A Fisiopatologia do Preconceito

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My brown eyed girl by Mike Doyle at Flickr

“Todas as formas de dogmatismo – que inviabilizam a tolerância e a hospitalidade – provêm da adesão a uma origem identitária factícia que produz uma patologia da comunicação, uma ruptura na compreensão recíproca que a perturba, resultando em desconfiança universal”

Com essa frase, Olgária Matos sintetiza a fisiopatologia de uma doença característicamente humana chamada preconceito. Ela tem como agente etiológico o dogmatismo, elemento altamente contagioso por causar uma falsa sensação de conforto por fazer com que nos sintamos apoiados em verdades firmes e seguras. O indivíduo dogmático é um verdade-adito. Quando compartilhamos um conjunto de dogmas acabamos por criar uma origem identitária que se diferencia de outras origem identitárias.

Essas origens identitárias, necessariamente factícias portanto, produzem uma doença da comunicação, um desentendimento, o que se chamou de ruptura na compreensão recíproca que resulta, finalmente, em desconfiança universal. A desconfiança é um vírus que se dissemina rapidamente e envenena as relações humanas. As relações humanas, por sua vez, têm uma estranha capacidade de sobreviver a essa infecção, mas matar e/ou torturar os envolvidos nela, seja por meio de guerras, escravidão, colonizações, fome, abandono, discriminação e outros tantos sintomas de intolerância e agressividade para com o outro.

É na busca pelas “verdades dogmáticas” e pelas “essências humanas” – identidades fictícias – que se encontram os reais obstáculos à solidariedade. Será necessário impingir o mesmo tipo de sofrimento ao torturador para poder expiar-se-lhe a culpa? De onde vem esse ressentimento? O anti-racismo não é um racismo às avessas.

É uma solidariedade…

Discussão - 5 comentários

  1. Agostinho disse:

    "Certas canções que ouço
    cabem tão bem dentro de mim
    que perguntar carece,
    como não fui eu que fiz."
    Milton Nascimento.
    O verso cabe, a pretensão, não. Parabéns pelo texto.
    Agostinho.

  2. Sibele disse:

    Oi, Karl!
    Há um tipo de preconceito (e intolerância), que é aquele dirigido às pessoas portadoras de deficiência. A esse respeito, só queria apontar um escrito de Lev Vygotsky:
    "A humanidade sempre sonhou com um milagre religioso: que os cegos enxergassem e que os surdos ouvissem. É provável que a humanidade triunfe um dia sobre a cegueira, a surdez e a deficiência mental. Porém as vencerá no plano social e pedagógico muito antes que no plano biológico e medicinal. É possível que não esteja longe o dia em que a pedagogia se envergonhe do próprio conceito de 'criança com defeito'. O surdo falante e o trabalhador cego, participantes da vida geral em toda a sua plenitude, não sentirão sua deficiência e não darão motivos para que outros a sintam. Está em nossas mãos o desaparecimento das condições sociais de existência desses defeitos, ainda que o cego continue cego e o surdo continue surdo. Provavelmente não serão compreendidos aqueles que disserem que um cego é deficiente. Assim, as pessoas dirão que um cego é um cego, que um surdo é um surdo, e nada mais."
    Lev S. Vygotsky (1896-1934), In: Obras escogidas: Fundamentos de Defectología. Tomo V. Trad. Julio Guillermo Blank. Madri: Editora Visor, 1997. p. 82.

  3. Karl disse:

    Sibele, "Porém as vencerá no plano social e pedagógico muito antes que no plano biológico e medicinal". Essa frase de Vygotsky foi escrita no começo do século XX. Ela não estaria indicando uma confiança demasiada no plano social? No final, sabemos que a tecnologia foi mais além e "venceu" os obstáculos antes de termos vencido os preconceitos, o que é uma vergonha de qualquer forma, não acha?
    Agradeço os comentários de todos.

  4. Sibele disse:

    É verdade, Karl... e uma grande vergonha, mesmo...

  5. "Mais fácil quebrar um átomo..." já dizia um certo judeu.
    []s,
    Roberto Takata

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