A Teoria da Vitamina D e a Despigmentação da Pele Humana

Esse post faz parte da blogagem coletiva sobre Luz do Scienceblogs Brasil.

Existem poucas dúvidas de que a linhagem humana e o próprio Homo sapiens surgiram na África Equatorial. A cor da pele dos primeiros hominídeos era negra, se utilizarmos a nomenclatura vigente. Com a dispersão dos hominídeos para latitutes mais elevadas, houve uma despigmentação da pele. Várias teorias discutem qual foi o fator primordial que selecionou a pele clara em latitutes mais elevadas e a manteve escura na região equatorial. O paradigma atual é o da vitamina D, com papel importante desempenhado pelo ácido fólico.

Vit D

 

Am J Clin Nutr 1998;67:1108-10. Printed in USA. © 1998 American Society for Clinical Nutrition

A vitamina D não é uma vitamina de fato, nutricionalmente falando. Na verdade, o termo mais apropriado seria o de pró-hormônio. Ela divide a mesma estrutura química, o anel ciclopentanoperhidrofenantreno, com vários hormônios como o estradiol (hormônio feminino), a aldosterona (hormônio supra-renal responsável pelo metabolismo do sódio) e o cortisol (hormônio com múltiplas funções relacionadas ao stress e a imunomodulação). A vitamina D é fotossintetisada na pele humana devido a infiltração de raios UVB que fotolisam a provitamina D3 em vitamina D3 (ver figura). Esta, por sua vez, vai ao fígado e finalmente, ao rim, para depois exercer seus efeitos. O excesso de sol não produz um excesso de vitamina D. Isso ocorre pois a exposição solar excessiva produz a conversão da próvitamina D3 em lumisterol, inativo, que pode ser reconvertido a vitamina D3 quando a exposição solar diminuir. Além disso, o bronzeamento funciona como um filtro solar que impede o excesso de radiação UVB, diminuindo assim, sua conversão.

Inicialmente lançada por Murray em 1934, a teoria da vitamina D foi ressuscitada e popularizada por Loomis em 1967 e refinada por Jablonski e Chaplin em 2000 com a aplicação de dados quantitativos sobre a radiação UVB. É baseada na simples observação de que a cor da pele de populações nativas segue a seguinte distribuição: 1) pele escura na região equatorial e cinturões tropicais; 2) pele mais clara, regiões acima do paralelo 50; e 3) os de pigmentação intermediária, as latitutes intermediárias entre as duas primeiras. Essa hipótese correlaciona-se muito bem com o índice de reflectância das várias colorações da pele humana aos raios UVB, sendo menor nas peles mais claras que, portanto, absorvem mais raios UVB e em consequência, fotossintetizam mais vitamina D. Isso permite que indivíduos de pele clara tenham uma melhor adaptação a locais com menor insolação.

Segundo o modelo atual, o homem moderno surgiu na África Sub-Saariana há 100.000-150.000 anos atrás. Um grupo migrou para há Europa há 35.000-40.000 anos atrás. A teoria da vitamina D propõe que esses indivíduos foram sofrendo uma progressiva despigmentação da pele até atingirem a pele característica da população europeia atual. Isso se deveu à adaptação à menor irradiação UVB nessas latitudes pois a melanina é um excelente filtro solar. A cereja do bolo é o mecanismo de pressão seletiva: raquitismo. Por meio das deformidades produzidas pela doença, os indivíduos portadores não deixariam descendentes de modo que sua linhagem se extinguiria, favorecendo os de pele cada vez mais clara. Atribui-se às deformidades do raquitismo alterações de mobilidade que impediriam o indivíduo de caminhar e coletar alimentos; fraqueza muscular; nas mulheres, as alterações pélvicas tornariam o parto extremamente difícil ou mesmo impossível. Mesmo assim, uma criança gerada nessas condições pode ter hipocalcemia severa e lesões cerebrais graves sendo essas, importantes causas de mortalidade infantil ainda hoje.

photo of 4 people showing some of the variation in human skin coloration--Sub-Saharan African, Indian, Southern European, and Northwest European

Bem, o tempo passou e os humanos fizeram a maior bagunça. Foram daqui para lá e de lá para cá misturando-se de todo jeito. Então, já que temos indivíduos de todas as cores em todas as latitudes, basta dosarmos a vitamina D em pessoas da mesma latitude para comprovarmos a teoria, certo? Isso tem sido feito desde a década de 30, principalmente nos EUA e o resultado é que americanos negros têm níveis menores de vitamina D que seus compatriotas de pele clara. Estudos in vitro, mostraram que a pele clara chega a absorver 10x mais UVB que a pele escura.

Entretanto, Robins questiona não tanto os efeitos demonstrados, mas muito mais a força da vitamina D e do raquitismo em dar conta de toda a grande variedade da pigmentação da pele humana como mecanismos de seleção natural. Os argumentos são incômodos: 1) Se a pele escura absorve menos UVB, basta aumentar o tempo de exposição. E ele já é baixo, são necessários 30 minutos diários. 2) Há depósitos de vitamina D realizados nos períodos de maior insolação. 3) Como separar esses fatores de condições sócio-econômicas? 4) A exposição solar não é a principal causa de raquitismo. Segundo Robins, escavações mostraram que a frequência de ossadas encontradas com sinais inequívocos de raquitismo varia de 0,7 a 2,5%. Bem diferente da epidemia de raquitismo nas escuras e esfumaçadas cidades européias da revolução industrial.

Chaplin e Jablonski argumentam que não há teoria alternativa que encaixe tão bem como essa. Segundo eles: “Vitamin D is essential to human health. Vitamin D receptors (VDRs) are found on 36 major organs. Vitamin D exerts paracrine functions in 10 organs, and performs essential regulation of B and T lymphocytes, the adaptive and innate immune system, pancreas, brain, and heart (Norman, 2008). It plays an important part in cancer prevention (Garland et al., 2006; Fleet, 2008). It has regulatory effects on inflammatory markers and autoimmune diseases such as diabetes and multiple sclerosis (Holick, 2008; Holick and Chen, 2008). Vitamin D deficiency is implicated in epidemics of infectious diseases like influenza
(Cannell et al., 2008). Single nucleotide polymorphisms of the VDR gene are associated with susceptibility to pulmonary tuberculosis in West Africans (Olesen et al., 2007), and TB and pneumonia are frequently seen together with 25(OH)D deficiency. The lung has its own vitamin D paracrine function that indicates that the vitamin has special significance in protecting lung function (Muhe et al., 1997; Holick and Chen, 2008). Because vitamin D increases muscle performance, it positively affects cardiac output (Valdivielso and Ayus, 2008). Overall, there is an association with perinatal and childhood 25(OH)D status and mortality (Hollis and Wagner, 2004a,b; Lucas et al., 2008b). Because of the lack of comparative population-based studies, it is not yet known how assays of 25(OH)D represent health status, nor what is the essential determinant of pathophysiology: peak concentration, average throughout the year, the nadir, or the range (Millen and Bodnar, 2008)”.
Acho que tudo isso poderia justificar alguma seleção natural, não?

Bom, a teoria da vitamina D é o principal modelo atual para explicar a grande variação de cor da pele humana. Vista dessa forma, não parece estranho darmos tanto valor a um simples mecanismo adaptativo?

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/40/William_Blake-Europe_Supported_By_Africa_and_America_1796.png
De William Blake, Europe Supported By Africa and America, 1796 at Wikipedia

Referência principais

1) George Chaplin, Nina G. Jablonski. Vitamin D and the evolution of human depigmentation. American Journal of Physical Anthropology: 2009 (ahead of print).
DOI: 10.1002/ajpa.21079 US: http://dx.doi.org/10.1002/ajpa.21079

2) Ashley H. Robins. The evolution of light skin color: Role of vitamin D disputed. American Journal of Physical Anthropology: 2009 (ahead of print).
DOI: 10.1002/ajpa.21077 US: http://dx.doi.org/10.1002/ajpa.21077

3) Sobre a inexistência das raças.

Discussão - 4 comentários

  1. Sibele disse:

    É sempre proveitoso retornar a leituras passadas, quando elas complementam recentes, como essa aqui: "Por que temos a cor de pele que temos?" http://wp.me/pwdju-1AF
    Os "postes" de luz ainda estão rendendo, Karl... 🙂

  2. Josenildo Antonio Da Silva disse:

    Boa tarde eu gostaria de saber sí tem cura para doença que dispegmenta a pele como vitiligo?.
    Bobrigado Josenildo

  3. well disse:

    Não sei se eu entendi direito, mas se é como eu entendi, me explicaria o fato que ando percebendo que quanto mais eu tomo sol, depois que fico bastante tempo sem tomar, a cor da minha pele parece ficar mais clara depois que desaparece o bronzeado.

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