A Relação Médico-Parente

O que fazer quando alguém que você gosta muito fica doente prá valer? Qual é o limite entre cuidar de alguém da família e interferir na conduta de outro colega? Essa, juntamente com sua própria doença, é uma das situações mais estressantes para um médico. Frente a esse tipo de situação, o comportamento dos médicos pode ser resumido em três configurações paradigmáticas: Há o “Sem- Noção”, médico que discute tudo, dá palpite em tudo, prescreve, pede exames, acha que é o médico que mais entende do problema de seu parente. Há o “Desencanado” que diz que não quer ser identificado como médico no caso, não quer saber de nada, acha que tudo está bom. E há o “Meio-Termo”, aquele que intervém quando chamado, prestativo e colaborador, pode dar informações técnicas importantes para a condução do caso.
Obviamente, o Meio-Termo seria a conduta ideal para um médico que tivesse alguém da família doente e quisesse ajudar. Entretanto, entre os extremos existe uma infinidade de situações que correspondem melhor à realidade. Vejamos algumas situações as quais já tive a oportunidade de vivenciar e que trazem uma outra perspectiva a essa visão simplista. Não recomendo a postura do Desencanado. Uma conversa amigável entre o médico parente e o assistente, sempre coloca um pouquinho mais de pressão, sem ser desconfortável. Indica zêlo, cuidado, interesse por parte do médico da família. Novamente, os limites são fugazes.
O Sem-Noção pode ainda ser radicalizado. Tenhos amigos que mastectomizaram esposas, apendicectomizaram filhos, intubaram avós! Nenhuma dessas experiências, por mais bem sucedida que seja pode ser descrita como gratificante. Mas há uma questão que pouca gente coloca. O que fazer quando você sabe que é, digamos, um excelente cirurgião de mama e sua esposa precisa de uma cirurgia exatamente na sua especialidade? Normalmente, um expoente assim tem críticas ao trabalho de outros médicos da área e obviamente não encaminha pacientes a ele. Isso para não falar de vaidades pessoais e rivalidade. Não é difícil imaginar a ansiedade de saber fazer algo, e muito bem, e não poder fazê-lo devido o paciente ser da sua própria família. Já vi histórias assim acabarem muito bem. E também muito mal.
Um artigo bem recente do Annals Internal Medicine discute esses pontos com exemplos. Segue o resumo abaixo. Leitura bastante interessante.


What Do You Do When Your Loved One Is Ill? The Line between Physician and Family Member
Erik K. Fromme, MD; Neil J. Farber, MD; Stewart F. Babbott, MD; Mary E. Pickett, MD; and Brent W. Beasley, MD
Conventional wisdom and professional ethics generally dictate that physicians should avoid doctoring family members because of potential conflicts of interest. Nevertheless, cross-sectional surveys find that the practice is commonplace. Physicians have unique opportunities to influence their family member’s care because they possess knowledge and status within the health care system; however, when physicians participate in the care of family members, they must not lose objectivity and confuse their personal and professional roles. Because health care systems are complicated, medical information is difficult to understand, and medical errors are common, it can be a great relief for families to have someone “on the inside” who is accessible and trustworthy. Yet, the benefits of becoming involved in a loved one’s care are accompanied by risks, especially when a physician takes action that a nonphysician would be incapable
of performing. Except for convenience, most if not all of the benefits of getting involved can be realized by physician–family members acting as a family member or an advocate rather than as a physician. Rules about what is or what is not appropriate for physician– family members are important but insufficient to guide physicians in every circumstance. Physician–family members can ask themselves, “What could I do in this situation if I did not have a medical degree?” and consider avoiding acts that require a medical license.

Discussão - 3 comentários

  1. João Carlos disse:

    Bom... Eu já presenciei o caso de uma doutora — pediatra — que ficou "cristalizada" ao se deparar com o próprio filho desmaiado e com a cabeça lavada de sangue, na porta dos fundos de sua casa... Obviamente, neste caso, a "mãe" falou mais alto do que a "médica".
    Mas eu conheço casos bem mais graves de auto-medicação feita por médicos... com resultados que variavam do ridículo ao desastroso.
    Eu acredito que nada pode ser pior para um médico do que necessitar de cuidados médicos... 😉

  2. Felipe disse:

    Difícil é ver amigos ou parentes com problemas psicológicos sabendo que, embora seja sua especialidade, se a terapia fosse com você não funcionaria, pois há muitos conteúdos íntimos no setting terapêutico que atrapalhariam as relações terapeuta-cliente e de amizade ou familiar.
    Um psicólogo responsável sempre anda com o cartão de algum outro psicólogo de sua confiança! 🙂

  3. Karl disse:

    Bem lembrado, Felipe. Os psicólogos têm (mais uma vez) muito a ensinar aos médicos sobre isso. Esse setting terapêutico tem muito a ver com o tratamento de doenças clínicas. Mas, fazendo o contra-ponto, se o caso é de cirurgia, fica difícil mesmo; como descrevi no post.

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