Gripe Suína

Hoje pela manhã, ouvindo rádio no carro, recebi uma enxurrada de informações sobre a nova epidemia de gripe apelidada de suína. Colegas aqui no Scienceblogs fizeram revisões excelentes e completas sobre o assunto. Como sempre chego atrasado, restou falar do que leva uma pessoa a morrer de gripe. Todo esse alvoroço é devido à lembrança de outras pandemias que causaram um número enorme de mortes, principalmente a gripe espanhola no começo do século passado.

Qualquer gripe pode matar. Na realidade, temos inúmeras mortes por gripe anualmente que não chegam aos meios de comunicação. Estima-se que de 1972 a 1992 (20 anos, portanto) morreram 426.000 pessoas nos EUA de gripe! [1]. No Brasil, em 2006, segundo o DATASUS – dado mais atual -, tivemos 181 mortes.

Mortalidade Brasil.jpg

A diferença entre esses números pode ser explicada pela metodologia utilizada. A gripe tem uma mortalidade atribuída elevada pois pode causar outras doenças como veremos, o que aumenta sua letalidade. De qualquer forma, 181 casos de gripe só em 2006 é muito mais que a gripe suína já matou. E ninguém ficou sabendo naquela época. Mas a dúvida ainda persiste: “Do que morre uma pessoa com uma doença que na grande maioria causa febre, indisposição, coriza, espirros e dores pelo corpo?”

A resposta é:

1) Pneumonia — A maior complicação da gripe é a pneumonia, que ocorre em grupos de risco como àqueles portadores de doenças crônicas. Os grupos de risco são:

* Pacientes com doenças cardiovasculares e pulmonares
* Pacientes com diabetes mellitus, doença renal, hemoglobinopatias, ou imunossupressão de qualquer causa
* Pacientes institucionalizados (casas de repouso, penitenciárias, etc)
* Indivíduos acima de 50 anos

Há dois tipos de pneumonia: Primária e Secundária. Pode também haver a coexistência das duas infecções.

Pneumonia Primária por Influenza — Ocorre quando o vírus da influenza diretamente infecta o tecido pulmonar, causando um quadro inflamatório (chamado de pneumonite) muito grave (para um mecanismo de lesão pulmonar ver esse post). Febre alta, dispnéia, e progressão rápida para insuficiência respiratória são a regra.

Pneumonia Secundária Bacteriana — Como toda vó sabe, uma gripe mal-curada pode se “transformar” em uma pneumonia. A pneumonia bacteriana secundária a uma infecção prévia por vírus da influenza é responsável por 25% (em um estudo) de todas as mortes associadas à gripe [2]. Na verdade, há um sinergismo maléfico entre o vírus e o pneumococo (principal bactéria causadora da pneumonia – 48 % dos casos). O quadro clássico é a exacerbação da febre e dos sintomas respiratórios após uma melhora inicial, associado a tosse com expectoração muco-purulenta e alterações radiológicas.

2) Miosite e rabdomiólise — Esses termos referem-se a inflamação muscular e necrose (morte celular) da fibra muscular, respectivamente. É uma importante complicação da gripe, mais comum em crianças. As dores pelo corpo, que são chamadas de mialgias, são sintomas de inflamação muscular. Uma lesão muscular grave pode levar a insuficiência renal. Há relatos de que o músculo cardíaco também pode ser afetado assim como o pericárdio.

3) Envolvimento do Sistema Nervoso Central — Várias doenças do sistema nervoso podem estar associadas à infecção pelo vírus da gripe. Entretanto, uma relação causal ainda não foi totalmente estabelecida. Encefalite, mielite transversa, meningite assética, Sindrome de Guillain-Barré (uma paralisia progressiva) estão entre as possíveis doenças associadas.

A causa de morte mais comum, portanto, é a pneumonia. Devido ao aumento populacional, a mortalidade por gripe tem aumentado ano a ano. A pneumonia causada pela gripe não é pior que a causada pela SARS, Ebola, Sarampo e da própria Sindrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), com a qual nos defrontamos diariamente nas UTIs e, contra a qual, conseguimos vitórias importantes.

Bibliografia: UpToDate.

[1]
TI The impact of influenza epidemics on mortality: introducing a severity index.
AU Simonsen L; Clarke MJ; Williamson GD; Stroup DF; Arden NH; Schonberger LB
SO Am J Public Health 1997 Dec;87(12):1944-50.
 
  OBJECTIVES: The purpose of this study was to assess the impact of
recent influenza epidemics on mortality in the United States and to
develop an index for comparing the severity of individual epidemics.
METHODS: A cyclical regression model was applied to weekly national
vital statistics from 1972 through 1992 to estimate excesses in
pneumonia and influenza mortality and all-cause mortality for each
influenza season. Each season was categorized on the basis of
increments of 2000 pneumonia and influenza excess deaths, and each of
these severity categories was correlated with a range of all-cause
excess mortality. RESULTS: Each of the 20 influenza seasons studied was
associated with an average of 5600 pneumonia and influenza excess
deaths (range, 0-11,800) and 21,300 all-cause excess deaths (range,
0-47,200). Most influenza A(H3N2) seasons fell into severity categories
4 to 6 (23,000-45,000 all-cause excess deaths), whereas most A(H1N1)
and B seasons were ranked in categories 1 to 3 (0-23,000 such deaths).
CONCLUSIONS: From 1972 through 1992, influenza epidemics accounted for
a total of 426,000 deaths in the United States, many times more than
those associated with recent pandemics. The influenza epidemic severity
index was useful for categorizing severity and provided improved
seasonal estimates of the total number of influenza-related deaths.
 
AD Division of Viral and Rickettsial Diseases, Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, GA 30333, USA.

[2]

TI The global impact of influenza on morbidity and mortality.
AU Simonsen L
SO Vaccine 1999 Jul 30;17 Suppl 1:S3-10.
 
  This citation has no abstract
 
AD Department of Communicable Disease Surveillance and Response, World
Health Organization, Geneva, Switzerland. lonesimon@wanadoo.fr

Discussão - 22 comentários

  1. João Carlos disse:

    E o quanto pode ser uma "Tempestade de Citocina" (ver o post da Tara C. Smith, no Aetiology)?

  2. Igor Santos disse:

    Não sei o quanto é ceticismo e o quanto é meu saco já bastante cheio de terrorismo psicológico, mas isso aí me cheira a uma nova onda de vai-dar-em-nada.

  3. João Carlos disse:

    O Igor levantou uma bola interessante: está todo o mundo preocupado com a crise financeira? Os governos não sabem mais que desculpa dar? Então, vamos criar um bicho-papão para distrair a atenção da plebe, antes que eles peguem as tochas e venham por fogo no palácio...

  4. Luís Brudna disse:

    Acho que faltou falar em taxa de mortalidade. Esse é o ponto importante.

  5. João, na verdade a gripe afeta pra pior a crise financeira, como vc deve já ter percebido pelos noticiarios. Pergunta: os jovens que morreram no México (em vez de idosos e crianças), morreram de pneumonia?

  6. Karl disse:

    Osame, não tive acesso às causas de óbitos ainda. Vou continuar procurando. Entretanto veja essa nota do CDC http://www.who.int/csr/don/2009_04_24/en/. Ela parece deixar claro que todas as 59 mortes foram decorrentes dos 854 casos de pneumonia relatados no México. Se dividirmos 59/854 temos 7% de mortalidade (que é bem alta!). A nota também separa o que se chama ILI (influenza like-illness - algo como moléstia semelhante à gripe) de pneumonia (não especifica se primária ou secundária. Eu particularmente, acho a primária bem pior). Diz-se que a gripe espanhola tinha uma mortalidade de 2,5 a 3%. Mas não sabemos exatamente como e em que condições isso ocorreu.
    Concordo com o João em parte. Acho que a gripe suína tem um impacto econômico ainda maior que o epidemiológico - em que pesem as mortes observadas. A crise econômica é uma crise de confiança. Na doença, ninguém confia em mais nada nem faz planos para o futuro.

  7. Claudia Chow disse:

    Muito esclarecedor o post! Gostei muito! 🙂

  8. Meu pai tem mais de 60 anos e tomou a vacina contra gripe com receio. Um colega médico comentou sobre outro colega médico que tomou a vacina e logo após sofreu a Sindrome de Guillain-Barré. Embora algo assim seja extramente raro, é preocupante que a vacina não seja completamente inócua...

  9. Karl disse:

    A Sindrome de Guillain-Barre (SGB) é uma doença desmielinizante de causa imunológica. Você levantou um ponto importante, Igor. As vacinas não são inócuas mesmo. Qualquer vacina pode levar a reações inesperadas. A incidência estimada de SGB pós-vacinal (influenza) era segundo um estudo de 0.17 por 100.000 vacinados em 1993-1994 tendo caido 4x para 0.04 por 100.000 in 2002-2003. Ref. JAMA Vol. 292 No. 20, November 24, 2004. Estou enviando a referência no seu email.
    Essa é uma das razões pelas quais a vacina não é recomendada a todas as pessoas do mundo. Existem grupos de risco nos quais a gripe faria um maior estrago e a relação risco-benefício é favorável. Hipoteticamente, se a gripe suína tiver mesmo uma mortalidade maior como vem sendo veiculado, eu correria esse risco.

  10. jose augusto cordeiro disse:

    ha muitos anos, a minha avó Astamura Zavolli Machado, imigrante italiana radicada na fazenda Morro Grande no Estado do Espirito Santo tomou a seguinte providencia quando grassava a gripe espanhola: Fechou-se em sua casinha com os filhos e todos os dias queimava la dentro, bosta de cavalo, burro etc. Gostaria de saber o que acham a respeito\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\/

  11. Vanderli Leite Lima disse:

    Estamos vivendo um momento caótico e não por conta da gripe suína, e sim por conta da falta de capacidade de nosso ministro da saúde em querer minimizar essa pandemia. No Brasil, essa pandemia só não está maior, por que estão mascarando os dados e porque estávamos em férias escolares quando de aterrizou em terras tupiniquins!
    Será que no ministério não tem um especialista sério para orientar????
    E viva o governo Lula, que realmente quer o povo totalmente desinformado!

  12. LP disse:

    A ONDA E CRIPE

  13. Natalia disse:

    Apesar de a gripe suina ter cauzado grandes indíces de mortalidade no Brasil,e outras partes do mundo,a um comentario de que esse virus nâo fugiu por acaso do laboratório.Mas sim de supostamente,foram modificados para causarem mais do que uma simples gripe comum,paradiminuir a
    grande taxa de população do planeta.

  14. Vanderli Leite Lima,
    O Ministério da Saúde não tem nenhum interesse em mascarar dados para a população, e nem em minimizar a importância da pandemia de Influenza A (H1N1) no Brasil.
    Todos os números de casos e óbitos confirmados por exames laboratoriais são divulgados com transparência na imprensa e em nosso portal. As precauções e medidas cabíveis estão sendo tomadas pelo Ministério da Saúde - da conscientização da população à compra, fabricação e distribuição de medicamentos gratuitos para a população, além do investimento em pesquisa para a produção da vacina.
    Para mais informações:
    fernanda.scavacini@saude.gov.br.
    Assessoria de Comunicação
    Ministério da Saúde

  15. Paulo disse:

    Informações precisas sobre a Influenza A(H1N1), gripe suína, http://prevenirh1n1.blogspot.com/
    Vídeos educativos sobre o assunto. Envie também para os seus amigos.

  16. natalia cristinna disse:

    Apesar de a gripe suina ter cauzado grandes indíces de mortalidade no Brasil,e outras partes do mundo,a um comentario de que esse virus nâo fugiu por acaso do laboratório.Mas sim de supostamente,foram modificados para causarem mais do que uma simples gripe comum,paradiminuir a
    grande taxa de população do planeta.mas so uma parguntinha:os jovens que morreram no México (em vez de idosos e crianças), morreram de pneumonia?

  17. Cristina Serrão disse:

    Boa tarde! Minha filha aos 3 anos teve a Dça Guillain-Barret e sempre me falaram que ela deveria evitar vacinas para a gripe e agora estou em dúvida sobre a informação, vocês acham que tem risco para este tipo de paciente que já apresentou a doença?Mesmo a para gripe sazonal existe o risco de a doença voltar?

  18. Michele disse:

    Olá gostaria de saber qual é o fabricante da vacina H1N1 aqui no Brasil? , vacina que esta sendo aplicada nos postos de saúde, porque vi em um site que dois fabricantes não contem adjuvantes e o terceiro contem. Me enfome o nome por favor do fabricante que esta sendo aplicado aqui no brasil.
    Grato.

  19. Michele disse:

    Olá gostaria de saber qual é o fabricante da vacina H1N1 aqui no Brasil? , vacina que esta sendo aplicada nos postos de saúde, porque vi em um site que dois fabricantes não contem adjuvantes e o terceiro contem. Me enfome o nome por favor do fabricante que esta sendo aplicado aqui no brasil.
    Grato.

  20. JOÃO FRANCISCO CECATO disse:

    TIVE A SGB AGUDA PÓS VACINA DO IDOSO INFLUENZA EM 2006 E ATÉ HOJE AINDA ESTOU COM SEQUELA NO 4 MEMBROS LEVE

  21. Karl disse:

    Que bom que vc está bem, João. A SGB é um efeito colateral possível e raríssimo da vacina que já salvou milhões e milhões de pessoas por todo o mundo. Pena ter sido com vc. Espero que vc se recupere bem e totalmente. Obrigado pelo comentário.

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