Será?
Entretanto, essa semana o Osservatore Romano publicou um artigo do Monsenhor Rino Fisichella (foto ao lado). Trata-se de um arcebispo bastante ligado a Ratzinger e que criticou Obama por seu posicionamento sobre o aborto (ver aqui). Segundo nota da BBC, Fisichella teria escrito que “são outros que merecem a excomunhão e nosso perdão, não os que lhe permitiram viver e a ajudarão a recuperar a esperança e a confiança, apesar da presença do mal e da maldade de muitos“.
Duas coisas apenas a comentar. Em primeiro lugar, cobrei e cobro ainda, um posicionamento do conselho regional de medicina de Pernambuco (CREMEPE), sobre o assunto. Reitero que a excomunhão, por mais irrelevante que seja atualmente, é uma reprimenda pública. Entidades civis, como o CREMEPE, são humanitárias e têm uma outra visão sobre um mesmo assunto e deveriam se manifestar, quase como um direito de resposta. Por que não?
Em segundo lugar, o artigo de Fisichella mostra que a interpretação de uma lei, mesmo que canônica, não é tarefa fácil. A aplicabilidade prática de uma regra depende de uma racionalidade fronética. É o mesmo tipo de problema que um médico, por exemplo, enfrenta ao ter que decidir se determinado artigo científico se aplica ao paciente que se lhe apresenta ou não. A novidade é essa dissensão tornar-se pública num orgão hierárquico e obscurantista como a Igreja Católica. Palavras de Fisichella “Como agir nesses casos? É uma decisão difícil para os médicos e para a própria lei moral. Não é possível dar parecer negativo sem considerar que a escolha de salvar uma vida, sabendo que se coloca em risco uma outra, nunca é fácil. Ninguém chega a uma decisão dessas facilmente, é injusto e ofensivo somente pensar nisso.” Viva Aristóteles!
Numa fala que poderia muito bem ser de um bispo brasileiro, Fisichella arremata: “Não era, portanto, necessária tanta urgência em dar publicidade e declarar um fato que se atua de forma automática, mas sim um gesto de misericórdia“.
Será?
Discussão - 7 comentários
essa história toda me lembrou do belo livro "A escada espiral", por Karen Armstrong. ela conta que quando menina decidiu ser freira e foi para um convento. foram anos de tortura tal que acabou por perder a fé.
depois de muitas voltas e sérias dificuldades na vida, ela descobriu que a fé é muito diferente da religião. e que aquela religião que ela tinha vivido no convento acaba sendo contrária ao que a bíblia prega.
descobriu isso fazendo um documentário, se não me engano, sobre o islamismo. viu que as religiões monoteístas têm na verdade fundamentos parecidos, mas muita coisa acaba sendo distorcida nas instituições religiosas, que criam uma polarização que na verdade não existe. a fé em deus é uma só.
karen armstrong recuperou a fé e escreveu alguns livros sobre religiões, que não li. para mim, que não sou religiosa, ler "a escada espiral" foi uma bela lição sobre fé. recomendo.
Não possuo um vocabulário tão rico e paramentado como muitos, todavia possuo sim, idéias e argumentações tão relevantes quanto qualquer um com um polegar opositor e um telencéfalo desenvolvido.
Acredito que todos os lados estão certos, da mesma maneira que todos os lados estão errados.
O que levou a "igreja" a tomar tal decisão é tão válida quanto o que todos vocês levaram para criar tais criticas.
Caro Fred, obviamente cada um tem o direito de defender suas posições. O que está em jogo aqui não é, de fato, esse direito. A própria Igreja questionou a excomunhão automática, o que mostra que existem interpretações diferentes do direito canônico. Isso é bom! A validade de uma afirmação não pode ser confundida com sua legitimidade. Válido é o argumento que parte de premissas verdadeiras. É legítimo se manifestar, de preferência com argumentos válidos de modo a não cairmos no relativismo asséptico. A crítica aqui repousa na possível contradição de um princípio canônico. Parabéns e seja benvindo ao Ecce Medicus.
Karl,
A igreja precisa dessa urgência para evitar que idéias "relativistas" brotem da sociedade.
Expressões como "Mas era necessário..." ou "Foi por uma boa causa..." serão rotineiras em um sistema que proporcione brechas para questionamento, nem todas de carácter probo.
É um controle forçado, muito mais curativo na idade média do que nos dias atuais.
Não simpatizo com com essa linha de raciocínio, mas não encontro maneira mais razoável para evitar,quiçá,uma desordem cultural.
A autorização do aborto, concessão do uso de anticoncepcionais, do casamento homossexual, são medidas não aplicáveis em uma sociedade tão cavilosa.
Excepcões geram margens, muitas vezes bem fundadas para colocar em risco todo um sistema.
Muito grato pela "hospitalidade virtual".
Caríssimo Fred,
Ainda bem que você não simpatiza com essas idéias! Nesse ponto concordamos. Quanto a encontrar outras alternativas mais razoáveis e menos autoritárias no sentido de evitar a barbárie e o desvario, essa talvez seja uma das poucas coisas porque vale a pena viver.
O que vc chama de desordem cultural, eu chamo de liberdade. Você está convidado a participar das tentativas deste blogue em achar um caminho não dogmático para encontrá-la.
Grande abraço
[...] da mãe, porque aí já seria muito para esse post. Veja minhas posições sobre o assunto aqui, aqui e [...]
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