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at the Museum of Natural History
Todas essas ideias são controversas porque elas são baseadas nas interpretações de cientistas sobre fósseis que são normalmente incompletos ou que se tornaram distorcidos durante milhões de anos. Nós podemos nunca ter toda a evidência necessária para apoiar essas ideias“. Quadro do “American museum of natural history”. Crédito: amlibrariam.

Semana passada o Roberto Takata do ótimo blog Gene Repórter postou um texto intitulado “Discutindo ciências palpiteiramente“. Lá ele levantou a bola do que chamou de “autoalfabetização científica” e, é claro, deu o seu pitaco sobre o assunto. Eu postei um comentário lá no Gene Repórter e, como sempre, o Takata postou uma boa resposta

Como acho que o assunto é de extrema importância resolvi continuar a discussão por aqui. Por tanto vou deixar meu comentário em ambos os blogs, assim quem quiser participar da conversa terá mais chance de colaborar. Pois lutamos pelo modelo do diálogo e não do déficit 🙂
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Olá Takata,
Quando falei no modelo de déficit estava discutindo exatamente as políticas públicas que utilizaram este modelo como base para programas como o CoPUS no Reino Unido na década de 80. A premissa do americano E. D. Hirsch e o seu famoso “Cultural Literacy: What every amerian needs to know” leva a uma ideia de que o conteúdo é o mais importante. E este é o problema.
Nunca li nenhum autor que defenda que as pessoas não tenham que saber conteúdo científico. Claro que é importante mas focar apenas nisso pode ter efeitos não significativos. Foi o que aconteceu com o programa europeu. Depois de 10 anos eles perceberam que a compreensão da população sobre ciência permaneceu a mesma, depois de grandes investimentos tanto de recursos financeiros como de profissionais voltados para este tema. Isso foi bem descrito por Steve Miller no artigo “Os cientistas e a compreensão pública da ciência“, também no livro “Terra Incógnita”.
O principal argumento do Durant é que o conhecimento científico é muito dinâmico e que valeria mais a pena investir no que ele chama de “conhecimento sobre a gestação ou embriologia da ciência”. Ele e outros autores da área são contra também investir em ensinar o método científico da forma clássica. A ideia é que as pseudociências podem usar essas “regras” em benefício próprio, se fantasiando de ciência e confundindo ainda mais o público.
Em outro livro (Cultura científica – desafios, Editora EDUSP, 2006) tem um artigo do Levy-Leblond bem interessante intitulado “Cultura científica: impossível e necessária“. No último parágrafo tem um trecho que resume um pouco a ideia dele: 
“(…) acredito que o objetivo da divulgação científica não pode ser mais pensado em termos de transmissão do conhecimento científico dos especialistas para os leigos; ao contrário, seu objetivo deve ser trabalhar para que todos os membros da nossa sociedade passem a ter uma melhor compreensão, não só dos resultados da pesquisa científica, mas da própria natureza da atividade científica. A perspectiva mais distante, ainda que neste momento possa parecer utópica, é mudar a ciência de forma que ela possa finalmente diluir-se na democracia.”
A crítica em relação ao modelo de déficit é achar que apenas o conhecimento da “verdade” científica fará com que as pessoas sejam mais críticas. As pessoas realmente acham que a ciência é feita por “verdades” e por isso temos crises persistentes de descrédito da ciência perante a sociedade. Posso citar o caso do mal da vaca loura (muito bem descrito pelo Steve Miller no artigo que citei no começo) e o atual “Climategate”. Enquanto investirmos apenas em passagem do conhecimento científico estaremos somente adiando a próxima crise de descrédito da ciência.
Para fechar um trecho do artigo “O que é alfabetização científica” do John Durant (Terra Incógnita, Editora Vieira e Lent, 2005):
“Para entender ciência avançada o público precisa de algo além do que o mero conhecimento dos fatos. (…) Precisa mais do que imagens idealizadas da “atitude científica” e do “método científico”. O que ele necessita, com certeza, é uma percepção sobre o modo pelo qual o sistema social da ciência realmente funciona para divulgar o que é usualmente conhecimento confiável a respeito do mundo natural. O público precisa compreender que às vezes a ciência funciona, não por causa de, mas, sim, apesar dos indivíduos envolvidos no processo de produção e disseminação do conhecimento.”
Como mostra o quadro do American museum of natural history no início do post temos que dividir com o resto da sociedade como a ciência realmente funciona. Precisamos largar o nosso medo de que o público “não vai entender” essa estrutura, que a ciência perderá a confiança do público. Na verdade é a falta de conhecimento do público de como a ciência funciona que torna a sua imagem tão frágil. As pessoas precisam conhecer a fundo como funciona o chamado por John Durant de “sistema de controle de qualidade da ciência”. Como diria Carl Sagan, “A ciência não é perfeita. Mas é de longe a melhor ferramenta que temos“. E sem entender a ferramenta o público em geral nunca entenderá verdadeiramente a sua importância e os seus novos resultados, principalmente os mais controversos.