Deus, um Desejo

O ateísmo “engajado” parece estar mesmo na moda. Textos agressivos, talvez motivados pela vinda de Richard Dawkins ao Brasil, conclamações, blogs, artigos vociferantes – parece que os ateus “pegaram em armas” e decidiram “sair do armário” contra a religiosidade em geral e Deus, em particular. Apesar de concordar que essa atitude é compreensível, tendo em vista certas notícias publicadas, e que a agressividade de algumas condutas teístas beira mesmo à discriminação, quando não a constitui descaradamente, acho-a ineficaz.

É engraçado: todo mundo lê Dawkins, mas pouca gente lê Michel Onfray. Ele devia ser mais citado e reverenciado nesses tempos de cólera. É dele a frase “Superemos portanto a laicidade ainda marcada demais por aquilo que ela pretende combater.” Dele, a justificativa: “Os excessos se explicam e se justificam pela rudeza do combate da época, pela rigidez dos adversários que dispõem de plenos poderes sobre os corpos, as almas, as consciências, e pelo confisco de todas as engrenagens da sociedade civil, política, militar pelos cristãos.” Dele ainda, o caminho a seguir: “A descristianização não passa por ninharias e quinquilharias, mas pelo trabalho sobre a episteme de uma época, por uma educação das consciências para a razão.” Segue, então, minha humilde contribuição a esse trabalho. (Nos passos de Clément Rosset.)

Episteme. Uma crença sabe sempre dizer porque crê, mas nunca no que exata e precisamente crê. Sim, pois o “grande inimigo da crença não é a ‘verdade’, mas a precisão”. Não sendo possível a “verdade” como resposta, o que seria então preferível, o silêncio ou a mentira? Leiamos juntos essa passagem: “A palavra precisa – seja ‘verídica’ ou ‘mentirosa’ – não possui continuidade nem consequência para a atividade intelectual em seu conjunto: no máximo pode engendrar um erro de fato. Em torno da fala solitária da mentira, tudo é silêncio. A palavra imprecisa, ao contrário – sempre mentirosa, e por omissão -, proporciona um ponto de apoio à representação das ideias: pode ser utilizada numa rede de relações ideais que encontrará sua coesão e sua justificação nessa argamassa imaginária”. Qual a relação entre a imprecisão e o silêncio?

Pode-se (re)visitar as expressões epistemológicas básicas da teoria do conhecimento de acordo com o tipo de silêncio que as violam. O racionalismo – atenção à ideia, indiferença ao detalhe – tem o silêncio ideológico. O empirismo – atenção ao detalhe, indiferença à ideia – tem o silêncio cético. O silêncio ideológico é prolixo e impreciso. Permite uma enxurrada de interpretações que se sustentam em uma rede praticamente invulnerável à crítica; permite que um rumor ideológico gire ao seu redor. Esse é o silêncio da imprecisão. O silêncio cético é cirúrgico e milimétrico em não afirmar e não causar rumor – não pode ser confundido com a metáfora do “armário”. A ideia de Deus e o que advem dela pertencem entretanto, ao silêncio ideológico.

O Desejo

Tenho defendido que o ateísmo engajado de Dawkins é inútil. Mais que isso, é contraproducente. Para facilitar a exposição do meu ponto de vista, consideremos isso como um debate. Essa estratégia ataca o opositor pelo seu lado mais forte; o lado no qual ele é invulnerável, blindado por uma carapaça ideológica difusa e densamente amarrada. Vamos dar meia volta e tentar a retaguarda. De onde vem o apego a essa ideia? O que faz um homem acreditar piamente em histórias fantásticas sem qualquer comprovação? A resposta de um século: O Desejo. “O homem não se engana porque ignora, mas porque deseja.” Mais, o homem que se ilude não mente jamais, pois o desejo nunca é preciso o suficiente para produzir um erro de fato. “Essa falta, não de crença, mas de objeto de crença, é precisamente o que define a especificidade da crença e lhe assegura a invulnerabilidade” – diz Clément Rosset.

Mesmo que se “convença” um homem ou mulher que ele(a) está errado(a) com fatos, números, lógica ou qualquer outro tipo de arma cognitiva que se queira usar, não se mata o desejo que ele(a) terá de que a história decorra assim, da forma como eles a veem, pois o desejo pertence a uma esfera não-cognitiva, instintiva ou animal, inerente ao humano. O desejo é inextirpável! Tentativas de extingui-lo podem danificar permanentemente o hardware humano: somos o que somos por desejarmos ardentemente. A psicopatologia desse desejo não é coisa para um post, nem mesmo uma tese e não se ousa aqui explicar o que filósofos e psicanalistas já tentaram com muito mais competência. Mas, posso avançar que talvez a ideia de Deus (e da própria Natureza divinizada que é a tese de Rosset) são os mais poderosos antídotos já elaborados pela imaginação humana contra a ideia de Acaso. A ideia de Acaso que implica em uma insignificância radical de todo e qualquer acontecimento, de toda e qualquer existência, é um soco no estômago do ser que ousou desejar.

Na impossibilidade do des-desejo, melhor seria compreender no que o desejo implica, no que ele tolhe a liberdade e a capacidade de tolerar. Caminho solitário e difícil. Enfrentar o desejo só lhe dá materialidade e força. A ele, dedico apenas meu silêncio cético e aprendo.

Discussão - 33 comentários

  1. Blog Mallmal disse:

    Sou colega seu, sob o bastão de Esculápio. Fico intrigado. Você é Psiquiatra? Sendo ou não, utiliza tanta introspecção no trato com o doente?

  2. Patola disse:

    Relato pessoal: não pelo livro "Deus, um Delírio", mas pelo livro "O Gene Egoísta" (do mesmo Dawkins) e "O Mundo Assombrado Pelos Demônios" (Carl Sagan) eu, que era espírita e cria em Deus, me tornei ateu. 2001 foi um ano doloroso por causa disso, mudar toda sua cosmovisão não é tarefa fácil, e senti o tal "desejo" que você menciona. Mas nem por isso deixei de me dobrar à razão.
    Acho, no entanto, que evidências boas de que Dawkins & sua trupe de "Novos Ateístas" estão sim convencendo as pessoas é, além da fama que estão ganhando e do destaque da imprensa, sítios como o Convert's Corner: http://richarddawkins.net/convertsCorner (tem um relato meu lá, inclusive) . De que adianta a velha abordagem não-proselitista de ateísmo, se sempre fica escondida nos cantos? Essa sim eu acho improducente, é como querer que as pessoas aprendam química por si próprias ao invés de colocar isso como matéria obrigatória no currículo.
    Razão, pensamento crítico, filosofia e até mesmo física, biologia e demais disciplinas que "contribuem" para o ateísmo não são fáceis. Não dá pra esperar sentado que todos corram atrás, se é que entendi a sua proposta.
    Mas o que vejo, hoje, é uma imensa discussão, um grande furor, um imenso debate sobre religião, religiosidade e ateísmo, causados em grande parte por causa da agressividade dos Novos Ateístas. E eu vejo isso como positivo para a sociedade. Você não?
    OBS.: eu não sei se você quis dizer isso - achei seu texto muito hermético, difícil de entender, especialmente a parte de por quê o racionalismo é indiferente ao detalhe e tem silêncio "ideológico" (??) e o empirismo é indiferente à idéia e tem silêncio "cético" (????) - mas se acha que a advocacia do ateísmo deveria vir conjuntamente a um arcabouço moral e filosófico para permitir a 'transição' sem muita dor, eu concordo, esse suporte é necessário. Tanto que é o que o próprio Dawkins já tentou fazer com um livro como o "Desvendando o Arco-Íris".

  3. "Uma crença sabe sempre dizer porque crê, mas nunca no que exata e precisamente crê." - poderia desenvolver melhor? Por que uma crença saberia dizer *por que* crê, mas não *em que* crê?
    []s,
    Roberto Takata

  4. Rudolf disse:

    Realmente foi um "post" difícil e interessante. Nunca estudei filosofia a fundo, somente picada aqui e alí.
    Poderia falar mais sobre "Uma crença sabe sempre dizer porque crê, mas nunca no que exata e precisamente crê."? Quando uma crença sabe "porque crê"? Isso eu não entendi.
    Achei a representação dessa ideia de precisão e silêncio (ou blindagem à discussão) muito interessante. É uma coisa realmente observável. É incrível mesmo como existem pessoas que realmente abraçam o silêncio ideológico ou o cético. Ambas escolhas são justificadas por tais pessoas. Muitas vezes não tenho como discutir com elas seja por incompetência minha no conhecimento do assunto em questão ou por total incapacidade de transpassar a armadura ideológica da pessoa. Nisso recai o que disse sobre o Desejo, "O homem não se engana porque ignora, mas porque deseja.". Pois é verdade, o Desejo Humano é um assunto para muito mais do que alguns parágrafos.
    Também gostaria de dizer que concordo com você que uma estratégia mais eficaz para desdeizar a humanidade deve se fundar na psiquê humana e não na lógica ou fatos. Por outro lado acho importante os ateus aparecerem. Nós devemos mostrar para o mundo que estamos aqui, para os crentes terem a oportunidade de se questionarem ao verem que há algo destoante com sua ideologia.

  5. maria disse:

    assunto pra filosofar-se com vagar. vou pensar mais. bela discussão, karl.

  6. Karl disse:

    Mallmal, não sou psiquiatra, mas muitos pacientes necessitam de reflexões sobre suas doenças, algumas vezes de forma bastante profunda como já pude verificar. Basta que se dê oportunidade a eles. Queria mesmo melhorar minha formação em psiquiatria.
    Patola e Takata, acho que o texto é difícil mesmo, até porque o texto do próprio Rosset é difícil também. Se o fiz "hermético" foi por inexperiência e falta de intimidade com redações dessa envergadura, jamais pedantismo. Peço-lhes desculpas. Apesar de achar que um texto deveria ser autoexplicativo, acho que alguns esclarecimentos seriam benéficos, em nome do bom entendimento; essa a grande vantagem dos blogs. Não acredito em "conversões". Nada mais místico e metafísico que isso. Estou falando de um ateísmo absoluto nietzscheano, onde todo e qualquer tipo de metafísica é extirpada do pensamento. É extremamente difícil viver e pensar assim e há dúvidas tanto se isso é realmente viável, quanto sobre a validade desse tipo de procedimento.
    A passagem que gerou mais polêmica diz respeito ao núcleo duro de uma crença. Tanto a ideia de Natureza quanto a de Deus dividem a mesma indefinição. O que é a Natureza? O que é Deus? (Experimentem extrair uma definição de qualquer dessas entidades de algum fervoroso religioso ou fundamentalista ecológico. Ouvirão palavras como "força", "espírito" e outras que culminarão em tautologias sem sentido. Em contrapartida, se você pedir uma explicação do porquê eles acreditam em tal e tal coisa, prepare-se, pois vai ouvir um longo e entusiasmado discurso.) Porque ninguém crê especificamente! A crença se sustenta pela resolução de uma tensão interna que não faz parte da racionalidade consciente. É outro departamento! É um desejo de que seja dessa forma. Por isso, as pessoas ficam tão malucas quando acham que aconteceu um milagre! Ora, se acreditam em milagres, por que tanta surpresa quando um "acontece"? Realização de um desejo! Tem uma letra de música que diz
    "Quis saber o que é o desejo
    De onde ele vem
    Fui até o centro da terra
    E é mais além"
    maria e Rudolph. O post não era para ser "difícil". Tentarei melhorar na próxima. maria traga o joão quando vier com mais vagar, hehe. Talvez ele nos ajude a esclarecer algumas coisas.
    Por último, acho que tem muita gente "acreditando" mesmo no ateísmo!

  7. Miniiiino! Você conseguiu ser citado pelo papa-hóstias do Jorge Ferraz [acena] que, como é de se esperar de todo garoto doutrinado, não leu, não entendeu, nem assimilou seus argumentos, ficou apenas com a velha birra infantil que me cansei de ver nessa gente.
    Embora concorde, eu discordo que algumas pessoas desejem ignorar (ou ser enganadas), pois existe na mente do crente cristão a definição do que deve ser considerado verdade e é este conceito que supera/superpõe qualquer fato ou visão que desafie ou desautorize essa cosmovisão.

  8. Karl disse:

    Graande Beto,
    Obrigado pelo comentário que muito me honra. Putz, vi o post dele [medo!] hehe. Acho que não entendeu mesmo. É isso que me faz pensar que a atitude agressiva dos ateus engajados é BEM compreensível. Mas como o pessoal vem comentando, acho que o texto ficou um pouco difícil. Tentei resumir uns pensamentos do Rosset num espaço curto e, sem muita prática, talvez não tenha conseguido a clareza que gostaria.
    Seja benvindo ao Ecce Medicus.

  9. Rodrigo Olmos disse:

    Oi Karl,
    Excelente texto!
    A questão sobre a idéia de Natureza e a idéia de Deus poderia ser respondida por um simples: "são a mesma coisa", como diria Espinosa (o ateu mais profundamente religioso, ou o religioso mais profundamente ateu que já existiu). Acho que vc, Karl, além de habermasiano é também espinosano e até deleuziano (andou falando de rizoma num comentário outro dia, não??) O que acha deles?
    Por último, posso dizer, com grande honra, que também fui citado pelo papa-hóstias Jorge Ferraz. Deêm uma olhada: http://www.deuslovult.org/2008/10/07/ataque-ao-opus-dei-folha-de-sao-paulo/
    Grande abraço
    Rodrigo

  10. Blog Mallmal disse:

    Verdade. Meu "quasi-amigo" e desafeto intelectual do Deus Lo Vult, o Jorge, deve assinar o feed do seu blog. Que nem eu. Uma pessoa de bom gosto.
    Infelizmente ele tem que manter sua postura de xerife religioso, quase uma polícia islâmica e não pode dar o braço a torcer e admitir o brilhantismo deste texto.
    Pelo menos te deu um link, o blog dele é bastante visitado por católicos. Quem sabe um ou dois caiam na real! 🙂

  11. Brazuzan disse:

    Karl, confesso que não entendi muita coisa, mas deixo aqui minha contribuição.
    Você diz que a abordagem engajada do Dawkins é inútil e contraproducente: inútil porque não ataca o âmago da questão, que diz ser o desejo (desejo de que a crença seja real se entendi bem), mas você não diz a razão de ser contraproducente. Você poderia apontar evidências que apóiem essas conclusões?
    O que você quis dizer com "tentativas de extinguir [o desejo] podem danificar permanentemente o hardware humano"? Isso implica em desejos imutáveis?
    O comentário do Patola contém uma relato pessoal de desconversão e um link com outras histórias. Eu também já fui religioso e hoje sou ateu, assim como todos os ateus que conheço, então não entendo a afirmação de que não é possível inibir o desejo que sustenta uma crença. Você subestima a capacidade das pessoas de reavaliarem suas crenças e desejos quando confrontados com bons argumentos e evidências.
    Ainda sobre desconversões, alguns dias atrás assisti a um vídeo de uma pessoa contando sua experiência e acho que sua história é bem adequada a essa discussão. O rapaz admite que tinha o desejo de ser cristão: pensava que suas visões nunca iriam mudar e desconsiderava fatos que contradiziam seus dogmas sem nenhum problema. O que fez sua fé começar a se abalar foi o comentário de um professor sobre um texto inflamado que ele tinha escrito em resposta a um vídeo que contradizia a bíblia: "Sim, você escreveu quais são suas crenças, mas você poderia dizer por que crê nelas?". Ele não proferiu um longo e entusiasmado discurso, ele simplesmente não soube responder. E algum tempo depois, o desejo se esvaiu junto com sua fé.
    Se "uma crença sabe sempre dizer porque crê, mas nunca no que exata e precisamente crê" e "o desejo é inextirpável", essa história não poderia ter acontecido. Assista, penso que você achará interessante: http://www.youtube.com/watch?v=A0WwZc-Vz7Y
    (Ele fez dois vídeos, um dando atenção ao aspecto emocional de sua transição e outro ao aspecto cognitivo, recomendo ambos).

  12. Wendell disse:

    Excelente texto. Do mais, não vejo muita diferença entre ateus fanáticos em relação a religiosos extremistas. Ah, e não concordo com esse pensamento absurdo de que "tornar-se ateu é render-se a razão". Pelo contrário, tornar-se ateu lendo os inflamados livros de Dawkings é tão alienante quanto dizimar na igreja renascer.

  13. Daniel disse:

    Bom dia a todos. Parabenizo o site pela discussão de alto nível.
    Achei que poderiam ser relevantes algumas idéias minhas sobre o tema. Por favor, tentem julgar com imparcialidade.
    Esclareço ser Espírita, mas não considerar o Espiritismo uma religião, exceto pelo que se transformou em terras brasileiras. Sou teísta, portanto; mas não religioso. Penso que os termos são comumente confundidos pelo confronto histórico entre os aspectos tradicionais de Ciência (materialista, que lida com a razão) e Religião (espiritualista, que lida com a emoção e o “desejo”). Entretanto, penso ser possível encontrar o equilíbrio entre o fundamentalismo religioso puramente emocional e o fundamentalismo científico puramente racional, uma vez que a Religião na maioria das vezes sequer pretende explicar alguma coisa, mas a Ciência materialista, por sua vez, explica muitas coisas, mas não tudo.
    Obviamente absurda, por exemplo, é a “explicação” religiosa para a origem do Universo, ou da vida. Por outro lado, a Ciência materialista interpreta a ausência de prova material da existência do imaterial como uma prova da sua inexistência... Ora, isso é igualmente absurdo.
    O preconceito e o orgulho parecem fazer com que a discussão beire o radicalismo para um ou outro lado: religiosos orgulhosos colocam o Homem acima do resto do Universo por considerarem-no “semelhante” a Deus, e cientistas orgulhosos simplesmente abandonam qualquer idéia de Deus por considerarem suficiente a investigação científica para decifrar tudo o que ainda nos é desconhecido. Enquanto o orgulho for o fator decisivo para a opinião, esta tenderá a ser preconceituosa.
    O Universo não existe apenas “porque Deus quis”... Mas qual o problema de haver um Deus que tenha elaborado as leis físicas de tal modo que a fusão nuclear ocorresse no que chamamos de estrelas, e que explosões de supernovas e nebulosas planetárias disseminassem elementos pesados pelo espaço?...
    As espécies não existem apenas “porque Deus quis”... Mas qual o problema de haver um Deus que tenha elaborado as leis biológicas de tal modo que a genética fosse responsável pelas características dos seres vivos, e que a seleção natural agisse como mecanismo evolutivo?...
    É verdade: talvez a crença em Deus seja motivada pela aversão humana ao Acaso. E as atrocidades cometidas por religiosos, em nome de Deus, ao longo da História (mesmo contemporânea), não ajudam a motivar o homem inteligente a crer. Entretanto, os céticos devem se lembrar de que a própria Ciência, ao propor novas explicações a antigos fenômenos, muitas vezes afasta o Acaso da equação.
    Enquanto os antigos talvez vissem o Acaso na “queda” de um raio ou num tremor de terra em determinado local, hoje a Ciência talvez não possa prever, mas certamente dispõe de muitas explicações melhores para sua ocorrência, uma vez que ocorram. Assim, a busca de cadeias causais é também avessa ao Acaso, até o ponto em que não consiga elaborar uma explicação satisfatória.
    Crer em Deus não deveria significar contentar-se com a “Sua Vontade” para explicar fenômenos. De modo análogo, não crer não deveria significar contentar-se com o Acaso.
    Ainda que para o crente o “desejo” seja peça fundamental, penso que a ignorância é sim muitas vezes o que lhe faz desprezar explicações racionais, induzido a tal por líderes que se beneficiam direta ou indiretamente da sua crença. Por outro lado, a instrução racional e com embasamento científico não deve ser um antídoto contra a crença, mas contra a irracionalidade da crença.
    Certamente haverá quem discorde; mas penso ser possível uma crença racional, a partir da aceitação dos limites da própria razão, ainda que sem conformismo diante da posição atual de tais limites.
    O discurso que rotula de “silêncio” ou “mentira” o que foge à “verdade” parece muito simplista, uma vez que desconsidera “verdades relativas”. Ou alguém dirá que a Física Newtoniana não funciona bem para pequenas escalas de tempo, espaço e velocidade?... A “verdade” deve ser abordada de modo diferente em diferentes níveis.
    Talvez toda a confusão nasça do fato de que Deus, colocado como tal, foge completamente do nível da compreensão humana, e, portanto, supostas “verdades” a respeito se tornam tão imprecisas quanto a “crença” em si. Reconhecer o limite de racionalização de uma “verdade” em um nível diferente poderia evitar conflitos desnecessários, uma vez que não é possível haver vencedores em uma discussão sobre o que ambos os lados desconhecem, seja a discussão racional ou não.
    Assim, penso que a questão não é “crer ou não”; é “impor ou não aos outros a própria crença ou a ausência dela” – uma vez que a ausência de uma crença é também uma crença no inverso... Confuso? De qualquer modo, sob esse aspecto, quanto menos tolerante for o indivíduo, menos razão ele terá, independentemente do mérito da sua crença ou do seu ceticismo.

  14. Patola disse:

    Se não acredita em conversões, meu relato pessoal e direto que em 2001 me converti de espírita religioso para ateu é uma mentira? Eu estou me auto-enganando, eu *não* teria mudado minha cosmovisão?
    Eu é que estou hesitante em acreditar que você não acredita em conversões... Ou entendi muito mal o que você disse!

  15. Carlos Hotta disse:

    Patola,
    acho que o karl quis dizer que não acredita em fazer pessoas se converterem e não nas pessoas se converterem. É todo o questionamento dele do movimento ateu ativo.

  16. Brazuzan disse:

    Carlos,
    Qual a diferença entre uma conversão estimulada por um desafio às crenças ("fazer as pessoas se converterem") e uma conversão não estimulada ("pessoas se converterem")? Como uma pode existir e a outra não?
    Toda conversão ou transição psicológica é iniciada por algum agente externo que faz a pessoa questionar ou reavaliar ideias estabelecidas.

  17. helen de Abreu disse:

    Parabéns pelo Blog!!! Há tempos procuro discussão tão interessante na blogosfera e não encontro nada além do "fascínio da ciência moderna", tão milimetricamente calculado e comprovada por artigos científicos publicados em revistas internacionais. Esse post do Dawkins está impecável, unindo a tão demodê e interessante idéia do desejo a essa verdadeira febre pela comprovação científica e negação do imprevisível.

  18. Karl disse:

    Daniel, a ciência não afasta o acaso: leva-o em consideração seriamente. Esse é o problema. As turras entre a ciência e a religião antes do séc. XVIII ocorriam devido a oposição de visões cosmológicas, mas havia "padres" cientistas (alguns muito bons, vide Bayes, Mendel, etc). Quando a ciência conferiu poder de criação ao acaso (fisica quântica e teoria da evolução) é que a coisa pegou.
    Brazuzan, Hotta, Patola. Para mim, a expressão "conversão ao ateísmo" é vazia. Quer dizer que quem se "converte" em ateu agora "acredita" no ateísmo? O ateísmo é uma não-crença, um não-lugar. Não é uma filosofia de vida. É uma não-filosofia. Converter-se é trocar uma crença por outra. Como posso chamar de ateu aquele que "deseja" que Deus não exista?
    Daí a pergunta: se o ateísmo é uma não-crença, como vou pregá-la? Como posso "converter" alguém?

  19. Aleph disse:

    Karl,
    texto um pouco obscuro para minha capacidade.Se entendi alguma coisa, "Deus, um desejo" é substituível, do ponto de vista wittgensteiniano, por "Polícia para quem precisa de polícia". É só substituir "polícia" e "ela" por "deus". Slave a epistemologia!
    Dizem que ela existe pra ajudar
    Dizem que ela existe pra proteger
    Eu sei que ela pode te parar
    Eu sei que ela pode te prender
    Polícia para quem precisa
    Polícia para quem precisa de polícia
    Dizem pra você obedecer
    Dizem pra você responder
    Dizem pra você cooperar
    Dizem pra você respeitar
    Polícia para quem precisa
    Polícia para quem precisa de polícia

  20. Netto disse:

    Enfim de que adianta clamar aos quatros ventos que se eh ateu?
    Sou ateu a anos e nunca escondi,porem não vejo a necessidade de tentar se convencer alguem que ele esta errado.Eh mera questão de ponto de vista,eu consigo viver bem com a ideia (e realidade) do acaso,mas isso não significa que todos consigam - ou queiram - viver nessa realidade.
    O homem realmente tem a necessidade (ou como vc mesmo disse o desejo) de acreditar em algo,afinal eh isso que acaba dando sentido a vida de muitas pessoas,eh isso que as acalenta no seu sofrimento...E de certo modo ninguem tem o direito de tirar isso de ninguem,nem mesmo em nome de uma grande verdade.
    A melhor verdade sempre será a mentira que quisermos ouvir.

  21. Brazuzan disse:

    Karl, Foi por isso que usei o termo "desconversão" na minha primeira resposta por falta de outro melhor.
    O que tentei contestar foi a afirmação de que o desejo é inabalável e que tentar extinguí-lo pode causar danos. Isso simplesmente não é verdade: se não se pode mudar ou abandonar desejos, então transições psicológicas seriam impossíveis, e várias delas já foram citadas nesta seção de comentários. Sua crítica ao Dawkins torna-se vazia se baseada nessa asserção.
    Não dá para pregar uma não-crença, mas dá para desafiar crenças. É isso que o Dawkins faz, e não vejo como isso pode ser inútil ou contraproducente.

  22. Karl disse:

    Caro Brazuzan,
    A primeira frase do último parágrafo do post é "Na impossibilidade do des-desejo..." O desejo é inextirpável, mas o mais óbvio corolário de todo esse raciocínio é que ele pode ser deslocado para outro objeto ou/e substituído. Extirpe-se a "maquinaria desejante" de um ser humano e o que sobra? Talvez seja essa uma boa definição para zumbi.
    Dawkins chove no molhado e põe fogo na fogueira. Seu discurso faz sentido para quem já é ateu e gera enormes resistências em teístas esclarecidos. Parece cavar um fosso entre as duas correntes de pensamento onde deveriamos construir pontes.

  23. Eduardo disse:

    Eles são antiteísta (um termo novo que relutam a adotar) e estão realmente tentando consertar o mundo no que eles acham que é certo. No fundo também são todos moralistas em uma cruzada.

  24. Brazuzan disse:

    Bem, já que o desejo que alguém tem de que suas crenças sejam verdadeiras pode ser substituído por outro, então esse desejo específico é extirpável. O que não quer dizer que a capacidade de desejar também seja.
    Para ser substituído são necessários estímulos externos, como os oferecidos por Dawkins. Seu discurso gera resistência em teístas porque ele desafia ideias aceitas com carinho há bastante tempo por eles. O fato deles resistirem aos argumentos do Dawkins e ocasionalmente apresentarem reações emotivas de desgosto é na verdade um sintoma de que os argumentos são bons. Eles incomodam, promovem discussões e estimulam as pessoas a considerarem objetivamente suas crenças. O modelo de transição psicológica apresentado no vídeo que eu linkei prevê esse tipo de reação negativa nas etapas iniciais de uma transição.
    Para se construir uma ponte os dois lados devem colaborar. Posar de vítima quando alguém aponta seus defeitos não ajuda na discussão. Toda oposição ao Dawkins que tenho visto não diz exatamente o que está errado em seus argumentos, apenas diz o quanto ele é insensível e arisco por ter tido a audácia de dizê-los; e que nós deveríamos discutir de outra forma, mas sem nunca sugerir uma alternativa.
    E repetindo: Se o discurso é ineficaz, por que há tantos relatos de pessoas qeu perderam a fé depois de lerem "Deus, Um Delírio" ou outro livro similar?

  25. Karl disse:

    Caríssimo Brazuzan,
    O desejo por propósito não é um desejo específico. O que há de errado (se é que há mesmo) com os argumentos de Dawkins não é absolutamente relevante aqui. Pelo contrário, eu particularmente aprendi muito. Apenas, sob o meu ponto de vista, essa batalha não é travada no nível da racionalidade. Só isso. Perdoe-me divergir.
    Não acho que as pessoas perderam a fé, apenas transmutaram-na para outro objeto. Por exemplo, para o próprio Dawkins e suas ideias. Desculpe, mas acho que a leitura de uns poucos livros é demasiado pobre para se ganhar ou perder a fé em qualquer coisa que seja. Além do mais, duvido que um teísta de carteirinha gastasse 50 paus para ler (e entender) 528 páginas de um petardo no peito sobre a desconstrução de TODO o seu mundinho cor-de-rosa no qual ele vive desde a tenra infância, a menos que fosse masoquista intelectual! Isso também vale para o seu vídeo predileto.
    Seu "desejo" por uma alternativa a isso tudo é revelador. Não há alternativa, adianto. A alternativa a existência de Deus (propósito) não é uma outra crença; é um tipo de desespero, caro amigo. Um desespero existencial com o qual tem-se que lutar diuturnamente... É o preço a se pagar pela ousadia da tentativa do livre-pensar.
    Relaxe. Deixe o barco correr um pouco. Leia Onfray; bastante Nietzsche [Sartre, não! ;)]. Mas sobretudo, não acredite em mim. Aliás, não acredite em ninguém! Esse, o verdadeiro ateu...

  26. Luís Brudna disse:

    Karl.
    Existem diferentes estilos de ateísmo. (Parece que) São poucos os ateus que acreditam que NÃO existe um deus (ou deuses). Boa parte dos ateus que encontro em fórum apenas não tem crença em deuses.

  27. Caro Karl
    Parabéns pelo excelente texto.
    Sou cristão, um cristão atípico confesso, sou evolucionista e adoro ciência. Já li "Deus Um Delírio" e "O mundo Assombrado por Demônios" de Sagan. Não me fiz ateu, mas fiz uma autocrítica daquilo que considero ser a minha fé.
    Penso, que o "sair do armário" de certos ateus é um desespero ou uma auto-afirmação, do tipo: "preciso não crer, preciso não crer" assim como fazem os fanáticos que pregam nas praças.
    Para arrefecer a religião ou para dar uma nova roupagem a mesma, é preciso investir em educação e saúde. Pois enquanto não houver uma justa distribuição de rendas a religião fetichista vai reinar. Porque a única esperança dos desapossados é Deus, visto que não tem acesso à saúde vão buscá-la nas igrejas; como não tem acesso à segurança do mesmo modo vão buscá-las nas Assembleias de Deus ou nas Igrejas Universais. E quanto ao ensino? Enquanto tivermos a escola pública que temos, o sobrenatural reinará.

  28. Brazuzan disse:

    Karl, fique à vontade para divergir, só gostaria que sua base fosse mais sólida. Então os argumentos do Dawkins em si não são o problema, a forma da discussão (ou "batalha") é que é. Como separar os argumentos da maneira de discutir? Tudo o que há nos textos e filmes do Dawkins são seus argumentos.
    Por que "a batalha não é travada no nível da racionalidade"? Em que nível é travada?
    O resto de sua resposta baseia-se na premissa de que os "desconvertidos" não perderam a fé, apenas deslocaram-na para outro objeto - e isso é dito baseado em nada além de sua opinião. Perdão, mas não vem ao caso se você considera improvável a perda da fé após algumas leituras, o que importa é se isso ocorre ou não. Os relatos de desconversão são um indício a favor dessa possibilidade e não podem ser descartados tão facilmente, ainda mais tendo em vista a ausência de evidêncais que apontem o contrário. A fé ou a falta dela só pode ser avaliada/percebida pela própria pessoa, não é tão simples sugerir que ela apenas se transformou.
    Como eu já disse, todas as leituras, vídeos, discussões, etc.; toda essa batalha serve apenas para estimular as pessoas a considerarem objetivamente suas crenças por um momento. Nenhum livro promove uma epifania, mas ele pode iniciar um processo de transição, encerrar um processo já iniciado ou simplesmente auxiliar ou atrapalhar essa jornada.
    Uma nota: eu me referi a uma alternativa ao discurso dos "neo ateístas" e não uma alternativa a Deus. É comum dizerem que eles deveriam proceder de outra maneira, mas normalmente não há uma sugestão aplicável. Por exemplo, dizer "[Dawkins] parece cavar um fosso entre as duas correntes de pensamento onde deveriamos construir pontes", sem dizer que abordagem prática levaria à construção de pontes.
    Nem todos que acreditam em deus o fazem para suprir o desejo por propósito. Eu sigo acreditando nas pessoas e desacreditando em divindades. Não confunda ateísmo com niilismo.

  29. Karl disse:

    Temo polarizar demais o discurso, entretanto, seguem alguns esclarecimentos sobre os meus pontos de vista:
    1. Não. Não há nenhuma possibilidade de discutirmos isso com o que vc chama de "bases sólidas". Como discutir o "desejo" em bases sólidas? A psicanálise não tem nenhuma base considerada, em seus termos, sólida até hoje. É como discutir Fernando Pessoa em "bases sólidas"... A mera solicitação de uma "base sólida" mostra uma faceta positivista que diverge bastante da que tentei esboçar, por não dar conta, a meu ver, do aspecto mais importante do problema.
    2. Quase como consequência, concluímos que a batalha é travada nas camadas mais profundas do Eu. Desse mesmo eu, sujeito que vem sendo desconstruído na pós-modernidade.
    3. Prometo que tentarei não confundir ateísmo com niilismo. Obrigado pela dica.

  30. Rudolf disse:

    Bela discussão. 🙂

  31. Álvaro disse:

    Não sei absolutamente nada de Filosofia (ainda assim deu pra entender tua posição Karl) No entanto, esta coisa de religião, Deus e Ciência é bem mais simples que as belas abordagens filosóficas. E, olha: as pessoas que insistem e "acreditam" nesta hipótese encerram duas características; I -Não sabem ciência (conhecimento técnico propriamente dito) e II - se souberem são desonestos intelectuais. O Francis Collins se enquadra no 2º grupo (porque adota a natureza e a revelação científica sobre esta como indicativos da existência do Criador). Aos versados nas ciências biomédicas é sabido que existe, sim, correlação entre homossexualidade genes e ambiente. Sem citar ainda outros fatores da escala mensurável (escala da matéria) capazes de alterar em algum grau significativo ou não a expressão da personalidade e todos os objetos psicológicos inerentes à esta. Os crentes (intelectuais) feito Collins procuram ignorar estas notações. Até mesmo a de que se você ingerir álcool além da conta seu CÉREBRO será afetado, e não algum tipo de "substância extracorpórea" - vulgo "alma".
    Ignoram ainda, quando estes pertencem à judaica-cristã, outro figurante oposto ao Criador: o diabo. Satanás têm a mesma natureza existencial que Deus segundo as Escrituras. Interessante que cientistas crentes preferem apresentar um Deus Matemático (não se parece nem um pouco com o Deus da Bíblia) lembrando que a Bíblia é instrumento das verdades teológicas, logo, sustento da fé de todos os que se identificam com esta proposta espiritual. Ou seja, na prática, cientistas crentes não possuem uma fé verdadeira igual aos "crentes de garagem" - para os últimos o diabo tanto quanto Deus rondam suas existências. Acreditam nisto via correlação entre fatos classificados como "procede ou não de Deus". Filósofos teístas e cientistas religiosos isolam o diabo porque considera muito "pra cabeça": é difícil (pra eles), senão ridículo, assumir a existência do "diabo e seus anjos" demônios capazes de dominar a bioquímica neuronal só pra formalizar a Esquizofrenia, depressão, psicoses e suicídio (Rasgam o Novo Testamento em 1.000 pedaços) porque sabem que muito provavelmente os psiquiatras e neurologistas não irão topar com uma Tomografia Computadorizada de um "encéfalo possesso". Sabem que as chances de a psicofarmacologia inventar medicamentos capazes de agir entre neurotransmissores e demônios, é nula. Por isto que Jesus (Filho de Deus) não costuma aparecer nos tratados de conciliação entre fé e Ciência (porque Jesus expulsou demônios) e demônios "é coisa medieval" ou "pra ignorantes". (lembrando que muitos crentes intelectuais apologetas acreditam em Jesus Cristo). Daí obtemos o seguinte: filósofos teístas que não praticam uma doutrina representativa da fé hebraica (inventam 1 Deus que existe, mas não no sentido real, tá mais pra uma substância inteligente que ocupa os espaços entre moléculas, átomos e partículas subatômicas. Em suma: deturpam a figura de uma crença específica (hebraica)e joga sobre o Universo (se esquecendo que os outros Deuses de outras fés possuem chances iguais de existir). Do outro lado, cientistas teístas apologetas, inseridos numa representação da fé hebraica (tipo Collins que é católico), mas não "crê" por inteiro. É bem curioso (e, aliás o Dawkins já discorreu sobre isto): se se perguntar ao Collins se ele "crê" na serpente que tentou Eva, ele coça o queixo e diz: "Bem... a Bíblia tem metáforas..." em suma, não Crê. Mas, confessa crêr em Nossa Senhora (incluindo suas aparições documentadas pelo Vaticano), crê ainda em Jesus (incluindo a cura do "lunático" [descrito no Novo Testamento] do qual "saíram espíritos malignos" de um jovem que, dentre outras ocorrências, lançava-se em fogueiras, feria a si mesmo (o pai do jovem dissera a Jesus que os espíritos lhe faziam isto para matá-lo) até que certa feita Jesus o libertou deste domínio espiritual). Que diferença há entre 1 cérebro dominado por demônios e 1 serpente na mesma condição? A serpente não falou porque o diabo estava nela? Mas Collins e afins preferem "silenciar" sobre tais pormenores porque do contrário podem acabar revelando de uma vez por todas a completa irracionalidade da fé. Principalmente da judaica-cristã. A judaica-cristã é digna de nota porque trinfou sobre outras. E quando rola bate-papo sobre ciência X fé os intelectuais da ala judaica, católica e protestante despontam rapidamente a fim de defender a capacidade elucidativa desta fé em algum aspecto (e de fato o faz no sentido subjetivo apenas) porque em termos de elucidação natural sem dúvida cabe à ciência este poder. Ainda assim a teimosia e os conflitos decorrentes não cessam. Pois quando se diz "E criou Deus os céus e a terra" todas as assertivas sobre a natureza desembocam nesta máxima. Por isto que citei a respeito da homossexualidade anteriormente. Já vi e ouvi centenas de vezes exortações detonando com alguma demonstração científica a respeito do cérebro homossexual. Veja, minha preocupação não é agitar uma bandeira com as cores do Arco-Íris, apenas ressaltar como as religiões forçam a disputa em torno do mesmo objeto sobre o qual a ciência está debruçada: a ordem da natureza. Que neste caso é a expressão "mensurável" do que faz um indivíduo se interessar por outro de idêntico sexo. A verborragia religiosa fica apavorada e procura combater estas revelações (porque segundo a Bíblia que é instrumento da verdade teológica) homossexuais são humanos dominados por espíritos de prostituição. Outra vez surge o Diabo e seus anjos os quais estão condenados (por desejo dos intelectuais teístas ou até fingimento) ao ostracismo."Dignos de morte são os que tais coisas fazem" ensina o apóstolo Paulo em uma de suas cartas a respeito dos homossexuais. Independente do que seja esta "morte" (figura de linguagem ou não) isto é certo: a perspectiva é SOBREnatural. Se a ciência demonstra genes e geometria cerebral diretamente relacionados ao fenômeno da homossexualidade, ela atropela os fundamentos espirituais da crença. É isto que Collins e outros entusiastas da conciliação entre fé e ciência querem evitar: uma comparação paulatina entre cada assertiva da crença. Eles não lembram das ocorrências bizarras rolando entre crentes menos indoutos. Casos de extirpação da glande (porque não conseguia evitar o hábito da masturbação) dúvidas como "ejacular no rosto é pecado?" "gemer na relação é pecado?" "sexo anal é pecado?" é só entrar na Net e verificar como funciona na prática a crença. Essas dúvidas revelam seriamente as razões pelas quais os cérebros acreditam em supostos fatos sem a menor evidência. Revelam também quais são os verdadeiros fundamentos e supostas provas da existência de Deus: pra 1 sujeito arrancar centenas de testículos e derrotar centenas de soldados só algo sobrenatural poderia lhe fornecer tamanha dinâmica (é o caso do rei Davi - um dos primeiros de Israel). A pessoa ouviu uma voz que dizia: "vai e mata tudo quanto tens... boi, crianças, mulheres... para que seja varrida a memória deste povo" (Samuel alegou ter ouvido a "voz de Deus" ordenando-o a liquidar os amalequitas). Estas são as bases e provas de que Deus existe as quais também ficam escondidas. Bases que Alister Mcgrath em "O Delírio de Dawkins" não colocou um verbo a respeito. As bases deste Deus, da fé nele e em sua existência está nas Escrituras. Fora dela é pura enrolação. Ou de filósofos pseudo-crentes ou de crentes desonestos. Aliás, quando crentes intelectuais recorrem a Filosofia a fim de providenciar alguma solidez, já apontam a fragilidade absoluta de qualquer indicação a respeito da plausabilidade do sobrenatural.

  32. Karl disse:

    Álvaro, muito oportuno e esclareceder seu comentário (além de altamente filosófico!). Você colocou de forma clara o problema do Mal no mundo (do qual já até falamos aqui no blog) e que se constitui um problema teológico de "gente grande".
    Encontrei aspectos peculiares de sua crítica aos cientistas teístas que passarão a incorporar minha matriz conceitual sobre o tema. Em especial, achei muito interessante a visão da fé prática.
    Não gosto de dualismos. Em particular, o Ciência x Fé é uma falácia. Ninguém tem mais fé que um cientista! A questão é fé em quê? A ciência é uma forma de descrever a realidade. A religião, outra. A poesia, a literatura, a pintura, outras. O que caracteriza a ciência é seu método. A ausência desse método em outras formas de descrição da realidade não é um defeito e sim, uma petição de princípio. Vai daí, um corolário de mal-entendidos.
    Obrigado pelo comentário.

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