Artigo vs Artigo (ou Sobre a Metafísica da MBE)
Contra um artigo, somente outro artigo!
Toda análise ou artigo que se preze atualmente vem com um final mais ou menos assim: ainda não existem estudos suficientes para justificar determinada conduta; ou estudos específicos são necessários para responder essa questão, etc…
Um vício induzido pela MBE é o de que não há artigo perfeito. Por isso, devemos criticá-los e criticá-los até descobrir todos os seus defeitos e saber, só então, se suas conclusões são aplicáveis na prática ou não. Ou ao menos, aplicá-las com mais parcimônia. Na verdade, comparamos o artigo com um modelo idealizado de estudo que foi ficando, através dos anos, cada vez mais rigoroso e, porque não dizer, divino, posto que não é, de fato, deste mundo. É sintomático analisarmos “evidências” antigas e torcermos o nariz com estudos mal-desenhados, confusos e “fracos”. Nada mais metafísico!
Se tomarmos o exemplo da crítica literária na qual não existe a figura da verdade, resta aos críticos apenas comparar um livro contra o outro. Contextualizar e intertextualizar um romance é a melhor forma de compará-lo a outras obras e mostrar no que ele é diferente. Ver no que um cientista se inspira nos outros artigos e porque os autores resolveram aplicar tantos recursos e tanto tempo na abordagem de uma pergunta, denota o que Harold Bloom – um crítico literário – chamou de “angústia da influência“, presente na poesia e que, temo, esteja presente também na ciência.
Metanálises procuram responder perguntas, como se as perguntas tivessem uma única resposta. A conclusão é inevitável: é impossível responder a essa questão com as evidências que temos hoje! Muito melhor seria a comparação de vários pontos de vista de modo que o leitor pudesse ter sua própria perspectiva do problema. Mas isso ia causar muito mais insegurança do que temos hoje. Por que ia fazer da prática um ato pensante e desconfortável. Sabedoria prática não depende de erudição teórica, depende de julgamento. Como o ato moral.
Ah! – dizem meus amigos – mas isso já não é mais medicina, isso é filosofia! Ninguém trata pacientes com filosofia. E o ciclo se fecha. A medicina não se pensa. E eu concordo que tratar pacientes com filosofia não é mesmo possível. Mas cuidar deles é sim.
Discussão - 2 comentários
Medicina é ciência e arte, muitas vezes nos deparamos com a tênue fronteira entre ciência e arte. Onde acaba o que é feito com ciência ou pelo menos com racional fisiopatológico e começa a arte, o improviso, o que é feito baseado em experiência pessoal ou outros sentimentos. Muitas vezes a arte foi salvadora de vidas, outras (creio que supera a anterior) foi causa de complicações e até de mortes evitáveis.
Quando tomamos Filosofia pelo seu significado mais arcaico(amor ao saber), as decisões que são tomadas racionalmente, analisadas filosoficamente, quando a ciência não tem mais a resposta,e baseadas em pensamentos corretos (não pelo medo, por exemplo) têm grande chance de surtirem efeito positivo.
Que a filosofia seja o próximo passo na substituição da falta de evidências.
Karl, ótimo post. Cada vez mais acredito que esse "Karl" é uma alcunha inspirada no Jaspers - médico e filósofo, amigo do Husserl e da Hannah Arendt.