O Físico
Noah Gordon escreveu um livro em inglês chamado The Physician. Em espanhol, o livro chama-se El Medico. Em Portugal, virou O Médico de Ispahan. No Brasil, o livro foi traduzido como O Físico, o que gerou muitas reclamações. Muita gente acha que o título do best-seller foi um erro crasso do tradutor, pois physician quer dizer médico em inglês; physicist seria o que chamamos de físico.
Mas… Ou o tradutor cometeu mesmo um erro ridículo e todos nós que somos muito mais espertos (e expertos também) deveríamos assumir seu posto ou ele é um gênio da tradução (que talvez seja a pior profissão que alguém que estudou Letras pode querer para si).
Senão, vejamos. Como físicos eram conhecidos os antigos médicos. Bem antes de existir a Física como a conhecemos hoje. Físico era quem estudava a física. As palavras vêm do latim, physica, que por sua vez veio do grego physiké que quer dizer “ciência da natureza”. Isso porque a palavra grega physis (φυσις), que representa um conceito bem difícil de explicar, é simples e cruamente traduzida como ‘natureza’. Segundo Werner Jaeger (Paidéia – página 198) o conceito de physis foi o ponto de partida de pensadores naturalistas do século VI dando origem a um movimento espiritual e a uma forma de especulação. Na verdade, seu interesse fundamental seria o que chamamos hoje metafísica, pelo seu interesse nas causas primordiais dos fenômenos. Sigamos Jaeger: “No conceito grego de physis estavam, inseparáveis, as duas coisas: o problema da origem – que obriga o pensamento a ultrapassar os limites do que é dado na experiência sensorial – e a compreensão, por meio da investigação empírica, do que deriva daquela origem e existe atualmente (ou seja, uma ontologia)”.
Esse tipo de “filosofia” natural era principalmente jônico. Hipócrates e seu seguidores eram da ilha de Cós, de população e língua dóricas. É sintomático que tenham escrito todo o Corpus Hypocraticum em jônico – era como se fosse o inglês científico de hoje. A incorporação do pensamento ‘físico’ dos jônicos fez com que a medicina se tornasse uma arte (tekné) consciente e metódica. O Egito, nessa mesma época, tinha uma medicina bastante avançada mas que não conseguiu livrar-se do pensamento mágico para evoluir como ciência. Logo, a Medicina passou de uma simples profissão para uma força cultural. Não é exagero dizer que o médico era o protótipo de um saber com fins éticos de caráter prático, sem o qual a ciência ética de Sócrates seria inconcebível nos diálogos de Platão. Essa posição jamais será retomada na sociedade pós-iluminista.
Sabemos agora que os médicos nos seus primórdios eram físicos e o tradutor do livro mandou muito bem – o que é raro – pois dá a exata noção da palavra inglesa physician. Os físicos tinham esse nome por seguirem determinada filosofia jônica que rendeu muitos e interessantes desdobramentos, inclusive a própria ciência, tal como a conhecemos hoje e que, de certa forma, como um Frankenstein, engoliu a Medicina. Mas isso é assunto para outro post.
Discussão - 11 comentários
Karl, você estragou uma piada perfeitamente cromulenta...
E depois quer me convencer que o Ecce medicus não é um blog de ciências...
Afinal, o livro é bom?
Bom?? não só bom como é uma do melhores livros que eu já li em minha vida. Infelizmente a sua continuação não é tão boa e cham-se Shamã, alás a obra de Noah G. resume-se ao livro O FÌSICO.
Tony: resume-se ao Físico? Leia O Último Judeu e conversamos.
O livro é simplesmente sensacional.
É bom. Gordon é um excelente contador de histórias. Mas não espere cronologias perfeitas.
Hahn? Que é cromulenta?!
A tradução, intencional ou não, é genial, raro exemplo de tradução que supera o original.
Karl, fui informado pelo Conselho que eu deveria pepretar a suspensão do seu distintivo de nerd por motivo de falha em reconhecer uma menção simpsoniana, mas como gostei muito do conselho de Darwin, resolvi apenas preencher uma advertência.
Ah, e uma multa.
Não sei como agradecer...
É um dos melhores livros q já li em toda a minha vida! Muito bom.