma colônia, senão como um indivíduo - compostos de milhares de subunidades que são homólogas a unidades independentes de organismos aparentados. Do mesmo modo como somos um indivíduos compostos por subunidades - células - que têm existência mais ou menos autônoma nos organismos unicelulares. Toda a série de organismos volvocales mostram que a distinção entre colônias e indivíduos pode ser mais gradual. E as mixamebas mostram que a idéia de individualidade e coletividade também é um conceito útil, mas limitado. O fato de Gaia ser um organismo composto de múltiplos genomas apenas reflete em uma escala planetária a nossa própria composição quimérica endossimbiótica: certamente possuímos organela que eram bactérias de existência independente em nossas células, com genoma distinto; possivelmente somos frutos da mescla de genomas de diversas populações em um cenancestral. Organismo ou superorganismo passa a ser basicamente uma questão semântica. Já a existência de homeostase pode ser testada.
O modelo do mundo das margaridas coloca Gaia como uma teoria solidamente fundada em um modelo matemático.
Então temos todos os elementos para considerar Gaia como uma sólida teoria científica, sem nada de misticóide.
Aliás, recomendo a leitura deste trabalho de Lovelock em parceiria com Lynn Margulis:
http://www.gps.caltech.edu/classes/ge148c/pdf%20files/lovelock.pdf
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[]s,
Roberto Takata
Olá Roberto, obrigado por continuar a discussão que é sempre o nosso objetivo 🙂
No meu ponto de vista a teoria tem sim argumento teleológico, o que fica muito claro até pelo texto original que você enviou. Se pensarmos nas várias continuações feitas pelo Lovelock (livros lançados posteriormente) essa ideia fica ainda mais clara. Segundo ele a homeostase é causada por e pela vida na Terra. Se isso não é argumento teleológico eu não sei mais o que é.
Quanto ao Gene egoísta é apenas uma metáfora que não tem nada de teleológica. Na verdade é bem explicado pelo Dawkins de como a seleção natural poderia ter gerado este aparente egoísmo. O que é sempre ressaltado a cada momento por ele.
Quanto a seleção natural em si muito menos. Na verdade qualquer evolucionista (podemos pegar Mayr como exemplo) sempre faz uma alerta contra a má interpretação do A Origem das espécies. O termo seleção natural nunca foi adotado claramente por Darwin. A comparação com seleção foi uma maneira fantasticamente didática de mostrar como a reprodução sexuada pode gerar características herdáveis e variáveis ao longo do tempo. "Seleciona-se com um fim, propósito"? Este é o verdadeiro oposto! Lutamos sempre contra essa ideia. Por favor, comparar Teoria de Gaia com seleção natural acho que foi um pouco forte demais 🙂
Voltando a Gaia... além dela ter sido proposta desta forma originalmente, o apoio de grupos ambientalistas e até religiosos a teoria acabou por afundar o barco de vez. Lovelock na entrevista citada no post tenta argumentar que ele não apoiava a forma como estes grupos interpretaram a sua teoria. Mas eu acho que já é tarde. Para mim o erro foi como ela foi proposta e de ter usado uma infeliz analogia. O que gerou uma interpretação que supervalorizou uma brecha deixada pelos autores. Talvez eles teriam que ser mais cuidadosos neste sentido...
Abraços.
Fiz uma postagem sobre a questão da teoria Gaia:
http://genereporter.blogspot.com/2009/08/teoria-gaia-nada-de-misticismo.html
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Quanto à metáfora, bem, então "O Gene Egoísta" não é científico? A própria idéia de seleção natural nasceu de uma metáfora - em comparação à seleção artificial dos criadores de plantas e animais domésticos. A seleção é algo teleonômico - seleciona-se com um fim, com um propósito. Mas não é essa a idéia que se deve conservar quando se fala em seleção natural. Do mesmo modo como não é essa a idéia que se deve ter ao se falar em sistemas autorregulados.
[]s,
Roberto Takata
"Acho que a teoria abre um espaço gigantesco para críticas. o próprio Lovelock nunca desmentiu toda a natureza teleológica a teoria. Não há finalidade nas condições do nosso planeta. Uma teoria que descreve um fato de forma metafórica, quase religiosa, tem sim que ser criticada. Pelo menos na minha opinião ciência não é isso."
Bem, todas as teorias - especialmente as científicas - devem ser sujeitas à crítica (no sentido de exame minucioso). A teoria Gaia não é teleológica, Lovelock apenas admite que dentro de uma faixa de tempo e condições, o sistema planetário Terra é um grande sistema homeostático.
Recomendo fortemente a leitura deste artigo (em coautoria com Lynn Margulis) de 1974, em que é lançada a teoria (que eles chamam de hipótese) Gaia:
http://www.gps.caltech.edu/classes/ge148c/pdf%20files/lovelock.pdf
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[]s,
Roberto Takata
Bela reflexão Davi. Mas a conclusão que tenho hoje em dia é que a energia nuclear está longe de ser o bicho de sete cabeças dos ambientalistas e da mídia "verde"....
Adore o post..
Realmente a atual forma de se produzir energia eólica é praticamente inviável.
Mas "nuclear é a resposta" tb não me agrada! Pois nuclear é "limpo" em termos de CO2.. mas não é renovável!
Precisamos aperfeiçoar as tecnologias de obtenção de energias renováveis e variar ao máximo a matriz energética para não ficar a mercê de nenhum recurso por si só.
Minha opinião
Luís, o problema não é só a emissão de CO2 pela construção da estrutura. Existem vários outros problemas, falei de alguns aqui: http://scienceblogs.com.br/discutindoecologia/2008/10/movimento-internacional-contra-a-energia-eolica.php
E é claro que para substituir toda a produção de energia do mundo por eólica não existiria espaço disponível.
Opa. Obrigado pela explicação.
Ok. Mas tem como resgatar a informação de quanto CO2 seria emitido na construção de toda essa estrutura e suas 500 toneladas?
Será que mesmo com as 500... ainda não seria uma boa saída.
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Buenas. Sei que esses cálculos (estimativas) são difíceis. |:-)
Desculpe pela tradução meia boca Luís, mas vamos lá:
"Muita gente tem fechado suas mentes para argumentos contra parques eólicos. Mas elas são monstruosamente tolas! Uma base suporte de concreto de 500 toneladas, sendo 4 mil delas necessárias para igualar a produção de uma estação de queima de carvão - como isso está ajudando?"
Segundo Lovelock, cada base para suportar uma turbina eólica precisa de 500 toneladas de concreto e é necessário 4 mil turbinas para igualar a produção de energia de uma usina à carvão. Será que isso é ecologicamente correto? Podemos chamar isso de "verde" ?
É bem por aí o raciocínio....
Não entendi o dado sobre as ´500 toneladas´.
:-/
Roberto,
Acho que a teoria abre um espaço gigantesco para críticas. o próprio Lovelock nunca desmentiu toda a natureza teleológica a teoria. Não há finalidade nas condições do nosso planeta. Uma teoria que descreve um fato de forma metafórica, quase religiosa, tem sim que ser criticada. Pelo menos na minha opinião ciência não é isso.
Acho que a maior parte das críticas à teoria de Gaia são injustas. A teoria em si não tem nada de mística. Refere-se apenas a um sistema autocontrolado por processos de feedback negativo.
[]s,
Roberto Takata
"Nuclear é a resposta. Muito, muito menos perigoso do que qualquer propagandista já alegou." - eu sempre digo isso, mas 98% das pessoas vem me falar de Chernobyl, como se o que aconteceu la fosse a regra...