O Fantasma do Amor


Pain by Kori Solomon at Flickr

Essa época do ano é bastante favorável à reaparição do fantasma que assombra a espécie humana desde os primórdios. Um fantasma que atormenta as mentes mais brilhantes e os menos favorecidos. Do mais completo atleta, seja futebolista ou olímpico, ao mais desajeitado homem ou mulher. Abate-se sobre ricos e pobres, homens e mulheres, velhos e novos: É o fantasma da depressão.
Sobre a depressão, escreveu Maria Rita Kehl:
“A depressão é uma forma muito particular e avassaladora daquilo que corriqueiramente chamamos a dor de viver. (…) À dor do tempo que corre arrastando consigo tudo o que o homem constrói, ao desamparo diante da voragem da vida que conduz à morte – que, para o homem moderno, representa o fim de tudo -, a depressão contrapõe um outro tempo, já morto: um “tempo que não passa”, na expressão de J. Pontalis. O psiquismo, acontecimento que acompanha toda a vida humana sem se localizar em nenhum lugar do corpo vivo, é o que se ergue contra um fundo vazio que poderíamos chamar, metaforicamente, de um núcleo de depressão. (…) A rigor, a vida não faz sentido e nossa passagem por aqui não tem nenhuma importância. A rigor, o eu que nos sustenta é uma construção fictícia, depende da memória e também do olhar do outro para se reconhecer como uma unidade estável ao longo do tempo. (…)”
“Contra esse pano de fundo de “nonsense”, solidão e desamparo, o psiquismo se constitui em um trabalho permanente de estabelecimento de laços -“destinos pulsionais”, como se diz em psicanálise- que sustentam o sujeito perante o outro e diante de si mesmo. (…) Amamos: a vida, os outros e sobretudo a nós mesmos. Estamos condenados a amar, pois com essa multiplicidade de laços libidinais tecemos uma rede de sentido para a existência. (…) A depressão é o rompimento dessa rede de sentido e amparo: momento em que o psiquismo falha em sua atividade ilusionista e deixa entrever o vazio que nos cerca ou o vazio que o trabalho psíquico tenta cercar. É o momento de um enfrentamento insuportável com a verdade. Algumas pessoas conseguem evitá-lo a vida toda. Outras passam por ele em circunstâncias traumáticas e saem do outro lado. Mas há os que não conhecem outro modo de existir; são órfãos da proteção imaginária do “amor”, trapezistas que oscilam no ar sem nenhuma rede protetora embaixo deles.”
O que Kehl chama de psiquismo é o conjunto de nossas faculdades cognitivas (raciocínio lógico, intuição, associação, etc) permeadas pelo nosso estado de humor. O humor de uma pessoa pode se entendido através da seguinte analogia: imagine que você está sentado em um teatro onde é o único expectador. A “peça” que se desenrola no palco nada mais é que sua própria vida cotidiana. O humor é o cenário, incluindo a música de fundo. Quando o cenário é lúgubre e a música triste, um acontecimento simples pode ser encarado como muito grave e de consequências desastrosas. Se por outro lado, o cenário é claro e colorido e a música alegre, os acontecimentos têm uma perspectiva muito mais positiva, mesmo que sejam tristes.
Como vimos, o amor é a salvação para o indivíduo pois tece uma rede de sentido e amparo que sustenta (o que na verdade seria insustentável): o indivíduo em sua insuportável existência sem sentido. Mas ficam as perguntas: Como age, então, o amor? Que tem o amor afinal a ver com a depressão?

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