Sobre a Relação Médico-Paciente

Stuart Bradford at New York Times

Discutimos bastante aqui, o que é um médico bom, o que é a doença, como a complexidade do conceito de doença gera problemas para médicos, pacientes e todos outros envolvidos nessa incomum relação humana. Faltou discutir alguma coisa sobre a relação médico-paciente propriamente dita. Uma reportagem de hoje do New York Times, trazida por um dos ombudsmen (no caso, uma ombudswoman) deste blog confirma que a relação médico-paciente tão estudada (há vários livros sobre o assunto, ver aqui para ficar apenas na nossa língua) está numa enorme e fragorosa crise. No caso da reportagem, a crise é mesmo de confiança nos médicos. Os pacientes não confiam nos médicos porque, basicamente, os médicos não os escutam. E se você inicia uma relação qualquer partindo da desconfiança, imagine onde isso vai parar. As desculpas vão da diminuição nos reimbursements, anúncios cada vez mais frequentes de erros médicos, e, pasmem, a Internet! Sim, os pacientes ficam lendo na Internet sobre doenças e chegam aos médicos querendo que eles façam o que estava escrito no medical Web site! Há um depoimento de um médico que diz literalmente, que seu conhecimento foi desmistificado e que, apesar de toda a paciência do mundo em explicar ao paciente seu problema, eles “não sossegam enquanto não faço o que eles querem”(!!!) É meu amigo, acho até que eles marcam consulta contigo exatamente para isso!

Numa reflexão um pouco mais elaborada, a médica Pauline Chen acha que o massacrante treinamento do médico disconecta-o do mundo de seus pacientes. Tem algo de verdade. Fiquei impressionado, entretanto, com a genialidade do Dr. Paul Newman que atribui tudo isso ao seguinte: “Doctors are trained to diagnose disease and treat it, he said, while “patients are interested in being tended to and being listened to and being well.”” Soberbo. Achei fantástico o conselho final de levar a listinha ao médico para não esquecer de nada e a conclusão de que estamos de lados diferentes da mesa, cada um empurrando para um lado.

Meus comentários sobre o assunto e o artigo são os seguintes:
1) Faz parte do tratamento do paciente buscar o médico de sua preferência. E não é pelo livrinho do convênio. Quando um paciente bate a porta de um médico que lhe foi indicado para resolução de seu problema, não importa se pela comadre, vizinha, amiga da tia, etc, 50% do tratamento já está dado. A relação parte dessa forma, de uma confiança sublime, terreno que cria a possibilidade de cura ou alívio.
2) Para o médico que confunde ciência médica com medicina é óbvio que a internet desmistificou o conhecimento. Esse médico é o que acha que será substituído pelo computador. (Há um artigo no BMJ que mostra que o Google acerta 58% dos diagnósticos. Vai tirar emprego de muita gente!).
3) Os médicos precisam entender a diferença entre tratar e cuidar.
4) Os pacientes precisam entender que tipo saúde querem para si. Só assim, entenderão que doença têm. Única chance de explicá-la aos médicos. (Sobre isso, este post também).
Por fim, encontrei no hospital um velho professor cuja esposa, com Alzheimer avançado, internara para tratamento de pneumonia. Sua frase mais marcante era “sou do tempo em que a Medicina era ruim e os médicos excelentes. Hoje a Medicina é excelente, já os médicos…..”

Discussão - 5 comentários

  1. Maria Guimarães disse:

    seus comentários me deixaram aqui pensando.suponho que o bom médico, em vez de se sentir ameaçado pela informação que o paciente cavouca no google, sabe dialogar com ela. e construir um entendimento em cima disso.fiquei pensando no saber ouvir... um amigo uma vez me disse que tinha aprendido a falar com médicos: não dá pra dizer todos os sintomas, porque algumas informações levam pelo caminho errado - das coisas esperadas...

  2. Karl disse:

    Maria, pense no médico-paciente, muitas vezes adoecido de uma doença da qual é especialista. (Essa é sem dúvida uma relação bastante complicada, podendo ser confirmada com qualquer médico que já tenha passado por isso). Quais as condições de possibilidade de uma relação como esta? A consulta médica não é (deveria ser) um confronto de saberes! Tem que ser muito mais...Seu amigo que aprendeu a falar com os médicos deve ter muito o que nos ensinar.

  3. Maria Guimarães disse:

    concordo. mas não conheço ninguém que só tenha ido a médicos em que confiasse. eu mesma passei anos, nos estados unidos, refém de médicos que viviam de estatística, não viam o paciente diante deles - cujo único valor era desaparecer bem depressa. e aí, como fica?como fica nesta realidade, em que a maioria das pessoas (pense na população brasileira) não pode escolher um médico em quem confia?tem solução? a culpa é do paciente que vai procurar informações que não consegue do médico?eu teria passado anos tomando antibióticos de todos os tipos, analgésicos à base de ópio e relaxantes musculares se não tivesse ido à internet, auto-diagnosticado uma endometriose e confrontado o médico com isso.

  4. aleph disse:

    Caro Karl, belo e oportuno post.A relação médico-paciente está se deteriorando dia após dia em virtude do despreparo de boa parte dos profissinais. Do ponto de vista técnico, bons. Do ponto de vista humanista, medíocres. A universidade, que deveria formar indivíduos dotados de "conhecimento universal", pois eis sua função embrionária, "joga" para a sociedade pessoas com pouca ou nehuma capacidade de relacionamento inter-humano. Vejamos o senhor, por exemplo: quantas aulas sobre "relação médico-paciente" teve na Faculdade? O mesmo poderia perguntar a mim mesmo. Umberto Eco, em "Semiótica", descreve e esmiuça cada um dos "tempos" da consulta médica. Assunto longo, mas diria que, no final das contas, os pacientes que têm condições de escolher seus médicos e o fazem de maneira errada, talvez mereçam...

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