Nem Todo Grito de Ajuda é Aparente

Talvez a habilidade mais difícil de desenvolver em um médico seja a de identificar pedidos de ajuda. Exatamente por iniciar todo o processo. É muito fácil quando um paciente chega ao consultório e diz “Doutor, por favor me ajude!” Entretanto, há exceções importantes.

 

Por exemplo. Homens, meia-idade, têm enorme dificuldade de pedir ajuda. Alguns traços de personalidade, independentemente do gênero, são característicos. A matriarca da família que acostumou-se a acolher e ajudar a todos, quando adoece, normalmente minimiza bastante seu problema. Se os familiares não estiverem atentos, casos assim passam facilmente despercebidos.São clássicos os pedidos de ajuda em que o paciente é agressivo, irônico, chato. Por despertar o ser humano no médico, o profissional se recolhe e vários diagnósticos são perdidos. Essa é uma das razões de médicos não tratarem de parentes próximos. O envolvimento é difícil de separar.

Mas o mais dramático, sensível e tenebroso pedido de ajuda é o silencioso comportamento de crianças abusadas. Tive algum contato com esse problema nos estágios de Pediatria e pude acompanhar um caso depois de formado. São bastante sutis as mudanças de comportamento e os pais devem estar atentos.

É isso que os cartazes da agência  Kinetic Design and Advertising para campanha de abuso infantil desse site, passam de forma brilhante. O texto que os acompanha é  “Lenticular posters designed for child abuse awareness. From certain view the kids might look perfectly normal, but from another view you will realize they are actually suffering in pain.”

Abuso Infantil2.jpgO cartaz ao lado mantem a mesma expressão inespecífica no rosto do primeiro, porém, com um efeito “raio-x”, podemos perceber o cérebro sangrando, uma lágrima escorrendo e o coração partido.

É exatamente isso. Sentimentos ocultos. Mais que sentimentos, sofrimentos ocultos. Muitas pessoas sofrem em silêncio sem que saibamos. Muitas vezes, elas conseguem, de fato, esconder muito bem. Mas a grande maioria passa despercebido por falta de atenção das pessoas, médicos inclusive, que as circundam. Muitas vezes, basta uma pergunta para que se destampe a garrafa e a vida real comece a jorrar.

Como seria bom uma visão de raio-x como essa! Ver o sofrimento! Tenho certeza que alguns prefeririam não ver o que vêm. Como no caso do abuso de crianças. Entretanto, por razões profissionais, eu não tenho direito ao benefício da ignorância. Apenas preciso tomar extremo cuidado para não substituir essa visão de raio-x por exames de raio-x, de sangue e outros exames.

 

Discussão - 2 comentários

  1. Sibele disse:

    Karl, um post extremamente importante! Parabéns por chamar a atenção para este problema tão grave e sério, que inclusive pode até ser enquadrado como omissão:
    “[...] o reconhecimento da ocorrência de maus-tratos contra crianças trouxe como conseqüência direta a necessidade de protegê-las. Tal proteção tem início oficialmente com a notificação da violência à autoridade competente [...] tratados na Constituição Federal [...] e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), [...] que tornaram obrigatória a notificação de casos suspeitos ou confirmados, prevendo penas para os médicos, professores e responsáveis por estabelecimentos de saúde e educação que deixassem de comunicar casos de seu conhecimento".
    GONÇALVES, H.S., FERREIRA, A.L. A notificação da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes por profissionais de saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.18,n.1,jan./fev.2002.

  2. Karl disse:

    Obrigado pelo complemento necessário, Sibele.

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